Ministério da Educação Secretaria de Educação Especial Altas Habilidades / Superdotação Volume 1: Encorajando Potenciais Angela M. R. Virgolim Brasília, DF 2007 FICHA TÉCNICA Secretaria de Educação Especial Claudia Pereira Dutra Departamento de Políticas de Educação Especial Cláudia Maffini Griboski Coordenação Geral de Desenvolvimento da Educação Especial Kátia Aparecida Marangon Barbosa Autora Angela Mágda Rodrigues Virgolim Revisão Técnica Renata Rodrigues Maia-Pinto Tiragem 5 mil exemplares Projeto Gráfico Michelle Virgolim Ilustrações Isis Marques Lucas B. Souza Fotos Vini Goulart João Campello Banco de imagens: Stock Xchng Capa Rubens Fontes FICHA CATALOGRÁFICA Dados Interncaionais de Catalogação na Publicação (CIP) Virgolim, Angela M. R. Altas habilidade/superdotação: encorajando potenciais / Angela M. R. Virgolim - Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Educação Especial, 2007. 70 p.: il. color. ISBN 978-85-60331-13-0 1. Superdotação. 2. Identificação de talentos. 3. Educação dos superdotados. I. Brasil. Secretaria de Educação Especial. II. Título. CDU 376.54 APRESENTAÇÃO A proposta de atendimento educacional especializado para os alunos com altas habilidades/ superdotação tem fundamento nos princípios filosóficos que embasam a educação inclusiva e como objetivo formar professores e profissionais da educação para a identificação dos alunos com altas habilidades/superdotação, oportunizando a construção do processo de aprendizagem e ampliando o atendimento, com vistas ao pleno desenvolvimento das potencialidades desses alunos. Para subsidiar as ações voltadas para essa área e contribuir para a implantação, a Secretaria de Educação Especial do Ministério da Educação – SEESP, convidou especialistas para elaborar esse conjunto de quatro volumes de livros didático-pedagógicos contendo informações que auxiliam as práticas de atendimento ao aluno com altas habilidades/superdotação, orientações para o professor e à família. São idéias e procedimentos que serão construídos de acordo com a realidade de cada Estado contribuindo efetivamente para a organização do sistema educacional, no sentido de atender às necessidades e interesses de todos os alunos, garantindo que tenham acesso a espaços destinados ao atendimento e desenvolvimento de sua aprendizagem. A atuação do MEC/SEESP na implantação da política de educação especial tem se baseado na identificação de oportunidades, no estímulo às iniciativas, na geração de alternativas e no apoio aos sistemas de ensino que encaminham para o melhor atendimento educacional do aluno com altas habilidades/superdotação. Nesse sentido, a Secretaria de Educação Especial, implantou, em parceria com as Secretarias de Educação, em todas as Unidades da Federação, os Núcleos de Atividades de Altas Habilidades/Superdotação – NAAH/S. Com essa ação, disponibiliza recursos didáticos e pedagógicos e promove a formação de professores para atender os desafios acadêmicos, sócio-emocionais dos alunos com altas habilidades/superdotação. Estes Núcleos são organizados para atendimento às necessidades educacionais especiais dos alunos, oportunizando o aprendizado específico e estimulando suas potencialidades criativas e seu senso crítico, com espaço para apoio pedagógico aos professores e orientação às famílias de alunos com altas habilidades/superdotação. Os professores formados com o auxílio desse material poderão promover o atendimento e o desenvolvimento dos alunos com altas habilidades/superdotação das escolas públicas de educação básica e disseminando conhecimentos sobre o tema nos sistemas educacionais, comunidades escolares e famílias nos Estados e no Distrito Federal. Claudia Pereira Dutra Secretária de Educação Especial SUMÁRIO Introdução Capítulo 1: Por que investir na educação de alunos com Altas habilidades/superdotação? O papel da família, da escola e da sociedade no desenvolvimento dos talentos Capítulo 2: O que as palavras querem dizer? As diferentes terminologias e definições na área Capítulo 3: Como reconhecer uma criança superdotada? As características cognitivas, afetivas e sociais do superdotado Capítulo 4: Encorajando potencialidades Desenvolvendo a superdotação na teoria e na prática INTRODUÇÃO Sempre que falamos em superdotação, o que nos vem à mente é a figura dos grandes gênios e visionários da humanidade. Albert Einstein, William Shakespeare, Wolfgang Amadeus Mozart, Isaac Newton, Charles Darwin, Leonardo da Vinci, Marie Curie, Mahatma Ghandi e Pablo Picasso estão entre os relativamente poucos que ousaram inventar idéias inteiramente novas e quebrar os paradigmas vigentes em suas áreas. Todos eles se destacaram em virtude de suas realizações criativas, deram contribuições positivas para a humanidade e elevaram o conhecimento humano, as ciências, a tecnologia, a cultura e as artes a patamares inusitados. No entanto, chama-se a atenção, nos dias atuais, para o fato de que essas mentes extraordinárias, a despeito de suas potencialidades genéticas, não nasceram inteiramente prontas. Não há uma separação absoluta entre tais pessoas e os seres humanos “comuns” como eu e você. Pesquisadores chamam a atenção para o fato de que todos temos aspectos comuns no nosso desenvolvimento e, embora nem todos nós sejamos um dia reconhecidos por nossos talentos, torna-se reconfortante pensar que podemos encorajá-los e desenvolvê-los pelo menos para levarmos vidas mais produtivas e satisfatórias. A criança entra na vida escolar, em geral, sem consciência de seus talentos. Muitas crianças não têm a oportunidade de explorar suas potencialidades em seus anos iniciais de vida e seus talentos podem ficar escondidos ainda durante os anos escolares e, às vezes, por toda a sua vida. É vital para a criança, já nas primeiras séries, sentir que é aceita pelos professores e colegas de classe. No entanto, se o professor não valida ou aceita as habilidades avançadas e interesses intelectuais da criança, incorporandoos ao currículo, esta pode deixar de vivenciar sentimentos de aceitação. Da mesma forma, se a criança cedo descobre que é diferente dos colegas e que a comunicação é difícil devido à diferença de vocabulário e modo de se expressar, pode vir a não ser aceita pelos amigos. Assim é que os primeiros anos escolares, que deveriam fomentar o ímpeto para o entusiasmo e aprendizagem nos anos vindouros, pode ser um sinal, para o aluno brilhante, de fracasso e insucesso. Muito freqüentemente a criança aprende a esconder ou negar suas habilidades, passando a desenvolver problemas comportamentais ou psicológicos, a fim de melhor se adaptar às demandas do ambiente escolar. Além disso, a maioria dessas crianças demonstra um padrão desigual de desenvolvimento cognitivo, expresso em diferenças entre o desenvolvimento intelectual e o emocional ou psicomotor, por exemplo. Torna-se nossa tarefa, enquanto educadores, conhecer os pontos fortes e os interesses do aluno, suas necessidades cognitivas, sociais e afetivas peculiares, a fi m de dar-lhes oportunidades de construir seu próprio conhecimento no seu próprio ritmo. Talvez assim possamos transformar suas potencialidades e promessas, visualizadas em seus primeiros anos, em certezas e realizações. Muitos são os desafios que nossas escolas têm que enfrentar para poderem fornecer uma educação de qualidade e atender às demandas cognitivas de todo o seu alunado de forma inclusiva. A par destes desafios, a criação dos Núcleos de Apoio às Altas Habilidades/ Superdotação – NAAH/S apresenta-se como uma resposta adequada aos problemas propostos pela área. Além de atender ao alunado identificado como superdotados, os Núcleos objetivam a promoção da formação e capacitação dos professores para que possam identificar e atender a esses alunos, aplicando técnicas e estratégias de ensino para a suplementação, a diferenciação e o enriquecimento curricular. Além disso, propõem-se a oferecer acompanhamento aos pais dessas crianças e à comunidade escolar em geral, e colaborar para a construção de uma educação inclusiva e de qualidade, assegurando o cumprimento da legislação brasileira e o princípio da igualdade de oportunidades para todos. O propósito deste livro é o de esclarecer, principalmente os educadores que atuam nos NAAH/S, sobre o desenvolvimento de potenciais. Sabemos que o tema das altas habilidades/ superdotação é ainda pouco discutido em nossas universidades, o que produz uma lacuna na formação dos professores. Muitos saem de seus cursos sem terem a oportunidade de conhecer esta área tão importante do desenvolvimento da criança. Para os pais, o desconhecimento é ainda maior, uma vez que nossa sociedade ainda trata este tema como tabu. A mídia, muitas vezes, nos dá uma idéia estereotipada sobre a superdotação, vista principalmente sob a ótica da pessoa academicamente precoce e capaz de feitos maravilhosos. O termo “superdotado”, além de ser apresentado de forma deturpada, gera confusões até mesmo entre as pessoas com habilidades superiores, que não se percebem como superdotadas. Isto provavelmente se dá porque a palavra as remete aos super-heróis das estórias em quadrinhos que, com seus poderes sobrenaturais, as fazem se sentir diferentes dos demais. As pessoas com altas habilidades formam um grupo heterogêneo, com características diferentes e habilidades diversificadas; diferem uns dos outros também por seus interesses, estilos de aprendizagem, níveis de motivação e de autoconceito, características de personalidade e principalmente por suas necessidades educacionais. Entendemos que é tarefa dos educadores, sejam eles professores ou pais, compreender a superdotação em seus aspectos mais básicos e assim se tornarem agentes na promoção do desenvolvimento dos potenciais, de forma a poder atender as necessidades especiais desta população. O primeiro capítulo deste livro foi delineado em forma de uma instigante pergunta: Por que investir na educação de alunos com altas habilidades/ superdotação? Neste capítulo são discutidos o papel da família, da escola e da sociedade no desenvolvimento dos talentos. As habilidades mentais essenciais em uma sociedade que prima pela mudança e transformação contínuas são pontuadas, tendo como foco o papel da pessoa com altas habilidades nestas transformações. A criatividade, o pensamento crítico e habilidades analíticas devem ser combinadas para aumentar as chances de sucesso na sociedade atual. Assim, torna-se necessário entender como os educadores podem contribuir para desenvolver o talento e o potencial dos filhos desde tenra idade, tendo em mente que o ambiente é o principal promotor das capacidades superiores que um dia vão desabrochar de forma plena. O segundo capítulo vem esclarecer o significado de tantas palavras diferentes – superdotado, precoce, prodígio, gênio, entre outras. A superdotação será assim focalizada inicialmente pelo olhar da mídia e pelo que ela tem a contribuir com a divulgação da área, por meio de casos que se tornaram conhecidos no cenário mundial. Em contraponto, a visão da ciência e informações advindas de evidências empíricas serão apresentadas, focalizando questões como heterogeneidade da população, multipotencialidades, níveis diferentes de habilidades e pontos de vista diferentes sobre a importância da genética e do ambiente no fenômeno da superdotação. Como reconhecer uma criança superdotada? As características cognitivas e afetivas do superdotado, assim como suas necessidades sócioemocionais são debatidas no terceiro capítulo. Torna-se importante entender alguns traços de personalidade típicas do grupo – como por exemplo, o perfeccionismo, a grande necessidade de entender o mundo à sua volta, de ter a necessária estimulação mental, a intensidade dos sentimentos, o senso de humor, a não conformidade, a introversão. Pais e professores necessitam saber destas características peculiares para se colocarem em uma posição privilegiada para entender e guiar a criança em seu processo de desenvolvimento, de forma a ajudá-la a se tornar um adulto equilibrado e saudável. E finalmente, o quarto e último capítulo focaliza o encorajamento das potencialidades, mostrando a relação da superdotação com a inteligência e como ela é vista pelos teóricos nos dias atuais. Atividades práticas a serem desenvolvidas pelas crianças de acordo com as inteligências demonstradas em sala de aula e como os professores podem aconselhar os pais a desenvolver o talento e a criatividade no contexto familiar são também debatidos. E finalmente, o capítulo termina mostrando como a superdotação pode ser identificada e desenvolvida na prática, assinalando os métodos de identificação mais comuns aos diversos modelos existentes, as formas mais comuns utilizadas na escola regular e nos programas para superdotados, e exemplificados por meio do Modelo de Enriquecimento Escolar de Joseph Renzulli e do Modelo do Aprendiz Autônomo de George Betts. Esperamos que este livro venha a suprir as necessidades na área apontadas por pais e professores, preocupados em fornecer uma educação de excelência aos seus filhos e alunos, dirimindo noções estereotipadas e assinalando práticas que favorecem o desenvolvimento de potenciais. A todos uma boa leitura. Capítulo 1 Por que investir na educação de alunos com Altas habilidades/ superdotação? O papel da família, da escola e da sociedade no desenvolvimento dos talentos O desenvolvimento dos talentos e o papel dos educadores O século XXI nasce como o prenúncio de uma nova era, em que cada vez mais as nações percebem que os talentos humanos são seus bens mais preciosos. Os desafios do futuro exigem, sem dúvida, que nossos jovens desenvolvam habilidades intelectuais fundamentais, como a capacidade de recordar rapidamente informações, de desenvolver o pensamento lógico, de buscar soluções eficientes para problemas e tomar decisões efetivas. No entanto, a velocidade com que o conhecimento passou a ser transmitido por meios eletrônicos de uma região do mundo à outra introduziu a necessidade de constante inovação, que compreende o domínio e a conquista de novas habilidades, o desenvolvimento e aperfeiçoamento de talentos e a urgência de se agir e pensar com maior criatividade. O mundo de hoje clama por boas idéias, por mudanças em nossas noções pré-concebidas, principalmente quando os velhos hábitos já não resolvem novos problemas. Essa postura exige uma combinação de inteligências para resolvermos problemas e criarmos novos produtos necessários ao desenvolvimento de nossa cultura. Exige também a integração de ações que devem se iniciar no lar e progredir com a ajuda da escola, a fim de que possamos preparar nossos jovens para enfrentar os desafios de uma sociedade onde as transformações constantes são a única certeza. A inteligência, a criatividade, o entusiasmo e a habilidade das crianças constituem-se não só no bem maior de uma nação, como também são uma fonte revigorante, duradoura e infindável. Neste sentido, o psicólogo e neurofisiólogo David Lewis, em seu livro “Mentes Abertas” (Lewis, 1987) alerta para o papel dos pais e educadores na aprendizagem inicial da criança, a fim de ajudá-la a dominar as habilidades mentais essenciais para o sucesso futuro. Segundo ele, o bom êxito da aprendizagem depende de três fatores fundamentais: informação, motivação e segurança. Assim sendo, os educadores devem colocar tais fatores em prática, da seguinte maneira: (a) agindo como uma fonte de informação; (b) desenvolvendo o desejo natural da criança de aprender; e (c) proporcionando-lhe um ambiente seguro onde ela possa exercitar e aperfeiçoar suas habilidades mentais. E, em adição a tudo isso, estimular as crianças a manterem uma mente aberta. A IMPORTÂNCIA DO DESENVOLVIMENTO DE TALENTOS NA SOCIEDADE Os educadores que querem ajudar os jovens a obterem êxito no mundo atual devem estimular certos aspectos de sua personalidade que os permitam expandir seus talentos e aplicá-los em algum campo do conhecimento e da cultura. Sendo assim, em adição a estas habilidades mentais essenciais já citadas – reter e recordar informações, pensamento lógico, resolução criativa de problemas e tomada efetiva de decisões –, o jovem do mundo de hoje deve desenvolver outras habilidades mentais que, embora fundamentais para o êxito do pensamento, raramente são reconhecidas como tendo um papel essencial no talento intelectual adquirido. Para perceber sua importância, Lewis recomenda aos educadores que considerem três papéis que a criança terá que representar, com perfeição, a fim de que seja bem sucedida no mundo do futuro: o papel do aventureiro; do artista e do atleta. O papel de aventureiro refere-se a uma disposição interior para explorar e se aventurar por novos caminhos, descobrir novos padrões e levantar diversos tipos de informações para construir uma idéia. O aventureiro é aquela pessoa curiosa, que busca estratégias para descobrir, de forma eficiente, as informações que estão no mundo à sua volta; é perseverante e confia em sua percepção e intuição; tem espírito independente e mente flexível, que o levam ao desejo de conquistar, de estabelecer metas e lutar para alcançá-las. Pessoas com o espírito aventureiro são as que buscam o conhecimento, usando seu pensamento lógico para acumular informações essenciais, mas também usam suas habilidades de pensamento criativo para fugir da rotina e dos velhos hábitos. Assim como o aventureiro, precisamos treinar nossos jovens para se tornarem aptos a conquistar as experiências do mundo em primeira mão, não apenas lendo sobre elas, mas manipulando, experimentando e elaborando suas próprias hipóteses. Os responsáveis pela educação da criança devem cultivar a sua curiosidade, motivá-la a buscar novas estratégias e construir seus próprios caminhos em busca do saber. O sucesso no mundo que o jovem irá enfrentar no futuro depende cada vez mais da habilidade de lidar com o desconhecido, transformando, adaptando, imaginado outros usos e agindo sob perspectivas únicas e originais. Assim, torna-se também essencial agregar ao papel de aventureiro outro traço importante de nossa personalidade: o de artista. Este seria nosso personagem interior que transforma as informações obtidas pelo aventureiro em novas idéias, que enxerga o mundo por novas perspectivas, conceitos e idéias. O artista dentro de nós não se prende à rotina do que é familiar e está sempre transformando, invertendo, modificando, imaginando como pode fazer diferente para se tornarem produtivas em seu campo de ação. Lewis recomenda aos educadores que estimulem nas crianças a imaginação, a intuição e a habilidade de ver além dos limites do que é, para discernir o que poderia ser. No entanto, em um mundo essencialmente tecnológico como o de hoje, onde as questões da prioridade e da rapidez se traduzem como vantagens competitivas no mundo do trabalho, as habilidades apresentadas pelos atletas se tornam também necessárias. Neste sentido, o jovem do nosso século deve possuir o entusiasmo, a energia criativa e a determinação dos campeões esportivos para comunicar suas novas idéias ao mundo. Necessitará ainda do poder de persuasão e de clareza de expressão, mostrando ao mesmo tempo sua paixão, entusiasmo e motivação pelo seu projeto. Pais e professores estão em uma posição chave para estimular nas crianças a autoconfiança e a determinação necessárias para vencer em um mundo onde a força do raciocínio e da criatividade substituíram a força física como um passaporte essencial para o sucesso. A IMPORTÂNCIA DO DESENVOLVIMENTO DE TALENTOS NA FAMÍLIA Pais afetuosos e preparados, assim como um professor motivador, enamorado pela disciplina que ensina, podem aumentar a probabilidade da criança e do jovem a desenvolverem as habilidades necessárias para dar, no futuro, contribuições expressivas à humanidade e, ainda, ter uma qualidade de vida mais satisfatória. Apesar de a inteligência geral apresentar uma grande predisposição genética, outras habilidades cognitivas relacionadas à superdotação podem desenvolver-se ou declinar-se em função das experiências vivenciadas. Neste ponto, a família aprece em posição de destaque. Benjamin Bloom (1985) e seus colaboradores no final da década de 50 desenvolveram uma pesquisa que se tornou clássica e bastante conhecida na área, envolvendo famílias de renomados nadadores, jogadores de tênis, pianistas, escultores, matemáticos e neurologistas. Este autor relata que os pais de crianças que mais tarde se tornaram adultos com habilidades superiores acreditavam na importância do trabalho árduo e ativo, com ênfase na autodisciplina e em dar o melhor de si para se alcançar o objetivo proposto; demonstravam estar orgulhosos das habilidades dos filhos e de suas realizações, inclusive mostrando interesses similares aos deles (como passatempos ou profissões), ajudando-os a organizar o tempo, a estabelecer prioridades e a manter altos padrões para que uma tarefa fosse completada. Bloom forneceu evidências de que pais que têm maiores chances de influenciar positivamente no desenvolvimento da inteligência e do potencial de seus filhos são os que: (a) combinam apoio e altas expectativas para com o desempenho dos filhos; (b) encorajam a criança nos seus esforços para aprender novas habilidades; (c) providenciam recursos e oportunidades de aprendizagem além daquelas fornecidas pelo ambiente escolar; e (d) estimulam seus filhos a se engajarem na área de interesse o mais cedo possível, escolhendo o primeiro instrutor com cuidado. Os seres humanos nascem com um enorme potencial. No entanto, o estudo de Bloom confirma que o desempenho superior aparece depois que as crianças são estimuladas e encorajadas pelos pais, e não antes, como se poderia supor. O autor parte do princípio de que, não importando quais sejam as características inatas apresentadas pela criança, a menos que haja um longo e intensivo processo de encorajamento, afetividade, educação e treinamento, os indivíduos não atingirão níveis extremos de capacidade nos campos pesquisados. Bloom enfatiza que o encorajamento e afetividade são essenciais no caso dos primeiros instrutores ou professores dos anos iniciais da criança pré-escolar. Mais do que a disciplina e a habilidade em si, estes devem, fundamentalmente: (a) ensinar com carinho e respeito à velocidade e estilo de aprendizagem da criança; (b) transformar as lições em atividades lúdicas; (c) utilizar mais o ensino individual do que o coletivo; e (d) desenvolver atividades em que os pais possam participar e demonstrar interesse no que a criança aprendeu. À medida que a criança se desenvolve, progride em seu aprendizado e domina uma técnica ou habilidade, o papel do educador também se modifica, tornando-se eventualmente mais centrado nas habilidades, na autodisciplina e no ensino individualizado. O trabalho de Bloom fez importante contribuição à prática educacional, no sentido de acentuar a importância dos anos iniciais e, consequentemente, do ensino pré-escolar no desenvolvimento precoce das altas habilidades. A IMPORTÂNCIA DO DESENVOLVIMENTO DE TALENTOS NA ESCOLA No prefácio da primeira edição de seu livro “Psicologia e educação do superdotado”¹(Este livro foi reeditado por Alencar e Fleith, em 2001, sob o título: “Superdotados: Determinantes, educação e ajustamento”, ed. EPU.) de 1986, a professora Drª. Eunice Soriano de Alencar, pioneira na implementação do estudo das altas habilidades/ superdotação no país, já chamava a ateção para a importância do desenvolvimento dos talentos e para a implementação de programas educacionais direcionados a esta população. Dizia ela: “... o futuro de qualquer nação depende da qualidade e competência de seus profissionais, da extensão em que a excelência for cultivada e do grau em que condições favoráveis ao desenvolvimento do talento, sobretudo do talento intelectual, estiverem presentes desde os primeiros anos da infância”. (...) “O fato de que uma boa educação para todos não significa uma educação idêntica para todos tem levado a um interesse crescente pelos alunos mais competentes e capazes, a par de uma consciência de que um sistema educacional voltado apenas para o estudante médio e abaixo da média pode significar o não-reconhecimento e estímulo do talento e, consequentemente, o seu não-aproveitamento” (p. 11). Desta forma, a eqüidade na educação seria obtida não por meio do fornecimento de experiências de aprendizagem idênticas para todos os alunos, mas sim por uma ampla gama de experiências cuidadosamente planejadas e diferenciadas que levam em conta as habilidades, interesses e estilos de aprendizagem de cada estudante (Virgolim,1998). Nesta mesma linha de pensamento, e preocupada com o desperdício e o desvio dos talentos humanos, a Drª. Zenita Guenther reflete que o nosso papel, enquanto educadores, é o de “encaminhar o desenvolvimento de pessoas e encontrar a melhor e mais apropriada forma de prover a cada um aquilo de que ele necessita para se tornar o melhor ser humano que pode vir a ser” (Guenther, 2000, p. 20). Reconhecer, estimular e aproveitar talentos humanos em desenvolvimento ou em potencial nas diversas áreas do saber humano é, afinal, responsabilidade de todos: família, escola e sociedade. Nesta perspectiva, torna-se necessário que nossas escolas encarem o desafio de guiar nossos alunos para o desenvolvimento de traços de personalidade e atitudes favoráveis ao desenvolvimento do talento; e que este possa ser corretamente identificado, estimulado e potencializado ao máximo. Mudanças são necessárias na estrutura escolar atual, a fim de que se promova condições apropriadas para a realização criativa e produtiva dos alunos; engajá-los em experiências de aprendizagem que satisfaçam seus interesses e estimulem sua imaginação (Alencar, 1995), assim como prepará-los para se tornarem produtores, e não só consumidores, do conhecimento (Renzulli & Reis, 1997a). Neste sentido, a missão das escolas deveria ser a de encorajar a produtividade criativa e intensificar a qualidade de experiências de aprendizagem para todos os estudantes e não só para os que se destacam por suas capacidades intelectuais superiores. Assim sendo, a sua meta não seria, a priori, identificar e separar o grupo dos superdotados daqueles que não o são, mas sim prover a cada aluno com as oportunidades, recursos e encorajamento necessários para atingir o seu potencial máximo, de forma inclusiva. DESAFIOS PARA AS ESCOLAS BRASILEIRAS: PROBLEMAS E SOLUÇÕES Embora o perfil do atendimento ao aluno superdotado tenha expressivamente se modificado nos últimos cinco anos, vários são os problemas que a área da superdotação ainda enfrenta na realidade educacional brasileira (ver Quadro 1). Para Virgolim (1998), a área se caracteriza pela falta de: (a) treinamento especializado dos profissionais; (b) materiais adequados à necessidade do grupo; (c) currículos e programas adequados aos diferentes níveis em escolas públicas e particulares; (d) cursos de graduação e pós-graduação nas universidades brasileiras específicos para a área; (e) técnicas mais modernas de identificação; (g) maior número de pesquisas realizadas com esta população para a realidade brasileira; e (h) mais literatura especializada em nosso idioma. Vários pesquisadores brasileiros (por exemplo, Alencar & Fleith, 2001; Fleith & Virgolim, 1999; Guenther, 2000; Sabatella, 2005; Virgolim, 1997, 2005) assinalam a necessidade de ampliação de serviços específicos para se conhecer melhor as características deste grupo em nosso país; de atender, no contexto escolar e familiar, suas necessidades afetivas e cognitivas especiais; de se fazer mais pesquisas na área; e de influenciar o desenvolvimento de políticas públicas, no contexto brasileiro, que favoreçam o reconhecimento, o estímulo e o aproveitamento de nossos potenciais humanos. Algumas pesquisas realizadas no Brasil (Fleith & Virgolim, 1999; Maia-Pinto, 2002; Virgolim, 2005) apontam para alguns desafios a serem enfrentados na área, como a necessidade de integração do ensino regular com o especializado. Estes autores destacam a importância do professor do ensino regular estimular a participação do aluno identificado em sala de recursos e de que haja uma coordenação efetiva que se responsabilize pelo desenvolvimento destes alunos tanto no contexto da sala regular quanto na de recursos. Também Reis (1986) discute a questão da “responsabilidade” do programa, apontando para o fato, tão comum nas escolas americanas quanto nas brasileiras, da escola regular não assumir a responsabilidade pela educação total da criança ou do jovem, quando isso implica o exercício de atividades fora da classe regular. Há uma tendência para se criar uma separação entre os dois programas, como se a criança pudesse “ser superdotada” apenas no atendimento especializado. Esta separação é também percebida quando o professor do ensino regular não tem conhecimento de que o aluno está participando de um programa para as altas habilidades, ou quando atribui a responsabilidade pelo desenvolvimento do potencial deste aluno apenas ao professor da sala de recursos. Conseqüentemente, o programa passa a ser visto como um apêndice do sistema escolar, ao invés de um serviço necessário ou mesmo essencial (Fleith & Virgolim, 1999). Para ilustrar este ponto de vista, tomemos o exemplo de dois alunos superdotados na área artística, que participam de programas especiais em seus respectivos países: Evgeny Sviridov, russo, talentoso no violino, e Neilson Moreira da Costa, brasileiro, aluno talentoso na área do desenho. Em maio de 2004, os principais jornais brasileiros noticiaram a apresentação, no Brasil, do jovem violinista Evgeny Sviridov, então com 15 anos de idade. Nascido em São Petersburgo, Sviridov começou os estudos de violino em 1994, quando tinha apenas seis anos de idade. Dois anos depois, foi convidado a integrar o elenco da Escola Especial de Música para Crianças Talentosas do Conservatório Rimsky-Korsakov. Em 1998, aos 10 anos de idade, fazia o primeiro recital solo. Em 1999, conquistou o III Concurso Internacional “Virtuosi do Século XXI” em Moscou. No ano seguinte, foi o grande vencedor do II Concurso para Violinistas e Violoncelistas de Toda a Rússia, em Novosibirski e em 2001, recebeu o prêmio máximo do Concurso Internacional de Televisão “Bravo-Bravissimo” em Milão. Estreando em Paris em 2004, foi aclamado de pé durante 10 minutos ao término de seu recital no auditório do Louvre. Segundo Alencar e Fleith (2001), no decorrer desta última década houve um retrocesso nas oportunidades oferecidas na Rússia, em comparação ao que este país tradicionalmente oferecia aos seus jovens talentos. Mesmo assim, é interessante ressaltar que Evgeny teve a oportunidade de participar de um atendimento especializado, em São Petesburgo, e contar com uma flexibilidade curricular que permite que as crianças talentosas aprendam apenas o básico das disciplinas tradicionais para ter mais tempo livre para se dedicar às práticas artísticas. Evgeny toca seu violino pelo menos seis horas todo dia. Sua professora e técnica, Elena Zaitseva, é a responsável pela escolha do repertório e o acompanha onde quer que ele se apresente, afim de avaliar suas falhas e corrigir sua performance. Contrapondo a esta realidade, que se pode observar em alguns países mais desenvolvidos, muitos dos talentos brasileiros passam despercebido durante seus anos escolares. Nem sempre são incentivados a desenvolver suas habilidades específicas, o que ocorre por razões diversas. Este foi o caso de Neilson, que apenas aos 17 anos foi indicado para participar do Programa para Altas Habilidades da Secretaria de Estado de Educação do Distrito Federal, embora suas habilidades para o desenho fossem já excepcionais desde criança. Dinâmico e comunicativo, Neilson trabalhava como caixa e empacotador de supermercado, onde também era estagiário na área de computação. Estudava à noite para concluir o 3º ano do Ensino Fundamental. Neilson freqüentava o programa 2 vezes por semana, à tarde, mas só ia quando tinha oportunidade e tempo. Em seus trabalhos, Neilson gostava de usar lápis de cor, spray e grafite. Perguntado sobre suas pretensões futuras, o jovem revelou que não pretendia cursar a universidade: precisava trabalhar para garantir seu sustento e de sua família. O caso desses dois talentos artísticos mencionados revela os desafios que ainda teremos de enfrentar se quisermos elevar o nível da educação e das oportunidades oferecidas aos jovens talentosos no nosso país. Como tantos outros jovens brasileiros carentes, Neilson não teve a chance de ser incluído no atendimento especial quando era mais jovem; não teve oportunidades, com o seu colega russo, de desenvolver ao máximo suas habilidades artísticas desde tenra idade. No Ensino Fundamental e no Ensino Médio, Neilson não usufruiu de um currículo adaptado às suas necessidades especiais, o que poderia ter-lhe proporcionando tempo para o estudo e o refinamento de sua arte. Além disso, seus professores no ensino regular não se envolveram com o programa desenvolvido na sala de recursos, refletindo o problema do gerenciamento da responsabilidade pelo desenvolvimento integral do aluno. E por fim, observa-se que o jovem optou por sacrificar sua arte em função da sua subsistência imediata e da família. Suas habilidades artísticas, insuficientemente valorizadas em seu contexto sóciocultural mais imediato, não foram encorajadas fora da sala de recursos. Guenther (2006) nos lembra que “a capacidade e talento humano se desenvolvem, e se expressam em produção superior, desde que o potencial seja identificado, estimulado, acompanhado e orientado” (p.31). Sem estes fatores, sem dúvida, os talentos mais promissores em nossa sociedade serão desperdiçados. Este é um dos grandes desafios que teremos que enfrentar. QUADRO 1: OS DESAFIOS DA ÁREA Disseminar a área da superdotação, aprofundando o conhecimento da sociedade sobre o tema; Ressaltar as necessidades cognitivas, sociais e emocionais especiais desta população; Combater mitos e falácias, como o de que o superdotado não necessita de mais recursos, podendo se desenvolver sozinho; Proporcionar treinamento especializado aos profissionais envolvidos; Proporcionar materiais adequados à necessidade do grupo; Desenvolver e utilizar técnicas modernas de identificação; Adaptar e diferenciar currículos e programas aos diferentes níveis em escolas públicas e particulares; Implantar cursos de graduação e pós-graduação específicos para a área nas universidades brasileiras; Realizar mais pesquisas com esta população para a nossa realidade; Publicar e implementar a literatura especializada em nosso idioma. Fonte: Virgolim, 1998 Capítulo 2 O que as palavras querem dizer? As diferentes terminologias e definições na área A superdotação pelo olhar do senso comum Os indivíduos que se destacam em virtude de suas altas habilidades ou feitos prodigiosos sempre foram foco da curiosidade popular. Desta forma, os meios de comunicação atuais estão sempre buscando exemplos de crianças e jovens que se destacam por seu potencial superior. Assim, em 2001, uma das crianças em destaque era Igor, um simpático garotinho de três anos, morador de uma região administrativa do Distrito Federal. Igor tornou-se notícia de jornal por ostentar uma habilidade precoce para uma criança de sua idade. Ainda trocando o “r” pelo “l”, Igor surpreendeu sua professora do Maternal II, quando esta perguntou, mostrando um livrinho de estórias: “Quem sabe o que está escrito aqui?” “Eu sei! – respondeu Igor: “A menina Dorminhoca!” e leu todas as outras informações contidas na capa do livrinho. Chamada na escola, a mãe informou que Igor, com um ano e meio, já lia anúncios na rua e se exibia para pequenas platéias. Os pais, de origem humilde e pouca instrução formal, explicaram que não ensinaram a criança a ler, embora tenham dado a ela oportunidade de manipular livros, oferecidos como distração enquanto ambos estudavam. Embora orgulhosos do filho, os pais revelavam uma preocupação típica de quem tem em casa uma criança precoce: não querem que o filho se sinta diferente ou excluído pelos colegas. Acontece que Igor está longe de ser um caso único, ou mesmo raro. A habilidade superior, a superdotação, a precocidade, o prodígio e a genialidade são gradações de um mesmo fenômeno, que vem sendo estudado há séculos em diversos países, como China, Alemanha e Estados Unidos. No entanto, concepções teóricas divergentes, assim como percepções estereotipadas sobre a superdotação, em geral propagadas na sociedade, têm permeado o campo (Ziegler & Heller, 2000). Notase, por exemplo, na notícia de jornal sobre o caso de Igor, uma confusão entre “prodígio” e “precoce”, já no título da reportagem, onde se lê: “Criança prodígio – Igor é um pequeno craque. Com um livro nas mãos”, o que acaba por trazer mais desinformação ao campo e confundir também a população. Além disso, ao focalizar sua atenção em demasiado na divulgação de casos raros, a mídia colabora na propagação da superdotação como uma competência extremamente elevada em todas as áreas, gerando uma expectativa de desempenho e de produção que não se observa neste grupo de forma homogênea (Alencar, 2001). Neste capítulo vamos abordar as diferentes terminologias na área mostrando, por meio de exemplos e estudos de caso veiculados pela mídia e que fazem parte do senso comum, a diferenças entre este grupo tão heterogêneo. Exemplos de crianças precoces e prodígios serão discutidos. A fim de ilustrar os diferentes tipos de talentos focalizados na definição brasileira de superdotação, mostraremos as características apresentadas por pessoas que são reconhecidas como gênios. E, por fim, faremos o contraponto com as definições oferecidas pelos pesquisadores da área, analisando a superdotação por sua perspectiva científica. Antes de passarmos para a próxima seção, vamos esclarecer as diversas denominações para o termo “superdotado”. A CRIANÇA PRECOCE São chamadas de precoce as crianças que apresentam alguma habilidade específica prematuramente desenvolvida em qualquer área do conhecimento, como na música, na matemática, nas artes, na linguagem, nos esportes ou na leitura. Sem dúvida, Igor é uma criança precoce, mas não se deve rotulá-la como superdotada, prodígio ou gênio, sem antes acompanhar seu desenvolvimento. Mesmo a superdotação precoce, em seu grau extremo, não é garantia de sucesso futuro, ou de que esta pessoa se tornará um adulto eminente. Crianças superdotadas, para Winner (1998) são precoces. Elas progridem mais rápido do que as outras crianças por demonstrarem maior facilidade em uma área do conhecimento. No entanto, Freeman e Guenther (2000) alertam para o fato de que nem todos os adultos que se tornaram eminentes foram crianças precoces. Há múltiplos fatores que interferem na trajetória de vida de uma criança precoce além do nível de habilidade, como os atributos de personalidade, a motivação em buscar a excelência, o ambiente familiar propício para o desenvolvimento das habilidades e as oportunidades que aparecerão no decurso de sua vida. Além disso, a motivação intrínseca, a curiosidade e a vontade de aprender, fatores essenciais para um desempenho superior, dependem de um ambiente educacional enriquecido para se desenvolverem. Tão precoce quanto Igor foi Léo Romano, que foi notícia em 2004 em uma revista semanal de informação (Revista Época, nº 343, 13 de dezembro de 2004). De família modesta da zona norte de São Paulo, filho de um bancário e uma dona de casa, Léo nunca freqüentou escolas nem recebeu nenhuma orientação. No entanto, com 2 anos e meio já conhecia as letras do alfabeto, lia sílabas e palavras simples e demonstrava uma impressionante memória: sabia identificar as bandeiras dos Estados brasileiros e de uma centena de países. Além disso, memorizou fatos geográficos e históricos - por exemplo, sabia que a capital do Afeganistão é Kabul, que Nelson Mandela foi presidente da África do Sul e que Nero mandou atear fogo em Roma. Divulga-se em destaque a precocidade no xadrez, chamando a atenção para dois irmãos, Giovani e Giuliano Vescovi. Giovani mal havia completado dois anos quando, de tanto observar o pai, aprendeu sozinho a montar as peças em um tabuleiro de xadrez. Esta criança precoce, no entanto, recebeu toda a atenção da família, que se mudou do Rio Grande do Sul para São Paulo quando Giovani tinha seis anos, para que pudesse receber orientações específicas relativas à sua área de talento. Aos sete anos obteve em Porto Rico a taça de vice-campeão do torneio mundial na categoria infantil, após seis horas de jogo. Seu irmão menor, Giuliano, que também treinava xadrez diariamente desde os 4 anos, foi campeão paulista na categoria dente-de-leite. Os irmãos só paravam o treino na hora de brincar – que para eles muitas vezes significava resolver problemas de matemática em livros de séries mais avançadas. A CRIANÇA PRODÍGIO Já o termo “prodígio” é utilizado para designar a criança precoce que apresenta um alto desempenho, ao nível de um profissional adulto, em algum campo cognitivo específico (Feldman, 1991; Morelock e Feldman, 2000). Um clássico exemplo de uma criança prodígio, com uma habilidade excepcional, foi o de Wolfgang Amadeus Mozart, que começou a tocar cravo aos três anos de idade. Aos quatro anos, sem orientação formal, já aprendia peças com rapidez, e aos sete já compunha regularmente e se apresentava nos principais salões da Europa. Além disso, ao ouvir apenas uma vez o Miserere de Gregório Allegri, foi capaz de transcrever a peça inteira de memória, quase sem cometer erros (Gardner, 1999). Nesta sessão vamos falar de alguns prodígios da atualidade que têm encantado muita gente e desafiado nosso entendimento sobre o desenvolvimento humano típico. Feldman (1991) acredita que a existência dos prodígios é de suma importância para entendermos o fenômeno da mente humana. Este autor reflete que, mais do que nos ensinar sobre a expressão e o desenvolvimento do potencial humano, o prodígio também nos ensina como a humanidade chegou onde está e talvez como deva melhor coreografar essa nossa dança única na espécie. No passado, os prodígios eram vistos como “uma monstruosidade, algo fora do curso usual da natureza, como um cometa ou meteoro” (p. 4), explorados para propósitos financeiros e isolados dos amigos; no entanto, ainda hoje surpreende-nos por violar nossas expectativas sobre como o mundo deveria funcionar. Feldman propõe uma interessante distinção entre o indivíduo superdotado que se destaca por seu alto QI, medido por testes psicométricos, e o prodígio. O prodígio é único no sentido de exibir uma habilidade extremamente especializada, somente expressa sob condições bastante específicas do ambiente sócio-cultural. De forma contrastante, o indivíduo superdotado com alto QI possui habilidades intelectuais generalizadas que permite altos níveis de funcionamento em uma grande amplitude de ambientes. Tanto o especialista quanto o generalista podem apresentar realizações impressionantes que refletem habilidades radicalmente diferentes, como se deu no caso de Mozart e Leonardo da Vinci. Mozart é o exemplo do especialista: múltiplas e profundas habilidades musicais, mas em outros aspectos uma pessoa simples e intelectualmente normal. Já Leonardo da Vinci representa o perfil do generalista: erudita, curioso, uma mente vigorosa que dominou e contribuiu significativamente em uma variedade de diferentes domínios. Os prodígios são, como um todo, especialistas extremos, especialmente bem sintonizados a um campo particular do conhecimento, demonstrando um domínio rápido e aparentemente sem esforço. Embora os prodígios possam ser ou não talentosos no sentido de uma perícia intelectual mais generalizada, não demonstram desempenho extraordinário por várias áreas. Sendo precoce, o prodígio revela uma tenacidade no seu envolvimento com sua área de talento, sendo este aspecto absolutamente necessário para sua satisfação, expressão e bem-estar. Desta forma, o prodígio é relativamente raro e necessita da convergência de um número de circunstâncias únicas para permitir uma completa e especializada expressão de um poderoso potencial. O prodígio emerge em um ambiente onde convergem a tendência altamente específica do indivíduo de se engajar profundamente na área em que apresenta precocidade com uma específica receptividade ambiental, sendo por isso mesmo infreqüente e improvável. Ao estudá-los, estaremos numa posição de melhor compreender o processo mais geral envolvido no desenvolvimento do potencial. Vejamos alguns casos divulgados pela mídia brasileira e internacional. PRODÍGIO NA MÚSICA Um típico caso de criança prodígio é o pianista catarinense Pablo Rossi que, com apenas 11 anos de idade, gravou um CD com obras de Chopin, Bartók, Schumann, Tchaikovsky, Rachmaninov, Shostakovich e Nepomuceno, tendo sido também notícia na mídia impressa.(Revista Época, nº 343, 13 de dezembro de 2004) Pablo toca com a Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo e treina cinco a seis horas por dia. Considerado hoje o melhor pianista jovem do Brasil, este catarinense de 17 anos foi vencedor do 1º Concurso Nacional Nelson Freire de Novos Talentos Brasileiros e acumula premiações no Brasil e no exterior. Pablo Rossi nasceu em Florianópolis em 1989 e iniciou os estudos musicais aos seis anos. Aos sete ganhou o concurso para piano Jovens Intérpretes, de Lages, e passou a ter aulas em Curitiba com Olga Kiun, pianista russa naturalizada brasileira, ela própria uma criança prodígio que fez seu primeiro recital solo aos nove anos e aos doze realizou seu primeiro concerto como solista de orquestra. Pablo acumula diversos prêmios em sua curta carreira de pianista: já aos oito anos recebia o prêmio revelação no XXXII Festival de Inverno de Campos do Jordão e logo em seguida recebia o primeiro lugar nos seguintes concursos: Concurso de Piano Artlivre em 1997 e em 2000; no VII Concurso Nacional Magda Tagliaferro; no IX Concurso Nacional de Piano em Governador Valadares; no XIII Concurso Internacional na cidade de Córdoba, Argentina; no XI Concurso Internacional de Piano ‘Perfecto García Chornet’, na Espanha; e no I Concurso Nacional Nelson Freire para Novos Talentos Brasileiros. Com o apoio do Governo do Estado do Paraná, Pablo conseguiu uma bolsa de estudos para cursar o Conservatório Tchaikovsky de Moscou, a convite da Sociedade Rachmaninov, em novembro de 1999, quando tinha 10 anos, tendo então a oportunidade de participar das masterclasses de Alexander Mndoyants e Viktor Merdjanoff. O aclamado prodígio já se apresentou com a Orquestra de Câmara Solistas de Londrina, a Orquestra Sinfônica do Paraná, a Camerata Florianópolis, a Sinfônica de Santa Catarina, a Sinfônica de Ribeirão Preto, a Orquestra Sinfônica Brasileira, além de ter realizado recitais em cidades como São Paulo, São José dos Campos, Macaé e Curitiba. PRODÍGIO ACADÊMICO O americano Gregory Robert Smith tem feitos notáveis em sua biografia de apenas 17 anos (http://www.gregoryrsmith.com/). Destacamos aqui algumas de suas realizações: Aos 13 anos recebeu seu diploma de graduação suma cum laude em Matemática na Randolph- Macon College, em Ashland, Virginia. Em maio de 2006, aos 16 anos de idade, recebeu o título de Mestre em Matemática pela Universidade de Virginia, EUA. Recentemente revelou que pretende obter seu PhD em quatro diferentes áreas: matemática, engenharia aeroespacial, ciência política e engenharia biomédica. É fundador da International Youth Advocates, dedicada à defesa de jovens e crianças carentes e à paz mundial. Em suas viagens ao exterior (já visitou nove países em quatro continentes, incluindo o Brasil) e dentro de seu próprio país, Gregory dá palestras sobre o fim do ciclo da violência e sobre a manutenção da paz. Já se encontrou com a rainha Noor, da Jordânia, com presidentes, como Bill Clinton e Mikhail Gorbachev, líderes religiosos como o Arcebispo Desmond Tutu da África do Sul, e educadores para discutir suas idéias para a educação e para a paz. Foi indicado ao Prêmio Nobel da Paz em 2002 (quando tinha 12 anos), continuando a concorrer nos anos posteriores (2003 a 2006). Quando terminou o Ensino Fundamental e o Médio em apenas cinco anos – em vez dos treze esperados de uma criança comum –, virou estrela de programas populares nos Estados Unidos. Gregory foi precoce em muitas áreas e de uma forma qualitativamente diferente da grande maioria das crianças. Começou a falar muito mais cedo que o esperado para um bebê, aos 2 meses de idade. Com um ano e dois meses era capaz de nomear todos os tipos de dinossauros que já existiram e de resolver problemas simples de álgebra. Aos 2 anos já lia e corrigia a gramática de adultos. Nesta idade ele também decidiu abandonar os sanduíches do McDonald’s e tornou-se vegetariano por conta própria. Aos 5 anos era capaz de recitar trechos de livros de memória – tinha na cabeça a coleção inteira de Júlio Verne e era capaz de discorrer sobre uma enorme gama de assuntos. Seus pais comentam que, nesta idade, sua capacidade mental, medida por testes de QI, ultrapassava os limites dos próprios testes. Gregory foi acelerado nos estudos e o currículo compactado para atender suas necessidades especiais únicas; assim, no período de um ano o menino cumpriu sete séries escolares (da segunda à oitava), pulando toda a terceira série e cumprindo um curso de Álgebra em 10 semanas. Ele tinha sete anos quando entrou para o Ensino Médio no Orange Park High School, na Florida. Em entrevista ao jornal Washington Post, em 1999, quando se formava com honras no Ensino Médio, dois dias antes do seu 10º aniversário, Gregory comentou: “Acredito que recebi um dom especial, mas não sei como ou porque ele me foi dado; apenas sei que quero usar o máximo de minhas habilidades para ajudar a humanidade.” Entre as suas metas, anunciou, está a de se tornar Presidente dos Estados Unidos. PRODÍGIO NA PINTURA Marla Olmstead (http://www.marlaolmstead.com./), atualmente com 6 anos de idade, começou a pintar pouco antes de completar 2 anos, com o incentivo de seu pai, também artista plástico. Usando pincéis, espátulas, seus próprios dedos e até tubos de ketchup, a menina cria telas de aproximadamente um metro e meio, que já lhe renderam mais de US$ 300 mil, tendo cerca de 200 compradores na lista de espera. Nascida no estado de Nova York, em Fevereiro de 2000, Marla começou a pintar antes de 2 anos. Seu pai, gerente de uma fábrica e pintor amador, no início achava que a pintura era apenas uma distração para a filha, mantendo-a ocupada enquanto ele próprio pintava. No entanto, logo passou a comprar telas e tintas quando observou o senso de equilíbrio, forma e composição presentes nos quadros abstracionistas da filha. A mãe, recepcionista em tempo parcial, conseguiu com um amigo que os trabalhos da criança fossem expostos em uma lanchonete local. O primeiro quadro, vendido por 250 dólares, foi logo sucedido por outros. Em Agosto de 2004 a galeria de artes Anthony Brunelli, de Nova York, atraiu mais de 2.000 pessoas com a primeira exposição de Marla, cujos quadros foram vendidos por cerca de 6 mil dólares cada. Marla gosta de usar tintas acrílicas coloridas e, diferentemente das crianças de sua idade, constrói suas pinturas em camadas e cobre toda a tela de tinta, não deixando espaços vazios. Inicialmente trabalha com largas pinceladas de tinta e com os dedos, e progressivamente outras ferramentas são incorporadas ao trabalho, como garrafas de plástico. O pai, atuando agora como seu assistente, incentiva a filha a produzir com regularidade e rapidez, pintando vários quadros por mês. Segundo o pai, Marla pinta regularmente, três vezes por semana, e em geral termina seu trabalho após três horas de grande concentração. Atraindo a atenção da mídia, e tornandose notícia no The New York Times, Time, CBS News e BBC News e em outras revistas, TV e jornais da França, Alemanha, Canadá, Inglaterra, Espanha, África do Sul, Austrália, Brasil e Itália, Marla tem sido comparada a grandes gênios do expressionismo abstrato, como Wassily Kandinsky e Jackson Pollock. Em seu livro Crianças superdotadas: Mitos e realidades, Winner (1998) chama a atenção para a necessidade de se prover um ambiente enriquecido com estimulação constante e variada. Pesquisas relatam que a maioria dos adultos talentosos vêm de famílias unidas que valorizam altas realizações e de pais que revelam uma crença inabalável no talento do filho. Embora a exigência parental e altas expectativas estejam tipicamente associadas com alto desempenho na vida adulta, há evidências que crianças superdotadas param de se esforçar em resposta ao excesso de pressão parental e podem terminar desengajadas, deprimidas e ressentidas. A conseqüência de um pai que faz exigências constantes, manipula a vida dos filhos e vive inteiramente através de suas conquistas são relatadas em inúmeras biografias de pessoas famosas que tiveram sua infância roubada e o amor dos pais inteiramente condicionados ao sucesso profissional. No entanto, como acrescenta Winner, “alto desempenho em qualquer domínio está sempre associado a altos padrões estabelecidos por um adulto e que também modela alto desempenho. O que leva algumas crianças superdotadas a desengajar-se de seu talento jamais são as altas expectativas, mas antes, superexigência, dominação, exploração e privação emocional extremas” (Winner, 1998, p.161). PRODÍGIO NA LITERATURA Descrita como “uma pequena gigante literária” pela jornalista Diane Sawyer no programa de entrevistas Good Morning America, Adora Svitak, americana, filha de mãe chinesa e pai checo, de apenas 8 anos, surpreende por sua facilidade em escrever. No programa de televisão, Adora demonstrou sua capacidade de digitar setenta palavras por minuto em seu laptop, escrevendo textos com uma estrutura sofisticada para sua idade, respondendo perguntas e demonstrando seu processo de escrita ao vivo, com a ajuda de um projetor. Seu primeiro livro (6 “Flying Fingers: Master the Tools of Learning Through the Joy of Learning”. Adora Svitak, Joyce Svitak. Copyrighted material) escrito aos 7 anos de idade, inclui nove histórias, poemas, e sua opinião sobre política, religião, mídia e educação. Sua mãe, Joyce Svitak, contribui no livro com dicas e estratégias de ensino para ajudar pais e professores em como ensinar a criança a escrever, ilustrando cada técnica ou exercício com as histórias escritas por Adora. Apaixonada por história medieval e contemporânea, filosofia e mitologia, seus contos traduzem sua paixão pela leitura e escrita. Adora entende que sua missão engloba ensinar outras crianças a ler e escrever, visitar escolas e repassar para os jovens o prazer que a leitura e a escrita podem proporcionar. Adora começou a ler com 3 anos de idade. Seus pais, adeptos do home scooling ou ensino domiciliar, se tornaram tutores das duas filhas, ensinando as disciplinas escolares em casa. Os pais acreditam que esta forma de ensino é mais eficiente, na medida em que o nível de atenção que podem proporcionar aos filhos não pode ser replicado no ambiente escolar, sendo que o resultado desta atenção se torna bem evidenciado na leitura e escrita. A mãe de Adora relata que ensinar a menina a escrever, aos 4 anos de idade, foi um processo de tentativa-e-erro, o qual muito ensinou a ambas. Adora progrediu rapidamente em seu próprio ritmo, ultrapassando as expectativas da mãe. Joyce Svitak assim explica este processo de aguçar a imaginação da criança através da escrita: “Peça a seu filho para completar uma sentença simples tal como: “A casa era......” Se ele/ela não consegue elaborar, comece fazendo uma série de perguntas. A casa é feita de gelatina? A casa pode voar? Uma vez que a criança comece a contemplar as possibilidades divertidas, as palavras começarão a jorrar. Se seu filho fica animado e começa a dar muitas idéias, peça a ele/ela para escrever a primeira idéia antes de partir para a próxima. Claro que esta é apenas uma das atividades, mas eu geralmente sigo os mesmos princípios com a maioria dos exercícios educacionais. Eu faço perguntas, mantenho uma atitude de brincadeira, e sempre me asseguro de que meus filhos saibam que estou verdadeiramente interessada no que eles têm para compartilhar" (http://ezinearticles.com/?expert=Joyce_Svitak). Feldman (1991) argumenta que a expressão do talento em nível excepcional envolve numerosos elementos, os quais podem ser percebidos no caso dos prodígios aqui citados, e que compreendem: um ambiente cultural favorável; a presença de um domínio ou área já em considerável estágio de desenvolvimento e reconhecimento na sociedade, no qual a pessoa se destaca (por exemplo, as áreas de música, artes visuais e plásticas, literatura); a presença de professores que dominam o conhecimento específico desta área; o reconhecimento da família de que se trata de um talento extremo e estão determinadas a dar total apoio e suporte à criança; grandes doses de encorajamento e entendimento da extensão do talento expresso pelo indivíduo. OS GÊNIOS DA HUMANIDADE Em nossa sociedade, é também comum que as pessoas se refiram a uma criança como um gênio, devido à sua precocidade em uma área específica, como na música ou na matemática, ou por sua facilidade em memorizar fatos, nomes e acontecimentos. Freqüentemente o superdotado é associado ao gênio, às habilidades inatas e ao desempenho excelente em todas as áreas (Fleith & Alencar, 2001), numa clara demonstração da desinformação sobre o tema em nossa sociedade. O termo foi popularizado por Lewis Terman que, em seu livro Genetic Studies of Genius, de 1926, definia como gênio qualquer criança com um QI superior a 140, conforme medido pelo teste Stanford-Binet (Ehrlich, 1989). No entanto, os pesquisadores da atualidade (por exemplo, Alencar, 2001; Feldhusen, 1985; Feldman, 1991) sugerem que o termo “gênio” deva ser reservado para descrever apenas aquelas pessoas que deram contribuições originais e de grande valor à humanidade em algum momento do tempo. Os gênios são os grandes realizadores da humanidade, cujo conhecimento e capacidades nos parecem sem limite, incrivelmente excepcionais e únicas. São raras as pessoas que atingem patamares excepcionais. Leonardo da Vinci, Gandhi, Heitor Villa-Lobos, Stephen Hawkins e Edson Arantes do Nascimento, o Pelé, estão entre os grandes gênios da humanidade, em seus campos específicos. Em contrapartida, os termos “pessoa com altas habilidades” e “superdotado” são mais apropriados para designar aquela criança ou adolescente que demonstra sinais ou indicações de habilidade superior em alguma área do conhecimento, quando comparado a seus pares. Não há necessidade de ser uma habilidade excepcional para que este aluno seja identificado. Essa distinção se torna importante, uma vez que a palavra “superdotado”, como já foi pontuado neste texto, vem carregada de conotações que nos remetem erroneamente ao super-herói, ao indivíduo com capacidades excepcionais e, portanto, às habilidades raras inexistentes no ser humano comum. É por esta razão que muitos pesquisadores preferem o uso de termos alternativos, como “talento” ou “altas habilidades”. Além disso, é bom ter em mente que identificamos as pessoas com altas habilidades/ superdotação ou talentos não pelo mero prazer de rotulá-las, mas por entendermos que os educadores têm a obrigação de oferecer experiências educacionais apropriadas e diferenciadas aos seus alunos, a fim de desenvolver de forma adequada e igualitária suas habilidades e necessidades especiais. Voltaremos aos gênios na próxima sessão, enfocando a superdotação sob o prisma da gradação de intensidade. A superdotação pelo olhar da ciência As habilidades apresentadas por todas as pessoas aqui citadas, sejam elas precoces, prodígios ou gênios, e outros com habilidades e potenciais menos aparentes, podem ser enquadradas em um termo mais amplo, que é altas habilidades/ superdotação. Alencar e Fleith (2001) ressaltam que a superdotação pode se dar em diversas áreas do conhecimento humano (intelectual, social, artística etc.), num continuum de habilidades, em pessoas com diferentes graus de talento, motivação e conhecimento. Assim, enquanto algumas pessoas demonstram um talento significativamente superior à população geral em algum campo, outras demonstram um talento menor, neste mesmo continuum de habilidades, mas o suficiente para destacá-las ao serem comparadas com a população geral (Virgolim, 1997). DEFINIÇÃO BRASILEIRA A definição brasileira atual considera os educandos com altas habilidades/superdotação aqueles que apresentam grande facilidade de aprendizagem que os leve a dominar rapidamente conceitos, procedimentos e atitudes (Brasil, 2001, Art. 5º, III). Essa definição ressalta duas características marcantes da superdotação, que são a rapidez de aprendizagem e a facilidade com que estes indivíduos se engajam em sua área de interesse.Também, completa a apresentada pelas Diretrizes gerais para o atendimento educacional aos alunos portadores de altas habilidades/superdotação e talentos (Brasil, 1995), que foi construída a partir do referencial teórico apresentada por Sidney Marland no relatório oficial da Comissão de Educação ao congresso americano em 1971 e posteriormente integrado na definição brasileira. Permitiu, asim, que a superdotação ultrapassasse a tradicional visão acadêmica para ser entendida em uma perspectiva mais plural. Essa definição postula que as pessoas com altas habilidades/superdotação são os educandos que apresentam notável desempenho e/ou elevada potencialidade em qualquer dos seguintes aspectos, isolados ou combinados: a) Capacidade Intelectual Geral - Envolve rapidez de pensamento, compreensão e memória elevadas, capacidade de pensamento abstrato, curiosidade intelectual, poder excepcional de observação; b) Aptidão Acadêmica Específica – Envolve atenção, concentração, motivação por disciplinas acadêmicas do seu interesse, capacidade de produção acadêmica, alta pontuação em testes acadêmicos e desempenho excepcional na escola; c) Pensamento Criativo ou Produtivo – Refere-se à originalidade de pensamento, imaginação, capacidade de resolver problemas de forma diferente e inovadora, capacidade de perceber um tópico de muitas formas diferentes; d) Capacidade de Liderança – Refere-se à sensibilidade interpessoal, atitude cooperativa, capacidade de resolver situações sociais complexas, poder de persuasão e de influência no grupo, habilidade de desenvolver uma interação produtiva com os demais; e) Talento Especial para Artes – Envolve alto desempenho em artes plásticas, musicais, dramáticas, literárias ou cênicas (por exemplo, facilidade para expressar idéias visualmente; sensibilidade ao ritmo musical; facilidade em usar gestos e expressão facial para comunicar sentimentos); e f) Capacidade Psicomotora – Refere-se ao desempenho superior em esportes e atividades físicas, velocidade, agilidade de movimentos, força, resistência, controle e coordenação motora fina e grossa. Esta definição é vantajosa, uma vez que chama a atenção para importantes aspectos, como: (a) a pluralidade de áreas do conhecimento humano em que uma pessoa possa se destacar, não se limitando à tradicional visão acadêmica da superdotação; (b) o entendimento de que as altas habilidades se relacionam tanto com o desempenho demonstrado quanto com a potencialidade em vir a demonstrar um notável desempenho; e (c) a percepção de que a superdotação se modifica no decurso do desenvolvimento do indivíduo. Vejamos então como estas capacidades em distintas áreas podem ser observadas em pessoas que se destacaram, no cenário mundial, pelo uso superior destas habilidades. A nossa intenção aqui é justamente mostrar como características únicas de personalidade, a curiosidade, a criatividade, a persistência e motivação intrínseca para se atingir um objetivo, aliadas às oportunidades oferecidas por um ambiente suportivo, foram fundamentais para que o indivíduo chegasse a um patamar superior de realizações. Embora focalizando nossa atenção em pessoas extraordinárias, é nosso dever enquanto pais e educadores favorecer a expressão das potencialidades únicas de nossos fi lhos e alunos, por meio de um ambiente de suporte e estimulação. HABILIDADE INTELECTUAL GERAL: STEPHEN HAWKING O físico inglês Stephen William Hawking (1942 - atual) é doutor em Cosmologia e um dos mais consagrados físicos teóricos do mundo. Conhecido pela ousadia de suas idéias e pelo humor e clareza com que as expressa, Hawking utiliza como principais campos de pesquisa a cosmologia teórica e a gravidade quântica. Seu livro, O Universo em uma casca de noz (Hawking, 2001), mostra seu poder excepcional de abstração, a grandeza de seu pensamento lógico-matemático e sua capacidade única de ver problemas sob ângulos inusitados. Seu trabalho com relação à singularidade no espaço-tempo e com a relatividade geral reformulam as idéias de Newton e de Einstein, o que lhe rendeu numerosos prêmios e medalhas honrosas. Seus trabalhos com Buracos Negros, como a quarta Lei da mecânica de buraco negro, ocuparam grande parte de sua vida adulta. Hawking fez descobertas importantes que levaram o seu nome, como a radiação Hawking, em que faz uma analogia dos buracos negros com a termodinâmica. O asteróide 7672 Hawking é assim chamado em sua homenagem. Apesar de sofrer, desde os 21 anos, de esclerose amiotrófi ca lateral, uma rara doença degenerativa que paralisa, um a um, os músculos do corpo, inclusive a musculatura voluntária, Hawking não parou de trabalhar. Depois de sofrer uma traqueotomia, passou a utilizar um sintetizador de voz para se comunicar e, com seu auxílio (e muita perseverança), publicou mais de 180 trabalhos, entre artigos, livros e ensaios científi cos (http://www.hawking.org.uk/home/hindex.html). Hawking demonstra uma grande coragem, persistência em atingir seus objetivos e uma enorme força para ultrapassar as vicissitudes de sua vida. Nascido exatamente 300 anos depois da morte de Galileu, Hawking ocupa hoje o posto que foi de sir Isaac Newton, atuando como professor lucasiano de Matemática na Universidade de Cambridge na Inglaterra. Pela defi nição de superdotação apresentada, Hawking se encaixa perfeitamente no perfi l de uma pessoa com habilidade intelectual geral. Ressaltamos aqui sua capacidade de pensamento abstrato, sua curiosidade intelectual e o poder excepcional de observação dentro de usa área. Aliados a estas características ressaltam-se aspectos de personalidade, como persistência em atingir seus objetivos, coragem e resilência. A resilência se refere à capacidade interior de reagir aos sofrimentos e tragédias da vida, tornando-se mais forte, criando uma couraça de proteção e fazendo do sofrimento assumido uma alavanca para prosseguir a luta da vida. Talvez a resilência tenha impulsionado o jovem Stephen a ultrapassar os obstáculos da doença e persistir nos caminhos que sua grande potencialidade já apontava. HABILIDADE DE PENSAMENTO CRIATIVO: LEONARDO DA VINCI Leonardo da Vinci (1452-1519) escreveu, desenhou e fez estudos em inúmeras áreas: geometria, anatomia, geologia, botânica, astronomia, óptica, mecânica, arquitetura, projetos bélicos, etc. Leonardo fi cou conhecido pela forma diferente e inovadora com que resolvia os mais diversos problemas em áreas diferentes, assim como por sua capacidade de perceber de muitas formas diferentes um determinado assunto. Por exemplo, Leonardo via a pintura como uma ciência e desenhava com uma precisão matemática. Para ele, o pintor deveria explorar ao máximo a capacidade que os olhos, principal via do conhecimento, têm de perceber a luz e as sombras, a posição e a distância, o movimento e o repouso das coisas. Criou normas rigorosas de perspectiva a partir de suas observações sobre os efeitos da atmosfera sobre uma paisagem. Foi um observador atento dos movimentos do mundo - da água, das nuvens, das folhas, dos animais e da anatomia humana. Seus desenhos anatômicos, produto de suas observações e dissecações de cadáveres, são considerados superiores aos do célebre Andreas Vesalius, o grande anatomista do Renascimento (Revista Super Interessante, Edição 226 - 05/2006). No entanto, Leonardo sempre teve difi culdades para iniciar e acabar uma obra, demonstrando não apenas um enorme desejo de perfeição, quanto ao temor de se exibir uma obra frente ao público, de ser julgado a partir do que fez, de entregar sua obra a mãos alheias. Alguns biógrafos de Leonardo conjecturam que o próprio Leonardo desvalorizava seu destino artístico diante do seu destino científi co (Civita, 1977). É como engenheiro e arquiteto que ele se apresenta à nobreza italiana, projetando edifícios públicos, pontes, canais, fortalezas, armas, carros de combate, embarcações, turbinas, teares. Talvez pelo descompasso entre a mente do criador e a capacidade tecnológica da Renascença, vários de seus desenhos e criações só virariam realidade nos séculos XIX e XX - máquinas voadoras, páraquedas, escafandros, submarinos – mostrando que sua capacidade de aprender com a observação do mundo, assim como sua poderosa imaginação e pensamento original o colocavam a pelo menos 4 ou 5 séculos à frente de seu tempo. Por outro lado, a grande parte de seus escritos não se destinavam à publicação, mas pode-se especular que, se tivessem sido publicados, poderiam ter mudado o rumo da história das ciências. O pensamento criativo e produtivo de Leonardo, aliado à algumas de suas características pessoais, como percepção estética, agudeza de observação e desejo de perfeição, assim como um ambiente cultural propício às ciências e às artes, provavelmente foram fatores essenciais que o levaram a uma produção de mais alto nível em sua vida adulta. Além disso, como pontua Gruber (1986), as realizações criativas mais importantes da humanidade foram o resultado direto de trabalho prolongado, persistência e muitos anos dedicados à tarefa que o criador tinha em mente. HABILIDADES DE LIDERANÇA: GANDHI Mohandas Karamchand Gandhi (1869 - 1948), mais conhecido popularmente por Mahatma Gandhi (Mahatma, do sânscrito “grande alma”), foi um dos idealizadores e fundadores do moderno estado indiano e um infl uente defensor do Satyagraha (princípio da não-agressão, forma não-violenta de protesto) como um meio de revolução. Gandhi ajudou a libertar a Índia do governo britânico, inspirando outros povos coloniais a trabalhar pelas suas próprias independências, para o desmantelamento do Império Britânico e sua substituição pela Comunidade Britânica (Commonwealth). O princípio do satyagraha, freqüentemente traduzido como “o caminho da verdade” ou “a busca da verdade”, também inspirou gerações de ativistas democráticos e anti-racistas, incluindo Martin Luther King e Nelson Mandela. Frequentemente Gandhi afi rmava a simplicidade de seus valores, derivados da crença tradicional hindu: verdade (satya) e não-violência (ahimsa). Gandhi pregava a resistência pacífi ca, mas ativa e provocativa, de forma a não se submeter ao mal e estar disposto a dar até a vida se necessário for, para provar que está do lado do que é justo, bom e correto. Foi assim que, de demonstração maciça em demonstração maciça, e com seu grande poder de persuasão e de infl uência levou o povo indiano, oprimido e dominado, a demonstrar ao Império Britânico a sua superioridade moral. Gandhi demonstra sua grande capacidade de resolver situações sociais complexas quando sugere que a Índia pode ganhar sua independência por meios não violentos e por via da ego-confi ança. Ele rejeita a força bruta e sua opressão e declara que a força da alma ou amor mantém a unidade das pessoas em paz e harmonia. Gandhi, embora se destacasse por sua capacidade verbal e de linguagem, era tímido, embora não tivesse receio em desafi ar a autoridade estabelecida; assim, com sua sensibilidade inter-pessoal e atitude cooperativa empenhou-se em descobrir as forças, medos e desejos legítimos de ambas as partes, Índia e Grã-Bretanha, assim como a compreender os estereótipos negativos que ambos os lados mantinham uns pelos outros. Gandhi vivia estritamente de acordo com uma norma que estabeleceu para si mesmo: a de que agiria sempre de acordo com a verdade. Perseverando na verdade e na não-violência, opondo-se ativamente à injustiça, desenvolveu uma imensa força interior, o que atraiu muitos seguidores. Gandhi conseguiu convencer pessoas no mundo inteiro a não julgar os outros pela cor da pele ou pela história dos antepassados, e a perceber a todos como seres humanos iguais; que era possível haver discordância de forma não-violenta; e que todos podem ser fortalecidos se comportarem com dignidade. No entanto, demonstrando sua habilidade de desenvolver uma interação produtiva com o povo, pedia que as pessoas o seguissem apenas se estivessem convictas do certo e do justo. Não tinha nenhuma propriedade: sua riqueza era o que dava ao povo e o que dele recebia; por muito tempo pregou os ditames da honestidade e da correção. Ganhou a simpatia de inúmeras pessoas pelos esforços que empreendia em seu benefício, e exercia tamanha atração sobre as massas, que muitos indianos o consideravam o verdadeiro símbolo da India (Nicholson, 1987). Suas frustrações pelo erro ou fracasso eram elaboradas e transformadas em oportunidades para aprender, refl etir e planejar outras formas de seguir em frente. Assim, a nobreza do seu esforço e a convicção de que deixaria alguma marca duradoura nas vidas futuras serviram de estímulo e energia a este poderoso infl uenciador de pessoas (Gardner, 1999). O que tornou Gandhi um grande líder foi sua capacidade de descobrir e ressaltar o que há de melhor nas pessoas, estimulando-as a atingir aquilo que elas pensavam ser impossível. É neste sentido que Gandhi também se enquadra na defi nição de liderança criativa que, segundo Sisk (1993), se expressa por quatro aspectos ou atributos: (a) visão, que permite ver as coisas como são e ainda vê-las da perspectiva do que podem se tornar. Inclui-se aqui também a idéia de ajudar os outros a construir e a compartilhar uma visão comum; (b) coragem para correr riscos calculados a fi m de por em prática uma idéia criativa; (c) absorção ou habilidade de se tornar inteiramente envolvido no ato criativo; e (d) talento e apreciação do próprio talento para se tornar um líder cirativo em algum campo do conhecimento. Estes fatores interagem com o tempo, história e cultura em que a pessoa vive, dando forma ao tipo de liderança que ela irá desenvolver em seu contexto. Gardner (1999) também se refere ao líder como um grande infl uenciador, que para ter sucesso necessita ter um grande conhecimento na área pessoal, tanto no sentido de entender os outros indivíduos (o que os motiva, como trabalhar em cooperação com eles e, se preciso for, como manipulá-los) quanto entender a si próprio (uma arguta percepção de si mesmo, principalmente seus objetivos instáveis, suas fraquezas e necessidades). Desafi ar autoridades, não ter medo de se impor quando a situação assim o exige e ser determinado e assertivo (sem necessariamente ser agressivo), são fatores que se destacam na paersonalidade de um líder. É de extrema importância, no contexto atual, que nossas escolas se empenhem em valorizar e desenvolver as habilidades de liderança de seus alunos. Como líderes do futuro, os alunos talentosos precisam de estímulo para desenvolver os fatores de personalidade favoráveis ao sucesso, para que possam ser coroados de êxito em suas realizações e trazer uma efetiva colaboração ao seu ambiente sócio-cultural. HABILIDADES ARTÍSTICAS (MÚSICA): HEITOR VILLA-LOBOS Heitor Villa-Lobos (1887- 1959) recebeu sua primeira instrução musical aos seis anos, vinda do pai, que adaptou uma viola para que o fi lho pudesse estudar violoncelo. Sua formação musical foi muito infl uenciada pela convivência, em sua casa, de grandes nomes da época que apareciam para cantar e tocar até de madrugada. Além da cidade do Rio de Janeiro, onde nasceu, Villa-Lobos residiu com a família em cidades do interior do Estado e também de Minas Gerais. Nessas viagens, entrou em contato com uma música diferente da que estava acostumado a ouvir: modas caipiras, tocadores de viola, enfi m, uma parte do folclore musical brasileiro que, mais tarde, viria a universalizar-se através de suas obras. As Bachianas Brasileiras surgiram quando constatou a semelhança de modulações e contracantos do nosso folclore com a música de Bach. Também seu ciclo inovador de quatorze obras, intitulado “Choros”, para as mais diversas formações, nasceu de uma mescla da música urbana, aprendida em rodas de choro cariocas, com modernas técnicas de composição. Após viagens pelo Norte, Nordeste e Centro-Oeste do Brasil, no fi nal da década de 1910, ingressou no Instituto Nacional de Música, no Rio, mas não chegou a concluir o curso, devido à sua desadaptação - e descontentamento - com o ensino acadêmico. Suas primeiras peças tiveram a infl uência decisiva de Stravinsky. Apesar de suas obras terem aspectos da escrita européia, Villa-Lobos sempre fundia suas obras com aspectos da música realizada no Brasil, utilizando sons da mata, de eventos indígenas, africanos, cantigas, choros, sambas e outros gêneros muito utilizados no país. Embora não tivesse um estilo defi nido, demonstrava preferências por alguns recursos estilísticos, como combinações inusitadas de instrumentos, arcadas bem puxadas nas cordas, uso de percussão popular e imitação de cantos de pássaros (http://pt.wikipedia.org/wiki/Heitor_Villa-Lobos). Entre os títulos mais importantes que recebeu, está o de Doutor Honoris Causa pela Universidade de Nova Iorque. Foi o primeiro presidente da Academia Brasileira de Música e regeu onze orquestras brasileiras e quase 70 em diversos países. Villa-Lobos caracterizou-se como um dos maiores músicos do nosso tempo e sua genialidade hoje se incorpora ao patrimônio artístico-cultural do Brasil. O talento artístico especial – aqui exemplifi cado em Villa-Lobos, na área de música – aparece frequentemente como um ímpeto criativo que impele o indivíduo na direção da sua área de interesse, seja compondo, pintando, desenhando, dançando, escrevendo ou em outra expressão artística. Gardner (1999) refl ete que, muitas vezes, a veia da composição criativa tem vida própria, sendo talvez impossível desalojar esta veia dos próprios ritmos de funcionamento do indivíduo. É o que também Winner (1998) chama de “fúria por dominar” ((em inglês, rage to master): uma interesse intenso e obsessivo em um domínio no qual a pessoa demonstra facilidade de aprender e de se expressar. HABILIDADESPSICOMOTORAS: EDSON ARANTES DO NASCIMENTO – PELÉ Edson Arantes do Nascimento (1940 – atual), mais conhecido como Pelé, é considerado o maior jogador da história do futebol e o mais famoso. Recebeu o título de Atleta do Século de todos os esportes em 1981, eleito pelo jornal francês L’Equipe, superando outras lendas do esporte como Juan Manuel Fangio e Mohammed Ali. No fi nal de 1999, o Comité Olímpico Internacional – COI, por meio de uma votação internacional entre todos os Comitês Olímpicos Nacionais associados, também elegeu Pelé o Atleta do Século. Ainda criança, Edson manifestou a vontade de ser jogador de futebol. A alcunha “Pelé”, que o identifi cava como o maior goleador de todos os tempos, teve origem num goleiro de nome “Bilé”, a quem o menino admirava. As pessoas próximas começaram a chamá-lo de “Bilé”. Muitas crianças, colegas do garoto Edson, tinham difi culdade em pronunciar “Bilé” e com o tempo o apelido virou “Pelé”. Com dez anos ingressou no time infantojuvenil, o Canto do Rio, cuja idade mínima para participar era de 13 anos elogo depois, estimulado pelo pai, montou o seu próprio time: Sete de Setembro. Sua percepção total do jogo sempre o caracterizou e permitiu saber o que fazer com a bola em qualquer instante. Pelé apresentava força, resistência, fl exibilidade corporal, coragem e o controle total do toque na bola. “Pensa, decide e executa” foi o lema que aprendeu com seu pai, Dondinho. Em qualquer parte do planeta suas qualidades como esportista e ser humano são reconhecidas por afi cionados do futebol, entre eles reis, príncipes, chefes de estado e até o Papa. Em 1994 – 36 anos depois de conquistar pelo Brasil a primeira de suas três Copas do Mundo, na Suécia em 1958 –, o “Rei” foi ratifi cado por todo o continente europeu como o melhor jogador da história do futebol. Dele, disse o escritor Nelson Rodrigues: “Dir-se-ia um rei (...) sua majestade dinástica há de ofuscar toda a corte em derredor”, numa crônica profética publicada na revista Manchete Esportiva, em 8 de março de 1958. Na Copa da Suécia, Pelé deslumbrou o mundo com apenas 17 anos e passou a ser chamado de o Rei do Futebol. Pelé levou o Brasil a ser conhecido e respeitado – pelo menos no futebol. A Era Pelé se traduziu em um tricampeonato mundial de futebol e na posse defi nitiva da Taça Jules Rimet. O “Rei” jogou 114 partidas e marcou 95 gols com a camisa amarela. Nas quatro Copas do Mundo que disputou, nas inúmeras excursões do Santos e na sua temporada pelo Cosmos, de Nova York, Pelé granjeou um número incontável de admiradores. De gente simples e anônima a artistas como Robert Redford e William Hurt, chefes-de-estado como Mikhail Gorbatchóv e Bill Clinton, papas, reis e rainhas. Todos eles prestaram suas homenagens ao Rei Pelé. (http://www.geocities.com/augusta/2076/pele.html) São muitas as qualidades de Pelé que o elevam à categoria de superdotado por suas habilidades psicomotoras especiais. Ressaltamos aqui sua habilidade de perceber o campo em sua totalidade, assim como de perceber a exata colocação de cada jogador em um determinado momento da partida, o que lhe possibilitava estar freqüentemente no lugar certo no momento certo. Sua rapidez de raciocínio em campo, a invenção de dribles que até então não eram comuns, jogadas inesperadas e espetaculares que surpreendiam o adversário e passes corretos e calculados para seus colegas em campo o permitiram marcar mais de 1200 gols em 50 anos de carreira. Além disso, em uma época em que a técnica estava ainda em seus primórdios, Pelé já se destacava pela sua disciplina, preparação física e ética em campo, direcionando seu comportamento para os objetivos que estipulou para si enquanto jogador. Neste sentido, tanto na área dos esportes, quanto na acadêmica, na artística ou em qualquer área da expressão do saber humano, somam-se qualidades importantíssimas para que o indivíduo atinja a excelência. Destacamos aqui alguns destes traços, como a persistência, a dedicação, a motivação intrínseca, a busca disciplinada para atingir os objetivos propostos, a obsessão em dominar perfeitamente uma determinada área e contribuir para ela, a criatividade na busca de solução de problemas e a paixão pelo que se faz. Mesmo não esperando irrealisticamente que seu fi lho ou aluno seja um gênio ou prodígio em determinada esfera do conhecimento, é nosso papel enquanto educadores fornecer experiências variadas e oportunidades para que a expressão peculiar do talento de cada um encontre um campo fértil e possa germinar. Este aspecto será lembrado na próxima sessão. ELEMENTOS IMPORTANTES NA SUPERDOTAÇÃO 􀁠􀀃 Heterogeneidade, multipotencialidades e níveis de habilidades Em geral, as pessoas superdotadas não apresentam, de forma simultânea ou mesmo em graus semelhantes, as habilidades descritas neste capítulo, conforme citadas na defi nição brasileira de 1994. Um dos aspectos mais marcantes da superdotação relaciona-se ao seu traço de heterogeneidade. Assim, algumas pessoas podem se destacar em uma área, ou podem combinar várias, como no caso já citado de Leonardo da Vinci. Podemos também tomar como exemplo o humorista brasileiro Jô Soares que, além de exibir um pensamento criador e original, bem como um perfi l bem-humorado, também se revela na área musical, tocando múltiplos instrumentos; no campo da linguagem, falando vários idiomas, escrevendo livros e crônicas e se revelando um perspicaz entrevistador; no desempenho artístico, interpretando e incorporando personagens; e ainda no setor da liderança, por seu carisma e capacidade de coordenar grupos. A essa confl uência de habilidades chamamos de multipotencialidades, que representa mais uma exceção do que uma regra entre os indivíduos superdotados. No entanto, o que se observa com maior freqüência são pessoas que se desenvolvem mais em apenas uma área específica – como poesia, ciências, artes, música, dança, xadrez, ou mesmo nos esportes – do que em várias áreas de uma só vez. Desta forma, Pelé e Ronaldinho, no futebol, Gustavo Kuerten, no tênis, Carlos Drummond de Andrade e Olavo Bilac, na poesia, Ana Botafogo, na dança, Chiquinha Gonzaga e Tom Jobim, na música, Portinari e Tarsila do Amaral, nas artes plásticas, ou Padre Marcelo Rossi e Silvio Santos na capacidade de liderança, são exemplos de brasileiros que se destacaram em seus campos por demonstrarem habilidades específicas a um nível superior aos seus pares, em um dado momento cultural. Alunos superdotados diferem uns dos outros também por seus interesses, estilos de aprendizagem, níveis de motivação e de autoconceito, características de personalidade, e principalmente por suas necessidades educacionais. De acordo com pesquisadores (Davis & Rimm, 1994; Gallagher & Gallagher, 1994), sejam quais forem as afirmações que se possam fazer a respeito das pessoas com altas habilidades, sempre haverá alguma exceção, impedindo que generalizações sejam feitas. Além disso, as características apresentadas por esta população não envolvem causa-e-efeito. Neste sentido, quando se fala que alunos superdotados são mais sociáveis, não se pode concluir que um alto QI leva necessariamente a uma maior popularidade social. Outros fatores devem ser levados em conta nesta equação. Por exemplo, pesquisas revelam que não devemos esperar que duas características como desajuste emocional e superdotação apareçam juntos; e se isso acontece, é um sinal de que algo está errado. Torna-se necessária uma cuidadosa avaliação para se observar o que pode causar o desajuste emocional da criança, ao invés de se assumir que a superdotação fatalmente leva ao desajustamento e que nada pode ser feito quanto a isso. 􀁠􀀃 Influências da genética e do ambiente Falamos anteriormente que o superdotado é aquele indivíduo que, quando comparado à população geral, apresenta uma habilidade significativamente superior em alguma área da atividade e do conhecimento humanos (Alencar, 2001). Veremos agora como outros teóricos da área percebem a superdotação. Um dos grandes pesquisadores da área de superdotação no cenário mundial é Jonh Feldhusen, professor emérito e diretor do Gifted Education Resource Institute da Universidade de Purdue em Indiana, Estados Unidos. Este autor tem uma visão interacionista da superdotação, percebida como uma interação entre a genética e o ambiente. Para ele, os talentos de uma pessoa surgem, por um lado, de uma habilidade geral que nos é dada por nossa disposição genética. Assim, uma pessoa com alta capacidade em uma área provavelmente herdou uma disposição genética dos pais ou parentes próximos. Por outro lado, a superdotação também dependeria das experiências no lar e na escola, dos estilos de aprendizagem e dos interesses e motivações únicas de cada aluno. Pensando nesta perspectiva, a predisposição genética nos dá a extensão em que uma determinada habilidade poderia se desenvolver. Exatamente por ser uma predisposição, isto não significa que seja um fator determinante; significa apenas que, dadas as condições propícias do ambiente, aquela disposição pode se concretizar (Feldhusen, 1992). Plomin (1997), um dos maiores estudiosos deste campo na atualidade, considera que tanto a genética quanto o ambiente seriam igualmente responsáveis pelas variações na inteligência da criança; no entanto, ambos devem ser vistos como propensões genéticas, e não como fatores pré-determinados e imutáveis. Isto significa que, em termos práticos, não temos como prever toda a extensão em que as potencialidades de uma criança poderão ser desenvolvidas. Não termos ainda, no atual estágio das pesquisas sobre o genoma humano, conhecimento dos genes responsáveis pela inteligência. O que sabemos é que, se fornecermos oportunidades adequadas para uma criança satisfazer sua curiosidade sobre o ambiente que a cerca, seu potencial genético poderá levá-la a se desenvolver de acordo com suas capacidades. Portanto, o que está em nossas mãos é o fornecimento de um ambiente enriquecido e estimulador. O que é um ambiente enriquecido? Segundo a pesquisadora da Universidade da Califórnia, Marian Diamond, é aquele que: (...) inclui uma fonte constante de apoio emocional positivo; fornece uma dieta nutritiva com proteínas, vitaminas, minerais e calorias suficientes; estimula todos os sentidos (mas não necessariamente todos ao mesmo tempo); tem uma atmosfera sem estresse exagerado e repleta de prazer intenso; apresenta uma série de novos desafios, nem tão difíceis, nem tão fáceis, para o estágio adequado de desenvolvimento da criança; permite uma interação social em uma porcentagem significativa de atividades; promove o desenvolvimento de uma série de habilidades e interesses mentais, físicos, estéticos, sociais e emocionais; fornece a oportunidade de a criança escolher suas próprias atividades; dá chance à criança de ver os resultados do seu esforço e modificá-los; tem uma atmosfera agradável que promove a exploração e o prazer de aprender; e, acima de tudo, os ambientes enriquecidos permitem que a criança seja um participante ativo e não um observador passivo do seu próprio desenvolvimento (Diamond & Hopson, 2000, p. 103-105). Estas autoras acreditam que a estimulação variada, a riqueza de oportunidades em áreas diversas, o estímulo à leitura e à criatividade, e fundamentalmente, amor, carinho e atenção são elementos que constituem a resposta adequada para os pais que querem ajudar seus filhos a atingirem sua plena auto-realização conforme suas potencialidades e a crescerem como indivíduos sadios e integrados. Vejamos o exemplo de Heitor Villa-Lobos. O menino cresceu em um ambiente interessante e estimulador, onde a música era tocada e o alto desempenho reforçado. Os pais, músicos, provavelmente influenciaram Heitor de duas maneiras: uma, pela predisposição genética para a sensibilidade quanto à estrutura musical, como a distinção de tonalidades, harmonia e ritmo; e por outra, pelo reforço e estímulo ao desempenho musical de alto nível. Segundo Winner (1998), a superdotação musical pode aparecer precocemente, antes talvez de outras habilidades em outros domínios. Isto pode se dar, talvez, por ser um domínio formalmente estruturado e altamente regido por regras, e por estimular o prazer e o interesse da criança por sons musicais desde tenra idade. Desta forma, o prazer de ouvir música e, posteriormente de tocar e compor, foram altamente reforçados na infância de Villa-Lobos e, somados à sua herança genética peculiar, tornandose parte essencial da pessoa com talentos extraordinários que ele viria a se tornar. 􀀃 􀁠􀀃Experiências cristalizadoras Um outro elemento importante a se considerar com relação à influência do ambiente da criança na sua produção superior quando adulta, se refere ao que Gardner e Feldman chamam de “experiências cristalizadoras” (Walters & Gardner, 1986). Para exemplificar este conceito, os autores citam um evento crucial na vida do pintor impressionista francês Pierre-August Renoir (1841-1919), quando este tinha 12 anos de idade. Naquela época, Renoir era um aprendiz talentoso na área de pintura em porcelana, cuja habilidade com os pincéis e a delicadeza das cores que utilizava já lhe rendia um salário de adulto. A despeito de sua proficiência técnica, Renoir ainda demonstrava pouco interesse e sensibilidade para as qualidades estéticas das artes visuais, embora tivesse um bom contato com os trabalhos dos grandes mestres da pintura. Em uma de suas visitas ao Louvre, aonde ia freqüentemente para fazer esboços de obras que poderia usar em porcelana, Renoir teve uma experiência diferente, ao descobrir a Fonte dos Inocentes, trabalho do escultor do século XVI, Jean Goujon. As ninfas, retratadas nesta escultura, são levemente esguias, as vestes sutilizadas, transmitindo a volúpia serena das simpáticas figuras da mitologia, que ali deitam água na fonte. A beleza do trabalho o deixou desnorteado, e esquecendo tudo, até mesmo o almoço, passou horas observando o grupo de estátuas de vários ângulos. Neste momento, relata o artista que teve uma afinidade especial com o trabalho do escultor; percebia neste trabalho tudo aquilo que ele mais prezava em uma obra: graça, solidez, elegância, realismo. A forma com que o escultor fazia a roupagem se moldar nas figuras de forma realista o impressionou. Até o momento ele não havia percebido como a roupagem poderia ressaltar a forma e este insight o fez buscar novas formas de expressão artística. Assim, a experiência de Renoir na Fonte dos Inocentes cristalizou a noção do poder da escultura para transcender o mundo limitado da decoração em porcelana. A experiência cristalizadora, por não ser um ensinamento formal da escola, vem de dentro, da percepção súbita de um aspecto que faz toda a diferença para o artista, e que provavelmente será lembrado retrospectivamente em momentos futuros na vida desta pessoa. O matemático inglês Godfrey Harold Hardy (1877-1947), reconhecido mundialmente por sua teoria dos números e análise matemática, relata uma experiência cristalizadora interessante, ocorrida em sua adolescência. Embora filho de pais professores, ambos de reconhecido saber na área de matemática, Hardy não tinha, aparentemente, uma grande paixão pela Matemática. Em 1896, quando tinha 19 anos, ganhou uma bolsa de estudo para o Trinity College, em Cambridge, onde passou a estudar com o prof. Love. Ele relata: “aprendi pela primeira vez o que a matemática realmente significava. Desta época em diante, eu já estava no caminho de me tornar um matemático de verdade, com ambições matemáticas sólidas e uma genuína paixão pela matemática” (Walters & Gardner, 1986, p. 317). Em 1900, Hardy foi eleito Fellow de Trinity e, no ano seguinte, recebeu o prêmio Smith, ao qual se seguiram numerosos prêmios e distinções honrosas. Por sua natureza, as experiências cristalizadoras são pessoais e privadas; freqüentemente o indivíduo as guarda apenas para si e, anos depois, em retrospectiva, se torna consciente dela. Não podemos prever, com antecedência, quais experiências poderão se tornar cristalizadoras para uma criança. No entanto, em termos de uma boa pedagogia, recomenda-se a exposição da criança desde a mais tenra idade a materiais que possam motivá-las a explorar um determinado domínio. Neste sentido, Renzulli e Reis (1986) também recomendam atenção para a importância de se enriquecer a vida dos alunos através de experiências que usualmente não fazem parte do currículo da escola regular; e estimular novos interesses que possam levar o aluno a aprofundá-los em atividades criativas e produtivas posteriores. Feldhusen e Jarwan (2000) consideram que os superdotados e talentosos são os maiores recursos de uma nação. Mas somente se obtiverem apoio e afeto familiares, assim como serviços educacionais adequados, desafiadores e de alto nível, é que poderão desenvolver seu potencial humano, levar vidas enriquecidas e satisfatórias, e se tornar os profissionais, artistas, educadores e líderes que farão diferença em nossa nação e no mundo. 􀀃 􀁠􀀃Habilidades superiores, criatividade e motivação O que produz a habilidade superior? Joseph Renzulli, renomado pesquisador do Centro Nacional de Pesquisa sobre o Superdotado e Talentoso da Universidade de Connecticut, nos Estados Unidos, considera que as pessoas que, no desenrolar da história, foram reconhecidas por suas contribuições únicas, originais e criativas demonstraram possuir um conjunto bem definido de traços, a saber: habilidade acima da média em alguma área do conhecimento; envolvimento com a tarefa; e criatividade (Renzulli, 1986). A realização criativa/produtiva, que resulta dos comportamentos de superdotação, seria obtida, segundo Renzulli, apenas quando estes três conjuntos de traços estivessem dinamicamente em interação (ver quadro 2), como representado pela porção interna do Diagrama de Venn. Em seu Modelo dos Três Anéis, Renzulli pontua que nem sempre a criança apresenta este conjunto de traços desenvolvidos igualmente, mas, se lhe forem dadas oportunidades, poderá desenvolver amplamente todo o seu potencial. Habilidade acima da média engloba a habilidade geral e a específica. A habilidade geral consiste na capacidade de utilizar o pensamento abstrato ao processar informação e de integrar experiências que resultem em respostas apropriadas e adaptáveis a novas situações. Em geral, essas habilidades são medidas em testes de aptidão e de inteligência, como raciocínio verbal e numérico, relações espaciais, memória e fluência verbal. Habilidades específicas consistem na habilidade de aplicar várias combinações das habilidades gerais a uma ou mais áreas especializadas do conhecimento ou do desempenho humano, como dança, fotografia, liderança, matemática, composição musical, etc. Envolvimento com a tarefa se refere à energia que o indivíduo investe em uma área específica de desempenho e que pode ser traduzido em termos como perseverança, paciência, autoconfiança e crença na própria habilidade de desenvolver um trabalho. Trata-se de um ingrediente muito presente naqueles indivíduos que se destacam por sua produção criativa. A criatividade tem sido apontada como um dos determinantes na personalidade dos indivíduos que se destacam em alguma área do saber humano. No entanto, como é difícil de se medir a criatividade por meio de testes fidedignos e válidos, tem sido proposta a utilização de métodos alternativos em adição aos testes, como a análise dos produtos criativos e auto-relatos dos estudantes (Hocevar & Bachelor, 1989; Reis, 1981). No entanto, torna-se um desafio determinar os fatores que levariam o indivíduo a usar seus recursos intelectuais, motivacionais e criativos de forma em produtos de nível superior ou em comportamentos de superdotação. Renzulli utiliza o termo “superdotado” como um adjetivo, em uma perspectiva desenvolvimental. Desta forma, prefere falar e escrever sobre o desenvolvimento de comportamentos de superdotação em áreas específicas da aprendizagem e expressão humanas, ao invés de “superdotado” como uma forma de ser. Segundo ele, esta orientação tem permitido a muitos alunos oportunidades para desenvolverem altos níveis de realização criativa e produtiva que, de outra forma, teriam sido negadas pelos modelos tradicionais dos programas especiais (Renzulli & Reis, 1997b). É tarefa da escola estimular o desenvolvimento do talento criador e da inteligência em todos os seus alunos e não só naqueles que possuem um alto QI ou que tiram as melhores notas; desenvolver comportamentos superdotados em todos aqueles que têm potencial; nutrir o potencial da criança, rotulando o serviço e não o aluno; e desenvolver uma grande variedade de alternativas ou opções para atender as necessidades de todos os estudantes (Treffinger & Renzulli, 1986). Há várias considerações práticas que podem ser feitas com relação ao Modelo dos Três Anéis. Uma delas e a de que nenhum dos traços mencionados – habilidade acima da média, envolvimento com a tarefa e criatividade – é mais importante que o outro e nem todos necessitam estar presentes ao mesmo tempo, ou na mesma quantidade, para que os comportamentos de superdotação se manifestem. Isto implica em que, no processo de identificar uma criança para fazer parte de um programa de enriquecimento, pelo menos um destes traços deve estar presente, em um nível mais acentuado, enquanto os outros poderão ser desenvolvidos no desenrolar do programa. Tomemos como exemplo o caso de Neil, relatado por Baum e cols. (1991). Neil era um adolescente com dificuldades de aprendizagem, expressas tanto por dificuldades na organização escrita quanto para realizar tarefas seqüenciais de álgebra e matemática. Com baixa motivação no ambiente escolar, Neil era descrito por seus professores como preguiçoso e desajeitado e visto como o palhaço da classe pelos seus colegas. Suas dificuldades na escola começaram a ser percebidas por volta da 4a série, quando também começou a ter depressão e outros problemas psicológicos. No mais, Neil era um adolescente bastante sensível, perceptivo e criativo, com alta inteligência. Os professores reconheciam que suas preocupações e interesses eram de natureza mais global, e que transcendiam os interesses de seus colegas. No entanto, o rapaz demonstrava grande entusiasmo concentração e alto interesse quando, munido de sua câmara fotográfica, fotografava pessoas, tentando captar suas diversas disposições de humor. Os pais começaram então a incentiválo, e Neil passou a se oferecer para fotografar festas e ocasiões. Seus ensaios fotográficos lhe valeram prêmios em competições de fotógrafos amadores. Aprendeu sozinho a tocar piano e violão, passando horas tocando para seu próprio divertimento. Na escola, fez um criativo ensaio fotográfico mostrando a profundidade dos seus sentimentos sobre o tema “Como eu me sinto a respeito da escola”, uma vez que se sentia incapaz de realizar tal tarefa através da escrita. Com estímulos como este, Neil eventualmente se tornou mais interessado pelo ambiente escolar e suas notas se tornaram progressivamente melhores. Se Neil fosse indicado para um programa de enriquecimento, suas habilidades na área artística, como sensibilidade estética e percepção de detalhes poderiam ser mais estimulados e suas técnicas de fotografia aperfeiçoadas. Embora ele não tivesse habilidades na área acadêmica no nível esperado por seus professores, a motivação em fazer determinadas tarefas ligadas aos seus interesses e a criatividade de suas produções artísticas seriam, por si só, fatores impulsionadores para que níveis mais altos de produtividade pudessem ser atingidos. Renzulli (2004a) observa que a criatividade e o envolvimento com a tarefa são traços variáveis, que podem estar presentes em maior ou menor grau, dependendo da atividade; o aparecimento de um pode estimular o aparecimento do outro, principalmente quando a pessoa se sente reforçada por si mesma e pelos outros. No caso exemplifi cado por Neil, observouse que, ao colocar sua idéia criativa em ação, seu envolvimento com a tarefa começava a emergir. Da mesma forma, um grande envolvimento para se resolver uma situação-problema pode ativar o processo de resolução criativa de problemas. O caso de Neil também demonstra que a criatividade e o envolvimento com a tarefa podem ser modifi cados e infl uenciados positivamente por experiências educacionais bem planejadas (Gubbins, 1982; Renzulli, 1985), como fi zeram seus professores. Se o aluno oferece uma única porta de entrada para o reconhecimento de seu potencial, é tarefa do professor aproveitá-la e transformá-la em uma experiência enriquecedora e estimuladora para o aluno. Sabemos que, além dos fatores genéticos, a superdotação é influenciada também por fatores do indivíduo (como auto-estima elevada, coragem, persistência, energia, alta motivação) e por fatores ambientais (oportunidades variadas, personalidade e nível educacional dos pais, estimulação dos interesses infantis, entre outros). Sendo assim, conforme acredita Renzulli, a superdotação emerge ou “se esvai” em diferentes épocas e sob diferentes circunstâncias da vida de uma pessoa. Assim sendo, os comportamentos de superdotação podem ser exibidos em certas crianças (mas não em todas elas) em alguns momentos (não em todos os momentos) e sob certas circunstâncias (e não em todas as circunstâncias de sua vida) (Renzulli, 1985; Renzulli e Reis, 1997a; Renzulli, Reis & Smith, 1981). Esta posição é bastante polêmica, pois vai contra a tradicional postura de se compreender a inteligência como um traço imutável e único, e que se traduz no mito de “uma vez superdotado, sempre superdotado”. 􀁠􀀃Potencialidade: estágios do desenvolvimento do talento A Teoria dos Três Anéis, revolucionária mesmo entre os teóricos da área, nos remete à questão da potencialidade. Segundo Renzulli, uma criança com alta motivação a realizar um trabalho, ou a aprofundar um determinado tópico, técnica ou atividade, poderá se esforçar e vir a dominar, em algum momento, o conhecimento associado a esta área de interesse, mesmo que anteriormente não tenha demonstrado uma capacidade intelectual superior. Neste sentido, a persistência em atingir um determinado resultado, a autoconfi ança e a determinação podem colaborar para fazer desta criança um adulto produtivo (Renzulli, 1986b). É interessante notar que alguns adultos descobrem, às vezes mais tarde na vida, que possuem habilidades superiores em alguma área, como aconteceu com Charles Darwin e com o compositor Igor Stravinsky, que tiveram um desabrochar tardio (Winner, 1998). Neste mesma linha de pensamento, Gubbins (2005) lembra que o desenvolvimento do talento se dá em estágios, como pode ser visto na Figura 1. Para algumas pessoas estes talentos aparecem de maneira óbvia. É o caso da criança pré-escolar que já lê e entende textos de maior complexidade, ou que manifesta grandes habilidades para resolver problemas em matemática ou para criar músicas originais. No entanto, outras crianças podem apresentar habilidades ou talentos em estágios iniciais de emergência, precisando então de atenção especial e encorajamento para que possa atingir plenamente os requisitos necessários para a emergência destas capacidades. E ainda há aqueles talentos e capacidades que podem estar em estágio latente devido aos níveis de desenvolvimento ou pela falta de experiências e da devida exposição aos domínios. Por outro lado, a falta de incentivo, de experiências de aprendizagem ou de vida enriquecedoras, a falta de reconhecimento das capacidades e potencialidades de uma criança, poderão, por sua vez, concorrer para o desuso destas habilidades e sua conseqüente estagnação (Galbraith & Delisle, 1996). Renzulli acredita que, para serem produtores de conhecimento (e não meramente consumidores de conhecimento), nossos alunos devem ter a oportunidade de desenvolver materiais e produtos originais, como aprendizes em primeira-mão. Neste sentido, os alunos devem ter a oportunidade de trabalhar em problemas que têm alguma relevância para eles e que são considerados desafiadores e interessantes, e de poderem pensar, sentir e agir como o profissional da área em que seu interesse se manifestou (Renzulli, 1986a, 1986c). Além disso, lembra este autor que: As pessoas que marcaram a história por suas contribuições ao conhecimento e à cultura não são lembradas pelas notas que obtiveram na escola ou pela quantidade de informações que conseguiam memorizar, mas sim pela qualidade de suas produções criativas, expressas em concertos, ensaios, filmes, descobertas científicas, etc. (Renzulli & Reis, 1985, p. 5). O Quadro 4 ilustra bem esta concepção (Galbraith & Delisle, 1996, p. 12): QUADRO 3: O QUE NOS MOSTRA A HISTÓRIA? O professor de música de Beethoven uma vez disse que, como compositor, ele era “sem esperança”. Isaac Newton - que descobriu o cálculo, desenvolveu a teoria da gravitação universal, originou as três leis do movimento - tirava notas baixas na escola. Albert Einstein tinha dificuldades de ler e soletrar e foi reprovado em matemática. John Kennedy recebia em seus boletins constantes observações de “baixo rendimento” e tinha dificuldades em soletrar. Walt Disney foi despedido pelo editor de um jornal porque ele “não tinha boas idéias e rabiscava demais” Dr. Robert Jarvick foi rejeitado por 15 escolas americanas de medicina. Ele inventou o coração artificial. Thomas Edison, que além da lâmpada elétrica inventou a locomotiva elétrica, o fonógrafo (que virou o gravador), o telégrafo e o projetor de cinema, foi um mau aluno, pouco assíduo e desinteressado. Saiu da escola e foi alfabetizado pela mãe. Como reconhecer uma criança superdotada? As características cognitivas, afetivas e sociais do superdotado Características cognitivas e afetivas do superdotado A literatura na área é abundante nas listagens de características das crianças superdotadas. Embora os autores difiram na forma com que abordam as altas habilidades/superdotação, algumas características são comuns a todos eles. Renzulli (2004b), por exemplo, chama a atenção para duas categorias amplas e distintas de habilidades superiores: a superdotação escolar e a superdotação criativo-produtiva. A superdotação escolar pode também ser chamada de “habilidade do teste ou da aprendizagem da lição”, pois é o tipo mais facilmente identificado pelos testes de QI para a entrada nos programas especiais. Como as habilidades medidas nos testes de QI são as mesmas exigidas nas situações de aprendizagem escolar, o aluno com alto QI também tira boas notas na escola. A ênfase neste tipo de habilidade recai sobre os processos de aprendizagem dedutiva, treinamento estruturado nos processos de pensamento, e aquisição, estoque e recuperação da informação. As crianças que apresentam a superdotação escolar tendem a apresentar as seguintes características (Renzulli & Reis, 1997a): Tira notas boas na escola Apresenta grande vocabulário Gosta de fazer perguntas Necessita pouca repetição do conteúdo escolar Aprende com rapidez Apresenta longos períodos de concentração Tem boa memória É perseverante Apresenta excelente raciocínio verbal e/ou numérico É um consumidor de conhecimento Lê por prazer Tende a agradar aos professores Gosta de livros técnicos/ profissionais Tendência a gostar do ambiente escolar Dentre suas características afetivo-emocionais deste grupo, Renzulli e Reis (1997a) destacam: O superdotado do tipo “escolar” tem necessidade de saber sempre mais e busca ativamente por novas aprendizagens. No entanto, pode estabelecer metas irrealisticamente altas para si mesmo (às vezes reforçadas pelos pais) e sofrer por medo de não atingir tais metas. Demonstra perseverança nas atividades motivadoras a ele Apresenta grande necessidade de estimulação mental Apresenta grande intensidade emocional Tem paixão em aprender Revela intenso perfeccionismo. Já a superdotação criativo-produtiva implica o desenvolvimento de materiais e produtos originais; aqui, a ênfase é colocada no uso e aplicação da informação – conteúdo – e processos de pensamento de forma integrada, indutiva, e orientada para os problemas reais. O aluno, nesta abordagem, é visto como um “aprendiz em primeira-mão”, no sentido de que ele trabalha nos problemas que têm relevância para ele e são considerados desafiadores. As crianças que apresentam a superdotação do tipo criativo-produtiva tendem a apresentar as seguintes características (Renzulli & Reis, 1997a): Não necessariamente apresenta QI superior Pensa por analogias É criativo e original Usa o humor Demonstra diversidade de interesses Gosta de fantasiar Gosta de brincar com as idéias Não liga para as convenções É inventivo, constrói novas estruturas É sensível a detalhes Procura novas formas de fazer as coisas É produtor de conhecimento Não gosta da rotina Encontra ordem no caos Renzulli e Reis (1997a) destacam neste grupo as seguintes características afetivas e emocionais: Investem uma quantidade significativa de energia emocional naquilo que fazem. Apresentam preocupação moral em idades precoces Necessitam de professores sensíveis aos seus intensos sentimentos de frustração, paixão, entusiasmo, raiva e desespero. Precisam do apoio dos adultos para persistir em suas tarefas ou para canalizar suas energias de forma mais eficiente. Frequentemente questionam regras/ autoridade Demonstram sensibilidade / empatia Demonstram autoconsciência Demonstram perceptividade (insight) Demonstram capacidade de reflexão Apresentam senso agudo de justiça Apresentam imaginação vívida Galbraith e Delisle (1996) apresentam uma lista de comportamentos para ajudar os professores a desenvolverem um olhar sensível para a identificação dos talentos e das altas habilidades em sala de aula. Lembram os autores que, para ser considerado superdotado, o aluno não precisa exibir todas estas características. Contudo, se o professor observa que alguns alunos exibem consistentemente muitos destes comportamentos, a possibilidades que eles apresentam altas habilidades é bastante forte. O Quadro 5 apresenta algumas características. Um maior detalhamento das características sociais, emocionais e cognitivas dos alunos com altas habilidades/superdotação será apresentado na próxima sessão. Necessidades sócio-emocionais Vários autores concordam que, em se tratando de crianças superdotadas, altos níveis de desenvolvimento cognitivo não necessariamente implicam em altos níveis de desenvolvimento afetivo (Clark, 1992; Neihart, Reis, Robinson & Moon, 2002; Silverman, 1993). Essas crianças são caracterizadas afetivamente por uma grande sensibilidade, proveniente da acumulação de uma quantidade maior de informações e emoções, captadas pela criança, do que ela pode absorver e processar. A informação emocional vem tanto de fora quanto de dentro da própria criança, a qual precisará aprender a aplicar suas capacidades cognitivas a este material, para que possa compreender seu mundo emocional. Um programa adequado deve dar oportunidades para que a criança tenha consciência dos seus aspectos emocionais, ajudandoa a aplicar suas habilidades verbais e de compreensão avançadas às suas experiências emocionais. A consciência social, que frequentemente aparece cedo no desenvolvimento destas crianças, torna-se uma oportunidade para se desenvolver nelas uma adequada estrutura de valores e de transformar valores em ações sociais. Quadro 5 - Formulário para a identificação da superdotação Reserve alguns minutos para listar os nomes dos alunos que venham primeiramente à sua mente quando você lê as descrições abaixo. Utilize esta lista como uma “associação livre” e de forma rápida. Não é necessário preencher todas as linhas. É provável que você encontre mais do que um aluno em cada descrição. 01 Aprende fácil e rapidamente 02 Original, imaginativo, criativo, não-convencional 03 Amplamente informado; informado em áreas não comuns 04 Pensa de forma incomum para resolver problemas 05 Persistente, independente, auto-direcionado (faz coisa sem que seja mandado) 06 Persuasivo, capaz de influenciar os outros 07 Mostra senso comum; pode não tolerar tolices 08 Inquisitivo, cético, curioso sobre o como e porque das coisas 09 Adapta-se a uma variedade de situações e novos ambientes 10 Esperto ao fazer coisas com materiais comuns 11 Habilidades nas artes (música, dança, desenho etc.) 12 Entende a importância da natureza (tempo, lua, sol, estrelas, solo, etc.) 13 Vocabulário excepcional, verbalmente fluente 14 Aprende facilmente novas línguas 15 Trabalhador independente, mostra iniciativa 16 Bom julgamento, lógico 17 Flexível, aberto 18 Versátil, muitos interesses, interesses além da idade cronológica 19 Mostra insights e percepções incomuns 20 Demonstra alto nível de sensibilidade, empatia com relação aos outros 21 Apresenta excelente senso de humor 22 Resiste à rotina e repetição 23 Expressa idéias e reações, freqüentemente de forma argumentativa 24 Sensível à verdade e à honra Fonte: Galbraith e Delisle (1996, p. 14) Galbraith e Delisle (2002, p.53) reconhecem que algumas características apresentadas por estes meninos e meninas podem dificultar o reconhecimento das características e a identificação da superdotação, e chamam a atenção para os seguintes perfis: (a) Alunos que ficam facilmente cansados e entediados com o trabalho rotineiro da sala de aula. Alguns podem reclamar freqüentemente em alto e bom som. Outros podem se conformar e nada dizer. (b) Alunos que podem trabalhar intensamente em uma área ou matéria, negligenciando o dever de casa e trabalho de sala de aula em outras áreas ou matérias. (c) Alunos que podem usar seu vocabulário avançado como retaliação contra aqueles não são tão bem-dotados verbalmente. (d) Alunos que podem ficar tão entusiasmado com uma área ou tópico de discussão que monopolizam a conversação, ou começam a ensinar o tópico, até mesmo para os professores. (e) Alunos que podem ficar inicialmente entusiasmados com uma área ou tópico de discussão, mas uma vez que o interesse é satisfeito, resistem em fazer trabalhos adicionais relacionados ao tópico ou a concluí-los. (f) Alunos que podem não gostar ou se ressentir de ter que trabalhar com colegas que não apresentam habilidades igualmente superiores, podendo verbalizar ou apresentar sua insatisfação por meio de altos suspiros. (g) Alunos que possuem vasto conhecimento de muitos tópicos, e podem corrigir colegas e adultos quando percebem que estão dando informações incorretas. (h) Alunos que podem usar seu senso de humor avançado e sagacidade para intimidar, manipular e humilhar os outros. (i) Alunos que podem ser auto-confidentes e passionais sobre assuntos de cunho político, social ou moral e apresentar abertamente suas convicções, se distanciando dos colegas que não compartilham ou não ligam para esses assuntos. (j) Alunos que podem preferir trabalhar independentemente e se ressentir dos adultos que querem “colocá-los na linha”, fazendo-os seguir determinados procedimentos com os quais eles não concordam. Galbraith e Delisle (2002) argumentam ainda que alguns destes comportamentos negativos podem ser devidos às necessidades intelectuais e emocionais do superdotado que talvez não estejam sendo devidamente atendidas em casa ou na escola. Embora o comportamento arrogante não deva ser tolerado, e o desinteresse acadêmico não deva ser ignorado, é bom saber que a fonte destes problemas pode ser uma frustração intelectual, e não uma desordem emocional. Como trabalhar em sala de aula com as características típicas do superdotado Algumas características de personalidade são típicas de um grande número de crianças com altas habilidades na área acadêmica e são discutidas a seguir, conforme o ponto de vista de Silverman (1993), Galbraith e Delisle (2002) e Neihart, Reis, Robinson e Moon (2002) que também indicam formas de serem trabalhadas em dinâmicas de cunho terapêutico. Isto significa que, na falta de um psicólogo no atendimento, podem ser trabalhadas em sala de aula por professores e, talvez, até com a ajuda de estagiários de psicologia, observando o devido cuidado com o mundo interno da pessoa. Um professor sensível às características peculiares do superdotado pode reservar um momento em suas aulas para que a criança ou o jovem possam se expressar com mais liberdade, falar sobre suas dificuldades, temores e dúvidas. Muitas vezes, ao compartilhar suas emoções, o jovem percebe que elas são comuns aos outros colegas, e que cada um tem uma forma diferente de lidar com estas características e emoções. Falaremos nesta sessão de treze características principais, presentes em diferentes gradações no mundo emocional da pessoa superdotada, a saber: o perfeccionismo; a perceptividade; a necessidade de entender; a necessidade de estimulação mental; a necessidade de precisão e exatidão; o senso de humor; a sensibilidade e empatia; a intensidade; a perseverança; a autoconsciência; a nãoconformidade; o questionamento da autoridade; e a introversão (Conforme Silverman (1993), Galbraith e Delisle (2002) e Neihart, Reis, Robinson e Moon (2002). 1. PERFECCIONISMO Um fator de origem emocional que aparece bem descrito na literatura, ligado aos fatores sócio-emocionais da pessoa com altas habilidades, diz respeito ao comportamento perfeccionista. Diferindo da busca da excelência, que é um comportamento fundamentalmente positivo, o perfeccionismo (em geral descrito como neurótico) tende a enfatizar que o aluno não pode jamais falhar, seus atos têm sempre que obter aprovação, e que ele nunca pode chegar em segundo lugar. Todos estes adjetivos demonstram a força do pensamento do perfeccionista, que termina por ser prejudicial para sua autoestima, para os seus relacionamentos, criatividade, saúde e capacidade de gozar a vida. O perfeccionismo vem de um ideal abstrato que o indivíduo coloca para si mesmo, em função da sua facilidade em lidar com abstrações. A mente coloca altos padrões – às vezes impossíveis de serem alcançados – baseados em sua consciência e capacidade mental avançados, muitas vezes em descompasso com sua idade cronológica. Os pesquisadores mostram a necessidade de acompanhamento psicológico quando o indivíduo estabelece padrões absurdamente irrealistas para si mesmo, que em geral vem acompanhado de muita energia e carga extra de frustrações. É necessário que essa característica seja respeitada, ao mesmo tempo em que o indivíduo aprende a usá-la de forma produtiva em sua vida. 2. PERCEPTIVIDADE Uma habilidade de raciocínio excepcional faz com que o indivíduo seja mais perceptivo e tenha mais insigths (este termo é usualmente utilizado para evidenciar a perspicácia e discernimento do indivíduo, o que o permite encontrar novas respostas). São alunos que encontram novas formas de abordar um problema e chegam a diferentes soluções. É importante que o professor ressalte para os alunos com estas características que os insights e respostas encontradas de forma original devem ser colocados em prática, e não permanecerem meramente no terreno das idéias. Assim, a capacidade de insight do aluno deve ser utilizada também para o entendimento de si próprio, para a resolução de dificuldades e problemas que ele possa encontrar em suas atividades diárias, assim como em seu grupo. 3. NECESSIDADE DE ENTENDER A curiosidade intelectual do aluno é também um traço de personalidade que o leva à necessidade de entendimento e busca de conhecimento. A curiosidade é, em geral, observada pelos pais na criança desde tenra idade, que também relatam que o filho/ a apresenta um comportamento investigativo, faz perguntas perspicazes e penetrantes, e demonstra um comportamento persistente. A energia que se origina desta sede de saber vem, em seu componente psicológico, da necessidade premente de compreender o sentido do mundo e das coisas, de entender o mundo em que vive, de criar seu próprio mundo. Há uma necessidade de domínio em vários sentidos – domínio do mundo no sentido físico, intelectual e criativo. Essa natural curiosidade da criança ou jovem pode ser satisfeita em dinâmicas que levem o aluno a se perceber como sujeitos experimentais em uma pesquisa que ele próprio construiu. Assim, podem aprender a observar suas reações em diversas situações; tomar notas, manter um diário, fazer tabelas e estimar numericamente seus estados afetivos. Questões do tipo “O que aconteceria se...” também pode ajudá-los a perceber melhor suas ações e suas potenciais conseqüências, assim como outras atividades preparadas por ele próprio como intervenções auto-escolhidas. 4. NECESSIDADE DE ESTIMULAÇÃO MENTAL Características como aprendizagem rápida, memória prodigiosa e níveis avançados de desenvolvimento são observáveis desde tenra idade. Os pais costumam também relatar em seus filhos a rápida perda de interesse por estímulos familiares e preferência por novidade, além de grande necessidade de manter a estimulação mental. No entanto, a criança logo aprende que seu rápido ritmo de aprendizagem não é estimulado na escola, mantendo grande distância do ritmo apresentado por seus colegas com desenvolvimento moderado. O professor deve diferenciar o currículo para que estes alunos não percam o gosto pela escola; pode utilizar recursos como aceleração de série, projetos independentes, cursos avançados, oportunidades de enriquecimento escolar, compactação de currículo e outras formas de acompanhamento para manter a criança estimulada e desafiada em sala de aula. A memória prodigiosa destes alunos também implica em intensa memória afetiva. Isto implica que o aluno superdotado mantém uma vívida lembrança de cada fracasso e humilhação, revivendo estas experiências mesmo anos depois de terem ocorrido. Torna-se um desafio quebrar este ciclo que perpetua sentimentos de desamparo e ressentimento. Uma dinâmica útil envolve a dramatização em sala de aula, permitindo ao aluno experienciar a situação não como vítima, mas como alguém em controle dos próprios sentimentos, de posse de novas habilidades que poderão ser úteis em ocasiões similares no futuro. Alunos que necessitam de estimulação mental podem também se beneficiar de leituras na área, que o permitam compreender o seu próprio processo psicológico. 5. NECESSIDADE DE PRECISÃO E EXATIDÃO Processos complexos de pensamento imputam na criança imperativos lógicos; elas esperam que o mundo faça sentido e reagem fortemente quando isso não acontece. A habilidade de perceber múltiplas relações entre idéias, objetos e percepções, assim como a capacidade para argumentação tornam difícil o processo de tomada de decisão. O aluno sente-se compelido a corrigir erros (dele e dos outros), de chamar a atenção para os casos que refutam determinados argumentos. Contudo, a necessidade de precisão e exatidão não estimula as relações sociais, e em muitos casos o professor se vê corrigido em frente aos outros alunos. Acontece também do aluno muitas vezes não perceber a extensão de suas próprias críticas. Nestes casos, torna-se útil que ele participe de atividades para o desenvolvimento de habilidades sociais, e para a busca de saídas alternativas para este tipo de comportamento. É também fundamental para o aluno aprender a distinguir o material relevante do irrelevante dentre a massiva quantidade de informação que ele tem tendência de estocar, de forma a facilitar a tomada de decisões e partir para a ação. 6. SENSO DE HUMOR Tem sido observado por muitos pesquisadores que o aluno com altas habilidades responde e compreende várias formas de humor verbal a um nível mais sofisticado que seus colegas de mesma idade. Muitas vezes os alunos que possuem um bom senso de humor também percebem absurdos e incongruências nas situações, e por sua imaginação vívida, muitas vezes exageram os aspectos cômicos dos eventos. Entender a incongruência envolve também um processo mental semelhante ao utilizado para a resolução de problemas, sendo também um reflexo do nível de desenvolvimento da pessoa. O humor tem aspectos terapêuticos que devem ser utilizados sempre que possível para promover o relaxamento e a liberação de tensões, para a facilitação social, na liberação da ansiedade, na auto-expressão, para facilitar o desenvolvimento de insights e no auto-desenvolvimento na direção da auto-realização. 7. SENSIBILIDADE/ EMPATIA Quando as preocupações morais se fundem com a empatia, elas se transformam em compromisso moral, aspecto que tem sido observado em crianças superdotadas bem pequenas. Preocupação com outras formas de vida, tendência a se tornarem vegetarianas por crenças filosóficas, entendimento de assuntos morais desde tenra idade têm sido observados por pais. Algumas vezes os sentimentos de empatia e a sensibilidade aparecem de forma independente; por exemplo, uma criança extremamente sensível à crítica, que se sente magoada com facilidade, muitas vezes não tem consciência dos sentimentos dos outros. Ou ela pode demonstrar sentimentos de proteção com relação a crianças mais novas ou aos idosos e ainda demonstrar falta de preocupação com os sentimentos dos irmãos ou outras crianças de sua idade. Algumas crianças demonstram, contudo, desde muito cedo, enorme empatia com relação aos outros, a um grau que ultrapassa mesmo as preocupações do adulto, e são consideradas como “emocionalmente superdotadas” (Piechowski, 1997). 8. INTENSIDADE A paixão por aprender, por sua força emocional, é considerada uma poderosa força de propulsão para a superdotação. Uma característica da paixão por aprender é a maneira intensa com que a criança/jovem vai ao encalço de seus interesses. Há momentos em que a criança quer saber tudo sobre um determinado tópico e se torna totalmente voltada para ele, fazendo perguntas intermináveis, apreendendo uma grande quantidade de material, incapaz de pensar em nada mais, até que toda a sua energia seja gasta. Apenas quando ela finalmente satisfaz sua curiosidade é capaz de passar para outro tópico de interesse. Contudo, a escola tradicional não permite que a criança busque e esgote todos os seus interesses particulares sobre uma determinada matéria ou tópico; a estes alunos o material é apresentado em um ritmo tão vagaroso que ela tem dificuldade de permanecer atenta. Vários pesquisadores concordam que os projetos independentes deveriam fazer parte do ensino regular, de forma a nutrir e saciar a vontade destes alunos de aprender em maior profundidade. É necessário que o ambiente de aprendizagem possa ser revisto e reformulado, de forma a se tornar mais responsivo para o aluno. 9. PERSEVERANÇA Um traço bastante comentado na literatura sobre o superdotado relaciona-se com seu grande poder de concentração nas atividades que realmente prendam seu interesse. Longos períodos de atenção podem ser observados em idades precoces. A perseverança está relacionada ao período de atenção e à habilidade de se concentrar, assim como à tenacidade e força de vontade da criança, o que, em geral, aumenta com a maturidade. Algumas crianças são, por natureza, mais dirigidas a um propósito, enquanto outras perdem interesse no processo quando a meta se torna sem sentido. Em dinâmicas em sala de aula, é necessário que o professor dê apoio aos alunos para que mantenham suas metas, encorajandoos quando se sentem frustrados ou chegam a um impasse no seu progresso. É também válido torná-los conscientes de cada passo em relação ao sucesso, e do trabalho árduo que é, às vezes, requerido. 10. AUTOCONSCIÊNCIA Crianças com altas habilidades são, muitas vezes, pensadores analíticos (Sternberg, 1996), e com freqüência estão avaliando suas experiências, assim como pessoas, alimentos, música, experiência e assim por diante. Eles são capazes de separar as coisas na mente e ver todas as formas intrincadas pelas quais elas poderiam ser melhoradas, incluindo a si mesmas. A autoconsciência surge quando este intelecto incisivo e analítico é focalizado para o seu próprio interior. Há que se ter muito cuidado com estas características, uma vez que o indivíduo com uma aguda auto-consciência pode brutalizar ou violentar a si mesmo. O professor deve ajudar os alunos a apreciarem-se a si mesmos e a se conscientizarem de que, muitas vezes, as escolhas que fazemos em determinadas ocasiões podem ser a única escolha viável para aquela situação. Alunos que são pensadores analíticos às vezes se culpam por situações em que as conseqüências não foram preditas, e se auto-flagelam por isso. Uma técnica interessante é fazê-los visualizar as piores conseqüências possíveis para uma determinada situação causadora de ansiedade (por exemplo, a fantasia da catástrofe), depois visualizar as melhores conseqüências possíveis, e finalmente ajuntar as duas imagens em uma situação mais realística e provável de acontecer. Esta é uma boa técnica para ajudá-los a ver que a realidade nem sempre é tão ruim quanto tememos, nem tão boa quanto freqüentemente desejamos. 11. NÃO-CONFORMIDADE A criatividade é um traço freqüentemente notado entre as pessoas superdotadas, embora não se tenha estabelecido a complexa relação entre elas. Como os adultos, as crianças e jovens superdotados precisam de oportunidades para a expressão criativa; quando estas avenidas de oportunidade são bloqueadas, percebe-se um desvio para canais auto-destrutivos. A não-conformidade, com freqüência, aparece em conjunção com traços de pensamento divergente, o que causa problemas para professores e para os colegas. Uma dinâmica interessante constitui-se em descobrir se a fonte da não aquiescência às normas se encontra apoiada em padrões morais (e então a não conformidade deve ser enaltecida) ou baseada na insegurança e no desejo de provar alguma coisa para o grupo – neste caso, torna-se um fator para ser trabalhado em maior profundidade. 12. QUESTIONAMENTO DA AUTORIDADE Pais relatam que seus filhos aprendem muito cedo o significado da frase “isso não é justo”, e rapidamente percebem injustiças contra ele e os outros. Um agudo senso de justiça invariavelmente leva ao questionamento das regras e de figuras de autoridade. Quando a criança ou jovem percebe que a fonte da autoridade é ilógica, irracional, errônea ou injusta, termina por desenvolver um negativismo em relação à autoridade. O questionamento e a argüição são formas de exercício mental para os superdotados acadêmicos, que se engajam nisso por puro prazer, como um método de aprendizagem e para provar um ponto de vista – e muitas vezes saem ganhando. Muitos jovens com altas habilidades gostam de desempenhar o papel do “advogado do diabo” apenas pelo prazer de argumentar e de ouvir os argumentos da outra pessoa. É claro que, para refinar suas habilidades sociais, é necessário ter consciência de que este aspecto pode ser intimidador para outras pessoas, assim como ter uma melhor compreensão dos sentimentos dos outros e de suas reações às suas habilidades de argumentação. Também é interessante que o indivíduo raciocine sobre o conteúdo de sua argumentação, levando em conta o ponto de vista do bem para a maioria, e não apenas para a si mesmo. Indivíduos que precisam estar certos todo o tempo e ganhar em suas argumentações têm, em geral, baixa auto-estima, o que precisa ser trabalhado em conjunção com a família e a escola. 13. INTROVERSÃO A capacidade para reflexão é um traço freqüentemente observado em pessoas introvertidas. Em geral, nossa sociedade tende a dar menos suporte para as pessoas introvertidas e que precisam de tempo para refletir, do que para os extrovertidos. Há estudos indicando que, quanto maior o QI medido por testes psicométricos, maior é o grau de introversão (Silverman, 1993). Enquanto os extrovertidos retiram sua energia das pessoas e objetos fora de si próprios, o contrário acontece com os introvertidos, os quais buscam energia de dentro de si mesmos. Além disso, os introvertidos freqüentemente aprendem por observação; sentem-se inconfortáveis com mudanças; são leais a um pequeno grupo de amigos mais chegados; são capazes de intensa concentração; detestam ser o centro das atenções; necessitam privacidade; e sentem que suas energias são drenadas pelas pessoas. É também freqüente encontrar entre os introvertidos o uso de uma “máscara” para uso em situações públicas e sociais; a conseqüência disso é a necessidade de manter um comportamento perfeito na escola, guardando os sentimentos negativos para si mesmo, e depois despejando tudo na pessoa que eles mais confiam e se sentem protegidos – em geral a própria mãe. Mais do que tudo, os introvertidos precisam ser respeitados pelo que são. Pais e professores precisam aceitar a introversão como algo normal, ao invés de tentar fazer a criança se transformar em um extrovertido. As pessoas introvertidas raramente precisam de espaço para falar de si próprias e, ao contrário dos extrovertidos, não resolvem seus problemas através da verbalização. Ao buscar ajuda, os introvertidos se sentem melhor ouvindo conselhos e opiniões do outro, para assim, em um momento posterior, trabalhar consigo mesmo o que ouviu e processar esse conteúdo em suas divagações mentais. Estas várias características, quando tomadas juntas em suas interações, ajudam a indicar quando as crianças com altas habilidades precisam de aconselhamento psicológico, e como podem se beneficiar de dinâmicas em sala de aula. É necessário entender bem as características sócioemocionais deste grupo se quisermos ajudar as crianças e jovens superdotados a superarem suas dificuldades e se tornarem mais funcionais no contexto sócio-cultural em que vivem. Encorajando potencialidades Desenvolvendo a superdotação na teoria e na prática As altas habilidades/superdotação e a inteligência na teoria Nos primeiros anos do século XX a questão da inteligência como um traço único ou multifacetado foi bastante debatida. Nesta época, a inteligência era vista como um traço inato, global, que pouco mudava no decorrer do desenvolvimento. Entendia-se então que todos os indivíduos possuíam uma “inteligência geral”, conhecida como “fator g”, e que estaria presente em todas as tarefas intelectuais. Esta inteligência geral seria a grande responsável pela capacidade do indivíduo de perceber e aplicar relações lógicas nos mais diversos campos do conhecimento. O raciocínio que se seguiu, e que passou a ser observado e pesquisado no decorrer do século, seria de que, se a inteligência fosse geral e única, então uma criança inteligente deveria ter um bom desempenho em todas as tarefas intelectuais de um teste; por exemplo, na escola, ela deveria sair-se tão bem nos testes de matemática quanto no de português ou de ciências. Mas os estudiosos argumentaram que se, por outro lado, a inteligência fosse composta de vários fatores e habilidades independentes, a criança poderia ter um bom desempenho em algumas tarefas, mas não necessariamente em todas. Pesquisas deram apoio à segunda hipótese (Hetherington & Parke, 1999). Observa-se hoje que a inteligência é composta de muitos fatores e habilidades, o que faz com que uma criança possa ter um excelente desempenho em uma área e quase nenhum rendimento em outra. Esta conclusão é importante, pois, em geral, pais e professores têm grandes expectativas de que a criança se saia bem em todas as áreas e tenha boas notas em todas as matérias escolares, o que nem sempre acontece. Percebendo a inteligência como multifacetada e composta por vários fatores, podemos então entender que uma pessoa possa demonstrar domínio e conhecimento em uma área, a que chamamos de “área forte”, e ter suas dificuldades em outras áreas, denominadas de “áreas fracas”. Em conseqüência, vários pesquisadores se preocuparam com a questão da validade dos tradicionais testes de QI para medir a inteligência, quando se leva em consideração as habilidades de resolução de problemas, criatividade, competência social, ajustamento geral e sucesso no ambiente de trabalho. Robert Sternberg e Howard Gardner respondem diferencialmente a estas questões, que passaremos a examinar com um pouco mais de detalhe na sessão seguinte. Vamos também examinar o papel que a inteligência e a criatividade desempenham na superdotação. A TEORIATRIÁDICA DE INTELIGÊNCIA Preocupado com as questões mais gerais sobre o comportamento inteligente, o renomado pesquisador da Universidade de Yale, Robert Sternberg (1996a, 1996b, 1996c) desenvolveu a Teoria Triádica da Inteligência. Segundo este pesquisador, os testes de QI não são válidos para medir o tipo de inteligência exigida para o sucesso no mundo real, como por exemplo, para a carreira profissional de uma pessoa. Para Sternberg, o comportamento inteligente é muito amplo, não sendo passível de ser medido da forma tradicional. Ele argumenta que a pessoa pode ser inteligente de três formas: pelo uso de uma inteligência analítica; ou pelo uso de uma inteligência criativa; ou ainda pelo uso de uma inteligência prática. Vamos considerar cada uma dessas inteligências em relação à criança em seu percurso de desenvolvimento. A criança que se destaca por sua inteligência analítica é aquela que, em geral, o professor gosta de ter em sala de aula: academicamente brilhante, tira boas notas nos testes, aprende com facilidade e com pouca repetição, tem facilidade em analisar as idéias, pensamentos e teorias. Gosta de livros e muitas vezes aprende a ler sozinha ou com pouca instrução. A escola tradicionalmente reforça as habilidades analíticas de seus alunos, ao acentuar a memorização e reprodução dos conhecimentos, muitas vezes em detrimento da aplicação e do ensino de técnicas para o desenvolvimento do pensamento criador. Assim é que a pessoa essencialmente analítica muitas vezes carece de idéias novas e originais e pode ter dificuldade em um ambiente que exija respostas diferentes e incomuns. Já a criança que se destaca por suas habilidades de pensamento criativo apresenta, em geral, talentos e dificuldades opostos. A pessoa com inteligência criativa nem sempre tem as melhores notas e nem sempre se destaca na escola por suas habilidades acadêmicas. No entanto, demonstra grande imaginação e habilidade em gerar idéias interessantes e criatividade na forma de escrever ou falar e de demonstrar suas aptidões e competências. Essa criança tende a ter independência de pensamento e de idéias, a ver humor em situações que nem sempre os outros percebem como tal e são muitas vezes consideradas o “palhaço da turma”, A terceira forma de ser inteligente, conforme Sternberg, leva em consideração a facilidade da criança em se adaptar ao ambiente e desempenhar atividades que são adequadas para o desenvolvimento de uma tarefa. A criança demonstra inteligência prática e senso-comum, sendo capaz de chegar em qualquer ambiente, fazer um levantamento do que é necessário para atingir algum objetivo prático, e executar sua tarefa com precisão. À medida que ganha experiência de vida, a pessoa prática demonstra esta inteligência com mais intensidade, o que a permite lidar com as pessoas e conseguir que um determinado trabalho seja executado, percebendo o que funciona e o que não funciona. É a inteligência prática ou conhecimento tácito que, no contexto de vida prática, é responsável pela melhor adaptação da pessoa ao ambiente e para o sucesso no mundo real, principalmente no desempenho profissional. Desta forma, Sternberg ressalta que diferentes situações exigem diferentes tipos de inteligência. No mundo atual, conforme colocado no início deste livro, as habilidades que se exigem do aluno que ingressa no mundo de trabalho são o resultado dessas três formas de inteligência. Tomemos o exemplo de um professor. É desejável que, para o sucesso de sua profissão, o professor tenha bem memorizado os conhecimentos relacionados à disciplina que ensina; é também desejável que aplique técnicas instrucionais com criatividade e imaginação; além disso, a forma com que utiliza o currículo deve ser adaptada ao contexto da sua sala de aula, às necessidades individuais de seus alunos e às demandas sociais da sua população estudantil. Conclui Sternberg que os tradicionais testes de inteligência poderão ser bons preditores de sucesso do aluno na sua vida acadêmica, mas terão pouco impacto na predição do sucesso na vida prática e no ambiente de trabalho, que exigirão outras formas de inteligência não abarcadas pelos testes. Para serem justos para com a inteligência a ser medida, há necessidade do uso de outros tipos de testes, que não só os de lápis-e-papel, e que sejam mais amplos e flexíveis. Esta é uma das idéias tratadas na Teoria de Howard Gardner, que examinaremos a seguir. A TEORIA DAS INTELIGÊNCIASMÚLTIPLAS Gardner (1994; 1995; 1999; Ramos-Ford & Gardner, 1997), assim como Sternberg, entende que há múltiplos fatores na composição da inteligência. A Teoria das Inteligências Múltiplas propõe a inteligência como habilidades que permitem ao indivíduo resolver problemas ou criar produtos que são importantes num determinado ambiente cultural ou comunidade. Assim, ele ressalta dois importantes fatores: (a) a inteligência envolve criatividade, na medida em que ela é de fundamental importância para o desenvolvimento de produtos em uma sociedade ou para solucionar problemas que aparecem em um contexto; e (b) algumas inteligências são mais valorizadas em uma cultura do que em outra e, portanto, o indivíduo só pode ser considerado inteligente se o seu contexto for levado em consideração. Gardner procurou identificar quais as competências humanas seriam “candidatas” a serem denominadas de inteligência. Para isso, estudou as evidências de uma série de campos, incluindo o estudo da inteligência nos savants, autistas e crianças prodígios, em pessoas com lesões cerebrais e em culturas diferentes (Krechevsky, 2001). Como resultado desta investigação, Gardner propõe oito inteligências diferentes: a lingüística; a lógicomatemática; a espacial; a corpo-cinestésica; a musical; a naturalista; a interpessoal; a intrapessoal; e, recentemente (Gardner, 1999) anunciou seus estudos para incluir a inteligência espiritual, entendida como a preocupação com certos conteúdos cósmicos, a obtenção de certos estados de consciência e os profundos efeitos que certas pessoas, possuidoras destas capacidades, exercem sobre outros indivíduos (como o fizeram Buda, Madre Tereza de Calcutá, o Papa João XXIII, Confúcio e mesmo Cristo). Gardner acredita que as inteligências dependem de variáveis do contexto, da cultura, da genética e das oportunidades de aprendizagem de uma pessoa, o que faz com que os indivíduos manifestem suas competências em diferentes graus. Além disso, as habilidades e inteligências se combinam para que o indivíduo possa desempenhar os diversos papéis exigidos na sua cultura ou para desenvolver produtos culturais. Normalmente uma criança não apresenta apenas um tipo de inteligência; ela pode combinar muitas delas para desempenhar um determinado papel ou desenvolver algum produto. Pensando nos diversos estilos de aprendizagem que as crianças apresentam quando tendem a uma determinada inteligência de forma mais expressiva, Armstrong (2001) descreve as necessidades cognitivas específicas do aluno para o melhor desenvolvimento em sala de aula (ver Quadro 6). Este conhecimento é importante para subsidiar a instrução em sala de aula, de forma que a maior parte da aprendizagem na escola possa ocorrer através dos tipos de inteligências preferidas por eles. Além disso, lembra Armstrong que a maioria dos alunos apresenta áreas fortes em vários domínios, de modo que o professor deve evitar categorizar a criança em apenas uma inteligência. QUADRO 6: ASMÚLTIPLAS INTELIGÊNCIAS NA PRÁTICA ESCOLAR 55 INTELIGÊNCIA LINGÜÍSTICA: capacidade para pensar com palavras; usar a linguagem para expressar e avaliar significados complexos, quer oralmente (como o faz o contador de histórias, o orador ou o político), quer por escrito (como o poeta, o dramaturgo, o editor e o jornalista). Inclui a manipulação da sintaxe ou estrutura da linguagem, a semântica ou os significados da linguagem, e os usos práticos da linguagem, como a retórica – usar a linguagem para convencer os outros; a meneumônica – usar a linguagem para lembrar informações; a explicação – usar a linguagem para informar; e a metalinguagem – usar a linguagem para falar sobre ela mesma. CRIANÇAS QUE SÃO EXTREMAMENTE Lingüísticas PENSAM em palavras ADORAM Ler, escrever, contar histórias, fazer jogos de palavras PRECISAM DE Livros, fitas, materiais para escrever, papéis, diários, diálogos, discussões, debates, histórias INTELIGÊNCIA LÓGICO-MATEMÁTICA: possibilita usar e avaliar relações abstratas, calcular, quantificar, considerar proposições e hipóteses e realizar operações matemáticas complexas (como o fazem os matemáticos, os analistas financeiros, contadores, engenheiros), para raciocinar bem (como os programadores de computador e cientistas). Inclui a sensibilidade a padrões de relacionamentos lógicos, funções, afirmações e proposições (causa-e-efeito; se... então), entre outras abstrações. Inclui processos como a categorização, classificação, inferência, generalização, cálculo e testagem de hipóteses. CRIANÇAS QUE SÃO EXTREMAMENTE Lógico-matemáticas PENSAM raciocinando ADORAM Experimentar, questionar, resolver problemas lógicos, calcular PRECISAM DE Coisas para explorar e pensar, materiais científicos, manipulativos, visitas ao planetário e ao museu de ciências INTELIGÊNCIA ESPACIAL: capacidade de perceber informações visuais ou espaciais (como o caçador e o guia), pensar de maneiras tridimensionais levando em consideração a relação entre cor, forma, linha, configuração e espaço (como o faz os pintores, arquitetos e escultores), transformar e modificar essas informações, e recriar imagens mesmo sem referência a um estímulo físico original (como os navegadores e jogadores de xadrez). Não depende da sensação visual (cegos a utilizam). CRIANÇAS QUE SÃO EXTREMAMENTE Espaciais PENSAM por imagens e figuras ADORAM Planejar, desenhar, visualizar, rabiscar PRECISAM DE Arte, LEGOs, vídeos, filmes, slides, jogos de imaginação, labirintos, quebra-cabeças, livros ilustrados, visitas a museus de arte INTELIGÊNCIA CORPORAL-CINESTÉSICA: envolve o uso de todo o corpo ou partes do corpo para resolver problemas, criar produtos, expressar idéias e sentimentos (por exemplo, como o faz o ator, o mímico, o atleta e o dançarino). Inclui a coordenação entre sistemas neurais, musculares e perceptuais, permitindo a manipulação de objetos CRIANÇAS QUE SÃO EXTREMAMENTE Corporal cinestésicas PENSAM por sensações somáticas ADORAM Dançar, correr, pular, construir, tocar, PRECISAM DE Dramatização, teatro, movimento, coisas para construir, esportes e jogos de movimento, experiências táteis, aprendizagem prática QUADRO 7: ASMÚLTIPLAS INTELIGÊNCIAS NA PRÁTICA ESCOLAR INTELIGÊNCIAMUSICAL: permite às pessoas criar, comunicar e compreender significados compostos por sons. Inclui: capacidade para o canto, melodia, tom, ritmo e timbre. Inclui a capacidade de perceber (como os aficionados por música e ouvintes sensíveis), discriminar (como os críticos musicais, os peritos em acústica, engenheiros de áudio, os fabricantes de instrumentos), transformar (como os compositores) e expressar (como os musicistas, instrumentistas e maestros) CRIANÇAS QUE SÃO EXTREMAMENTE Musicais PENSAM por ritmos e melodias ADORAM Cantar, assobiar, cantarolar, batucar com as mãos e os pé, escutar PRECISAM DE Tempo para cantar, idas a concertos, tocar música em casa e na escola, instrumentos INTELIGÊNCIA INTERPESSOAL: é a capacidade de compreender as outras pessoas e interagir efetivamente com elas. Emprega capacidades centrais para reconhecer, compreender e fazer distinções entre sentimentos, crenças e intenções dos outros, agir em função delas e moldá-las para seus objetivos. Presente em terapeutas, pais e professores bem-sucedidos, doadores, atores e políticos. CRIANÇAS QUE SÃO EXTREMAMENTE Interpessoais PENSAM percebendo o que os outros pensam ADORAM Liderar, organizar, relacionar-se, manipular, mediar, fazer festa PRECISAM DE Amigos, jogos de grupo, reuniões sociais, eventos comunitários, clubes, mentores/aprendizados INTELIGÊNCIA INTRAPESSOAL: CRIANÇAS QUE SÃO EXTREMAMENTE Intrapessoais PENSAM em relação às suas necessidades, sentimentos e objetivos ADORAM Estabelecer objetivos, meditar, sonhar, planejar, refletir PRECISAM DE Lugares secretos, tempo sozinhas, projetos e escolhas no seu ritmo pessoal INTELIGÊNCIANATURALÍSTICA: capacidade de reconhecer e classificar os sistemas naturais, como a flora e fauna, assim como os sistemas criados pelo homem, reconhecendo padrões em um estímulo. Por exemplo, reconhecer problemas de mecânica em um carro pelo seu barulho, detectar um novo padrão em um experimento científico, o discernimento de um estilo artístico, a distinção de membros entre espécies etc. Alguns indivíduos com forte inteligência naturalista são fazendeiros, botânicos, caçadores, ecologista e paisagistas. CRIANÇAS QUE SÃO EXTREMAMENTE Naturalistas PENSAM por meio da natureza e das formas naturais ADORAM Brincar com animais de estimação, cuidar do jardim, investigar a natureza, criar animais, cuidar do planeta Terra PRECISAM DE Acesso à natureza, oportunidade para interagir com animais, instrumentos para investigar a natureza (como lupas e binóculos) Fonte: Armstrong (2001), p. 38 Superdotação na prática: identificação do aluno A principal meta na identificação de alunos superdotados, conforme já discutido neste volume, é a localização de potenciais que não estão sendo suficientemente desenvolvidos ou desafiados pelo ensino regular. Hany (1993) ressalta que os indicadores e instrumentos de medidas usados para a identificação devem refletir o conceito de superdotação adotado, os tipos de talentos ou habilidades a serem identificados, e ainda os conteúdos e objetivos propostos pelo programa. Uma vez que os objetivos do programa estejam definidos, passa-se à cuidadosa seleção e identificação dos alunos que comporão o “Pool de Talentos” (Renzulli & Reis, 1997a), ou seja, o grupo de alunos que poderão participar do programa proposto. Para isso, é necessária uma cuidadosa seleção dos instrumentos de identificação, que devem estar de acordo com os tipos de habilidades que serão atendidas. Por exemplo, se o programa utiliza a definição brasileira de 1994, e pretende atender a todas as áreas citadas, deverá então oferecer instrumentos adequados para a identificação do talento em artes visuais, cênicas, música, esportes, criatividade e liderança, além do talento acadêmico. A identificação deve iniciar de forma que inclua tantos alunos quanto for possível, garantindo o direito dos que se qualificam para o serviço especial. É importante que a admissão ao programa seja supervisionada por um grupo multidisciplinar de especialistas, que possam discutir os casos individualmente à luz dos dados coletados sobre cada aluno. Para isso, se torna essencial utilizar diferentes tipos de informação, de forma a não se correr o risco de excluir alunos que teriam o potencial para se beneficiar do programa – por exemplo, alunos membros de grupos minoritários, alunos de baixa renda, de outras culturas, com problemas de aprendizagem e as meninas. O processo de identificação pressupõe também uma avaliação periódica, a fim de se verificar se os critérios para admissão ao programa foram adequados para se atingir os objetivos planejados. Um ponto importante a considerar é que a identificação deve ser vista como um processo contínuo, permitindo o ingresso da criança ao programa à medida que suas habilidades emergem e se desenvolvem; e deve preferencialmente apontar os pontos fortes, aptidões e talentos de cada uma, em detrimento de suas fraquezas e incapacidades, como tradicionalmente se tem feito nas escolas. No movimento atual de uma educação inclusiva, torna-se essencial entendermos que todo aluno tem direito a um ambiente educacional flexível e responsivo, adaptado ao seu nível e ritmo de aprendizagem, que permita certo nível de escolha de tópicos do seu interesse e que promova a excelência no estudo. Neste sentido, esforços devem ser feitos para permitir mudanças no currículo oferecido para estes alunos ainda na escola regular. Dutra (2004) afirma que: As políticas dos sistemas de ensino devem prever a eliminação das barreiras à educação dos alunos com necessidades educacionais especiais, promovendo a participação a partir de novas relações entre os alunos, fundamentais para uma socialização humanizadora; de novas relações pedagógicas centradas nos modos de aprender das diferentes crianças e jovens; e de relações sociais, que valorizam a diversidade em todas as atividades, espaços e formas de convivência e trabalho. (p.9) Um dos programas bem sucedidos no exterior que contempla esta possibilidade é o Modelo de Enriquecimento Escolar (The Schoolwide Enrichment Model – SEM), resultante do trabalho pioneiro do Dr. Joseph Renzulli, em meados da década de 70, validado por mais de vinte anos de pesquisas empíricas (Renzulli & Reis, 2000). Renzulli acredita que é tarefa da escola estimular o desenvolvimento do talento criador e da inteligência em todos os seus alunos, e não só naqueles que possuem um alto QI ou que tiram as melhores notas; desenvolver comportamentos superdotados em todos aqueles que têm potencial; e desenvolver uma grande variedade de alternativas ou opções para atender as necessidades de todos os estudantes. Assumindo que experiências de enriquecimento escolar poderão acontecer tanto na sala de recursos quanto na sala de aula regular, este Modelo considera que, potencialmente, todos os alunos do Pool de Talentos são considerados membros do programa, mesmo nos momentos em que não estão tendo experiências de enriquecimento em nível mais avançado na sala de recursos (Renzulli, Reis & Smith, 1981) (Uma descrição mais completa deste modelo foi descrita em Virgolim, A. M. R. (1998, outubro). Uma proposta para o desenvolvimento da criatividade na escola, segundo o modelo de Joseph Renzulli. Cadernos de Psicologia, 4, (1), 97-111). Se um aluno selecionado para fazer parte do Pool de Talentos exibe comportamentos de superdotação (ou seja, habilidade superior em alguma área, envolvimento com a tarefa e criatividade) em relação a uma área particular ou tópico de estudo, ele poderá, por algum tempo, desenvolver este interesse ou tópico com maior profundidade sob a supervisão de um professor na sala de recursos. O aluno continua a freqüentar a sala de recursos até que seu projeto seja completado; depois deste tempo ele pode ou não continuar no atendimento, dependendo basicamente de duas condições: (a) de continuar demonstrando alto nível de envolvimento e criatividade para continuar a desenvolver pesquisas mais avançadas na área de interesse; (b) da avaliação da equipe diagnóstica e dos professores envolvidos, que deve apontar para a continuidade dos ganhos para o aluno de sua permanência na sala de recursos. No entanto, os autores do modelo deixam claro que este é um processo flexível, que busca a dar acesso a mais alunos ao programa, e que deve estar em consonância com as necessidades percebidas pelos professores na sala de aula regular. RECOMENDAÇÕES Yewchuk e Lupart (1993) recomendam que a identificação dos alunos para o atendimento especializado seja feita em dois estágios. No primeiro estágio devem ser feitas entrevistas e testes para identificar o grau de inteligência, criatividade, nível de desempenho acadêmico e autoconceito do aluno, e entrevistados o professor e os pais a respeito das características e áreas de interesse do aluno. Em um segundo estágio, o aluno é convidado para uma entrevista de longa duração, durante a qual ele realiza algumas atividades acadêmicas e todo o material escolar significativo é também examinado. Procura-se observar ainda como ele organiza, desenvolve ou lida com tarefas acadêmicas, identificando também seu estilo cognitivo pessoal de aprender e sua auto-percepção como aprendiz. Com base nos dois estágios, devese delinear um programa específico para o aluno, onde suas áreas fortes serão reforçadas e as fracas trabalhadas, com o auxílio dos pais e professores. Seja como for procedida a identificação dos alunos com altas habilidades, é de especial importância compreender que o fracasso em identificar corretamente e atender as necessidades especiais desta população pode colocar o aluno em risco de fracasso escolar e comprometer seriamente seu desenvolvimento sócio-emocional, impedindo-o de realizar plenamente o seu potencial (Neihart, Reis, Robinson & Moon, 2002). Há muitas estratégias para se identificar o aluno com altas habilidades/superdotação. A atitude mais recomendável entre os especialistas é a inclusão de múltiplas formas de avaliação, buscando dados sobre os talentos e capacidades de alunos tanto em testes formais quanto em procedimentos informais e de observação. Até recentemente, os testes de inteligência exerceram grande influência na cultura ocidental com relação à inteligência e superdotação. Embora tenham sido, durante da evolução da história contemporânea, alvo de várias críticas importantes, sua importância não pode ser desconsiderada. Um destes aspectos a ser ressaltado é o estabelecimento de métodos científicos para o estudo das diferenças intelectuais, notadamente no estudo das habilidades superiores. As modernas teorias da inteligência não percebem que a habilidade superior possa ser medida apenas por testes psicométricos, como veremos logo a seguir. Assim, quando incluímos outros aspectos à avaliação de superdotados, como por exemplo, liderança, criatividade, competências psicomotoras e artísticas, as estatísticas sobre altas habilidades aumentam significativamente, chegando a abarcar uma porcentagem de 15 a 30% da população (Renzulli, 2004b). Torna-se aqui crítico lembrar a necessidade de se usar técnicas mais apuradas de identificação, instrumentos mais amplos e precisos de diagnóstico e bons programas de desenvolvimento e estimulação do potencial destas crianças, para que possamos estabelecer políticas de aproveitamento de talentos e competências em nosso país (Virgolim, 1998). É o que se propõe ao utilizar formas alternativas de identificação, ressaltadas nos itens a seguir. QUADRO 5: HABILIDADES CRIATIVAS Fluência: Habilidade de produzir muitas idéias em resposta a um problema, seja de forma verbal ou não-verbal (por exemplo, matemática, musical, etc.) Flexibilidade: Habilidade de abordar um problema sob diferentes abordagens, pensar as idéias sob diferentes categorias, ou ver uma situação sob diferentes perspectivas. Originalidade: Raridade estatística de uma resposta, unicidade, não-conformidade em pensamento e ação. Elaboração: Importante habilidade de adicionar detalhes a uma idéia, o que inclui o desenvolvimento, o embelezamento e a implementação de uma idéia. Definição do problema: Importante capacidade que inclui as habilidades de: (a) identificar o “verdadeiro” problema; (b) isolar os importantes aspectos de um problema; (c) clarificar e simplificar um problema; (d) identificar sub-problemas; (e) propor definições alternativas ao problema; e (f) definir amplamente o problema. Visualização: Habilidade de fantasiar e imaginar, ver o mundo com “os olhos da mente” e manipular imagens e idéias mentalmente. Pensamento analógico: Habilidade de pegar emprestadas idéias de um contexto e usá-las em outro contexto. Ou a habilidade de pegar emprestada a solução para um problema e transferi-la para outro problema. Avaliação: Importante habilidade de separar considerações relevantes das irrelevantes; de pensar criticamente; de avaliar a adequação de uma idéia, produto ou solução de problema. Análise: Habilidade de analisar detalhes, e analisar o todo a partir das suas partes. Síntese: Habilidade de ver relações, e combinar partes em um todo a ser trabalhado, talvez de forma criativama criativa. Transformação: Inclui a habilidade de dar novo uso a algo, “ver” novos significados, implicações e aplicações, ou mudar criativamente um objeto ou idéia. Extensão dos limites: Habilidade de ir além do que é usual, de ver os objetos de novas maneiras. Intuição: Habilidade de ter percepções “intuitivas”, ou ver relações com base em pouca ou insuficiente informação; habilidade de “ler nas entrelinhas”. Predizer resultados: Habilidade de antecipar os resultados de diferentes alternativas ou soluções. Resistência ao fechamento prematuro: Outra importante habilidade, percebida como adiamento do julgamento e não pular na primeira idéia que aparece. Concentração: Habilidade de focalizar um problema, e não se deixar levar por distrações. Pensamento lógico: Habilidade de separar o relevante do irrelevante, de deduzir e chegar a conclusões razoáveis. (1)Nomeação por professores Professores encontram-se em uma posição mais confortável para recomendar aqueles alunos que demonstram outras características que não aquelas tradicionalmente acessadas por testes de inteligência – por exemplo, criatividade, liderança, aptidão para esportes, para artes cênicas, visuais e música. Segundo Davis e Rimm (1994), essa nomeação pode ser uma indicação informal dos alunos que o professor acha que poderia se beneficiar do programa; ou pode ser formal, constante de escalas, questionários e listas de características. Uma dessas escalas, que fornece uma fonte sistemática de informação sobre o estudante (Neste sentido, indica-se também os Indicadores para Observação (Guenther, Z. C. (2000). Desenvolver capacidades e talentos: Um conceito de inclusão. Petrópolis, RJ: Vozes) é a Escala para Avaliação das Características Comportamentais dos Alunos com Habilidades Superiores – SCRBSS, publicada originalmente por Renzulli, Smith, White, Callahan e Hartman (1976). O propósito desta escala é o de ajudar o professor em sala de aula a avaliar as características comportamentais de seus alunos nas áreas de criatividade, liderança, motivação, aprendizagem, artes cênicas e plásticas, música, planejamento e comunicação (expressão e precisão). Os itens dessa escala permitem levantar informações sobre as áreas fortes ou de destaque do estudante, possibilitando o desenvolvimento de atividades mais adequadas para o estímulo do seu potencial (Renzulli, Hartman & Callahan, 1971). Feldhusen e Jarwan (2000) salientam que a precisão dos julgamentos de professores na identificação de alunos superdotados pode ser aumentada através de treinamento apropriado, incluindo esclarecimentos sobre o processo de identificação, discussão dos objetivos dos programas especiais e procedimentos utilizados. (2) Indicadores de criatividade Os indicadores do pensamento criativo do aluno, assim como testes formais de criatividade podem ser úteis para ajudar o professor a identificar tanto aqueles alunos cuja criatividade é aparente, quanto aqueles cujos talentos únicos e originais podem não estar visíveis na sala de aula. Estudiosos do assunto, como Guilford (1950), que já nos meados do século XX chamava a atenção para a importância da criatividade em realizações notáveis, destacam que a criatividade é uma habilidade universal que precisa ser reconhecida e desenvolvida. Resultados de pesquisas atuais (Virgolim, 2005), apontam para o fato de que nem sempre a pessoa mais inteligente é aquela que apresenta as respostas mais originais; da mesma forma, nem sempre a pessoa mais criativa é a mais inteligente entre seus pares. Sabemos também que as habilidades necessárias para se resolver problemas de forma lógica e analítica nem sempre são as mesmas para se resolver problemas de forma criativa, o que faz com que a criatividade seja tão desejável e importante de ser desenvolvida no ambiente escolar quanto a inteligência. No entanto, nota-se que, em sala de aula os professores tendem a tratar diferencialmente os alunos inteligentes e os criativos, muitas vezes colocando o grupo mais criativo em desvantagem com relação ao grupo mais inteligente, mesmo quando ambos tiram boas notas (Starko, 1995). Embora seja curioso e imaginativo, com inclinação para brincar com idéias e dar respostas bem humoradas e diferentes do usual, o estudante criativo muitas vezes é percebido como o palhaço da turma, crítico de si mesmo e dos colegas, sarcástico, bagunceiro, não-conformista, desrespeitoso para com as figuras de autoridade e para com as tradições (Clark, 1992). Muita atenção deve ser dada à identificação do aluno altamente criativo. Segundo Butler-Por (1993), este aluno encontra-se em risco de fracasso escolar, pois pode encontrar relutância em seu ambiente para aceitar seu pensamento divergente e inconformismo, geralmente fonte de tensão e conflito com seus pais e professores. Segundo Davis e Rimm (1994), as pessoas criativas: (a) usam o conhecimento existente como base para novas idéias; (b) evitam formas rígidas de pensar; (c) constroem novas estruturas ao invés de usar as estruturas existentes; (d) estão alertas para a novidade e lacunas no conhecimento; (e) encontram ordem no caos; (f ) preferem comunicação não-verbal; e (g) são flexíveis e habilidosas na tomada de decisões. Estes autores apresentam uma interessante lista de habilidades que contribuem para o potencial criativo, e que podem ser reconhecidas na sala de aula. Algumas delas estão reproduzidas no quadro a seguir: Conforme lembra Treffinger (1986), o grande potencial dos testes de criatividade e das observações sistemáticas sobre o comportamento criativo do estudante é o de se ter um amplo conhecimento do perfil do aluno, de forma a guiar a aplicação de planos instrucionais mais adequados às suas características e necessidades individuais. (3)Nomeação por pais Ninguém conhece melhor os filhos do que seus pais. Os pais estão em posição vantajosa para oferecer uma visão ampla sobre o desenvolvimento peculiar dos filhos, incluindo interesses e habilidades precocemente desenvolvidas. Davis e Rimm (1994) sugerem que os professores façam um formulário simples para que os pais possam informar: (a) os interesses especiais e passatempos dos filhos; (b) livros que a criança leu ou se interessou recentemente; (c) realizações incomuns, tanto atuais quanto de anos anteriores; (d) talentos especiais; (e) oportunidades especiais apresentadas à criança; (f) atividades preferidas quando está sozinha; (g) relacionamento com os outros; e (h) problemas ou necessidades especiais. Cautela, no entanto, é aconselhável, no sentido de que nem todos os pais acompanham adequadamente o desenvolvimento dos filhos, ou percebem os aspectos peculiares da criança precoce ou talentosa. Além disso, alguns pais superestimam as habilidades dos filhos, enquanto outros as subestimam. (4) Nomeação por colegas A composição de um Pool de Talentos é também favorecida quando se utilizam indicações feitas pelos colegas. Os colegas conhecem bem uns aos outros e são especialmente úteis na indicação de talentos entre alunos culturalmente diferentes, que possuem alguma deficiência ou provenientes de grupos minoritários. Davis e Rimm (1994) sugerem três tipos de abordagens que podem ser utilizadas pelos professores em pequenos questionários: Pela abordagem direta, o professor faz pergunta diretas aos alunos sobre as habilidades dos colegas – por exemplo “Quem é o aluno mais esperto na classe?” “Quem tem a melhor memória?” “Quem tem as idéias mais criativas e diferentes?” Na abordagem disfarçada, o professor pode pedir aos alunos que se imaginem numa ilha isolada e indiquem quem entre eles, é o melhor organizador (líder, consegue que os outros façam as coisas), artista (faz coisas bonitas ou inventa boas histórias), inventor (inventa, descobre, faz as coisas ficarem melhores), juiz (ajuda a selecionar argumentos) ou o que melhor entretém os outros (diverte, faz piadas, canta). Uma variação é pedir á criança para imaginar que um extraterrestre veio à Terra para visitar sua sala de aula. Pergunta-se aos alunos: “Quem provavelmente fará as perguntas mais incomuns e diferentes aos extraterrestres?” “Quem provavelmente se lembrará da maioria dos detalhes sobre a visita dos extraterrestres?” O terceiro tipo de abordagem tem o formato de jogos. Nesta abordagem, o professor pode propor o seguinte jogo: “Estou pensando em um aluno desta sala que tem uma ótima memória. Quem você acha que é?” “Estou pensando em um dos seus colegas que sempre aparece com idéias diferentes. Quem você acha que deve ser?” Para evitar que os alunos indiquem apenas seus amigos, instruções diretas podem ser dadas: “Escolha alguém que você acha que é melhor opção, e não apenas aqueles que são seus amigos”. Eles também devem saber que podem indicar a mesma pessoa tantas vezes quanto desejar, em diversas categorias, e que suas respostas serão mantidas confidenciais. (5) Auto-nomeação No ambiente escolar pode acontecer de um aluno apresentar fortes características em uma área – artística, criativa, científica – e não ser indicado para fazer parte do programa para as altas habilidades. O professor pode não ter notado seus talentos ou sua grande motivação em um determinado aspecto. A auto-nomeação pode ser um instrumento útil para facilitar essa indicação. Uma forma simples é a de pedir aos alunos que “indiquem a(s) área(s) nas quais você tenha habilidades ou talentos especiais, e diga porque você acha que tem habilidades ou talentos especiais nestas áreas”. As áreas a serem indicadas podem ser disciplinas escolares específicas (português, matemática, ciências, história, geografia, artes plásticas, teatro, música, línguas etc.), além de criatividade, liderança, esportes e habilidade intelectual geral. (6) Nomeações especiais O Pool de Talentos deve permitir também a entrada de alunos que tenham se destacado em anos anteriores, mas que por problemas emocionais, pessoais, ou motivacionais possam estar, no momento, desenvolvendo um padrão de baixo rendimento escolar. Esta forma de nomeação é interessante, pois às vezes um professor consegue obter, em algum momento da vida escolar do aluno, um alto desempenho em matérias escolares específicas; no entanto, se tais oportunidades não se repetirem em anos posteriores, o aluno pode não vir a ter outra chance de demonstrar as suas habilidades ou interesses, perdendo uma valiosa oportunidade de trabalhar com mais profundidade suas áreas fortes. Assim, é recomendável que a equipe responsável pela seleção de alunos busque informações sobre o aluno com seus professores de anos anteriores, sempre que isso for possível. (7) Avaliação de produtos Uma excelente forma de avaliar talentos nas áreas artística, criativa e científica é simplesmente observando a qualidade da produção dos alunos nestas áreas específicas. Professores especializados em cada área estão em posição privilegiada para avaliar produções específicas como poesias, projetos de ciências, eletrônica ou de computação, passatempos diferentes, talento para o teatro, fotografia, e assim por diante. Os produtos devem refletir alta criatividade, habilidades de pensamento científico ou criador, habilidades na escrita, talento para análise e síntese ou outros aspectos que podem se aplicar ao produto em questão. O Departamento de Educação do Estado de Michigan (descrito em Davis e Rimm, 1994, p. 97) utiliza uma escala de 5-pontos, variando de “em uma grande extensão” para “em uma extensão limitada” para avaliar, de forma um pouco mais formal, um produto específico do aluno. A Escala propõe as seguintes questões ao professor: (a) Em que extensão este produto representa um manejo aprofundado ou em nível superior do assunto? (b) Em que extensão este produto tem um nível de qualidade além do que se pode esperar de um aluno desta idade? (c) Em que extensão o produto indica uma grande preocupação com detalhes? (d) Em que extensão a idéia central/concepção do produto está além do que um aluno desta idade geralmente propõe? (e) Em que extensão é um produto de excelência? (f) Liste alguns dos critérios que você utilizou para avaliar a excelência deste produto. (8) Escalas de características e listas de observação As escalas e listas de características são amplamente utilizadas em conjunção com as indicações de professores, colegas, pais, do próprio aluno e avaliação do produto. Já comentamos sobre a Escala de Características proposta por Renzulli e colaboradores na sessão sobre nomeações dos professores. Guenther (2006) propõe uma lista de indicadores para auxiliar o professor na identificação dos alunos com maior capacidade e talento em quatro domínios: inteligência, criatividade, capacidade socio-afetiva e habilidades sensório-motoras. No domínio da inteligência a autora propõe duas vias de expressão: vivacidade mental e pensamento linear (engloba produção superior em linguagem, comunicação e expressão; curiosidade e interesses amplos e variados, perspicácia, senso de humor, entre outros); e profundidade e pensamento não linear abstrato (engloba produção superior em matemática e ciências, memória, pensamento analítico, entre outros). A folha de observação contém 25 itens onde se pede que o professor indique, por exemplo: os melhores da turma nas áreas de matemática e ciências; os melhores nas áreas de arte e educação artística; os melhores em atividade extra-classe e extracurriculares; os mais verbais e conversadores; os mais curiosos; os mais participantes; os mais críticos; os mais criativos; os mais preocupados com o bem-estar dos outros; os mais desinteressados e entediados, sem serem atrasados; com o melhor desempenho em esportes e exercícios físicos etc. (9)Nomeações pela motivação do aluno Se o processo de formação do Pool de Talentos for dinâmico, a nomeação de alunos pode ocorrer a qualquer momento do ano escolar. Sendo assim, o professor pode também designar para o atendimento algum aluno que tenha demonstrado um interesse incomum por alguma matéria, disciplina ou tópico que esteja sendo estudado naquele momento. Renzulli e Reis criaram um instrumento informal, em formato de uma lâmpada, cunhado de “Mensagem de Informação da Ação” (Action Information Message), onde o professor anota as ações e atitudes do aluno frente ao tópico de interesse, ressaltando as atividades em que tenha demonstrado criatividade, alta motivação ou envolvimento com a tarefa realizada na sala de aula (Renzulli & Reis, 1997a). O professor anota também idéias e sugestões para futuras intervenções na área que poderiam ajudar o aluno a desenvolver e aprofundar seu interesse específico, e as compartilha com o coordenador da área de superdotação da sua escola. Este, por sua vez, utiliza o instrumento e as informações obtidas com o professor como uma fonte suplementar de dados sobre o aluno, e os analisa à luz dos seus interesses e áreas fortes, incluindo-o como possível candidato ao Pool de Talentos. Alunos motivados geralmente demonstram interesse através de uma série de comportamentos, tais como: faz grande número de perguntas; se engaja em profundas discussões sobre um determinado tópico; busca adultos com conhecimento na área para satisfazer seus interesses ou curiosidade; dedica grande parte do tempo livre no estudo ou no desempenho de atividades relacionadas a este interesse, por sua própria vontade, e às vezes até compulsivamente; busca atividades extracurriculares relacionadas à área, nas quais demonstra mais interesse do que em suas atividades escolares regulares; demonstra alto interesse em explorar e criar dentro de um determinado tópico (Davis, 1997; Renzulli & Reis, 1997a). Assim, o professor atento aos interesses dos alunos pode detectar mais prontamente o maior envolvimento do estudante com uma determinada tarefa, o que pode ser o aspecto que vai levá-lo a desenvolver sua criatividade e habilidades específicas na área de interesse. Serviços especiais COMPACTAÇÃO DO CURRÍCULO Vários serviços poderão ser oferecidos aos alunos identificados para o Pool de Talentos ainda dentro do ensino regular. Dentre os mais indicados está a compactação do currículo, que permite aos alunos com habilidades intelectuais superiores prosseguir de forma mais rápida com o conteúdo que já foi dominado, eliminando a rotina de passar por exercícios repetitivos desnecessariamente. O recurso da compactação do currículo torna mais desafiador o ambiente de aprendizagem, dando ao aluno oportunidade de aproveitar melhor seu tempo para o desenvolvimento de atividades de enriquecimento e abrindo espaço para a aceleração escolar (Reis, Burns & Renzulli, 1992; Starko, 1986) (Sobre programas de atendimento ao superdotado e métodos utilizados, recomenda-se o capítulo 5 do livro: “Alencar, E. M. L. S., & Fleith, D. S. (2001). Superdotados: Determinantes, educação e ajustamento. 2ª. Edição revista e ampliada. São Paulo: EPU). Dois procedimentos são essenciais para a compactação do currículo: (1) um cuidadoso diagnóstico da situação; e (2) completo conhecimento do conteúdo e dos objetivos da unidade de instrução. O professor deve identificar a área do currículo que o aluno já dominou e suas áreas fortes, geralmente observadas quando o aluno termina rapidamente uma tarefa com pouco ou com nenhum erro, e quando demonstra insatisfação, tédio ou desânimo com o ensino, desperdiçando o seu tempo em sala de aula para sonhar acordado ou fazer bagunça. Em seguida, o professor deve aplicar atividades ou pré-testes para assegurar se o aluno tem completo domínio do tema ou conteúdo, e se atende aos objetivos daquela unidade. Na maioria dos casos, as provas e avaliações utilizadas ao término do bimestre ou semestre servem como pré-teste. Uma vez documentada a área em que o aluno já domina, o professor indica as atividades que podem ser eliminadas do currículo ou aceleradas para se adaptar ao ritmo próprio do aluno. E, por fim, o professor explora as diversas formas de aceleração ou enriquecimento que ele poderia providenciar ainda na sala de aula regular. Por exemplo, se várias unidades curriculares de matemática foram compactadas, o professor deve decidir se o aluno pode ser acelerado para outra série ou se poderá ser beneficiado por um aprofundamento do conteúdo na matéria, ou mesmo se deve dedicar o tempo extra a outra disciplina ou tópico de interesse. A filosofia do programa, os recursos viabilizados, e considerações práticas, tais como restrições da escola à aceleração, e a maturidade do aluno para assumir tarefas específicas de outra série devem subsidiar tais decisões. É importante notar que os alunos devem participar destas decisões e entender que, ao dar o melhor de si em uma disciplina, poderá ter mais tempo para trabalhar em outro tópico do seu interesse. Neste sentido, alunos que tradicionalmente demonstram desinteresse com o ensino, tiram notas ruins ou deixam de assistir as aulas, passam a ter maior interesse em dominar o conteúdo e a demonstrar o que sabem. ACELERAÇÃO A aceleração é um dos serviços que a escola pode oferecer para alunos academicamente adiantados, permitindo-os avançar e cumprir em menor tempo as séries escolares. Acelerar implica em decidir que a competência, e não a idade, será o critério determinante para que o indivíduo obtenha acesso a um currículo e experiências acadêmicas mais adiantadas. Este critério é utilizado sem questionamentos em várias áreas, como as artísticas e atléticas. Um aluno com alta competência no piano ou na dança pode ser colocado em classes onde múltiplas habilidades são percebidas e estimuladas; no entanto, tradicionalmente isto não acontece com relação à sala de aula regular. Essa atitude se iguala a forçar todas as crianças a usar o mesmo número de sapato, partindo da concepção de que o tamanho único é ideal para todos. Precisamos reconhecer que as pessoas variam enormemente em seu desenvolvimento físico, intelectual e emocional. Argumenta VanTassel- Baska (1998) que, se a educação quer ser efetiva, os educadores devem responder a estas diferenças com um currículo mais flexível. A aceleração pode incluir a entrada precoce na escola, quando capacidades superiores ou avançadas podem ser percebidas cedo no desenvolvimento infantil, como por exemplo, a leitura precoce ou a habilidade de lidar com números em nível adiantado para a idade. Pode incluir também pular séries quando o aluno está adiantado em todas as matérias escolares e não terá dificuldades em acompanhar séries mais avançadas. Desta forma, há possibilidade de entrada precoce na universidade, o que também possibilita a entrada mais cedo do aluno no mercado de trabalho. ENRIQUECIMENTO O enriquecimento é a opção mais encorajada entre os serviços educacionais oferecidos pelos programas especializados em vários países, inclusive no Brasil. Vários modelos são apresentados na literatura mundial sobre o tema. Destacamos aqui o Modelo de Enriquecimento Escolar proposto por Renzulli e Reis (1997a; 2000) e o Modelo do Aprendiz Autônomo, de Betts (1986; 1991). (1) Modelo de Enriquecimento Escolar O Modelo de Enriquecimento Escolar (Renzulli & Reis, 1997ª; 2000) é provavelmente o mais amplo e extensivo modelo apresentado na literatura atual, abarcando a identificação, a administração, o treinamento de pessoal e os serviços oferecidos ao aluno. Para estimular os alunos a desenvolverem habilidades que os permitam ser produtores de conhecimento, mais do que simplesmente consumidores, três tipos de enriquecimento foram planejados para os contextos tanto do ensino regular quanto do especializado, denominados Tipo I, II e III. É decisão da escola optar ou não pela sua implementação no ensino regular. Enriquecimento do Tipo I - Este tipo de Enriquecimento se inicia na sala de aula regular e implica em atividades destinadas a todos os alunos da escola. Esta abordagem tem três importantes objetivos: (1) Dar oportunidade a todos os alunos de participar de alguma experiência de enriquecimento curricular que seja de seu real interesse, expondo os alunos a uma ampla variedade de procedimentos, tais como palestrantes convidados, excursões, demonstrações, desenvolvimento de centros de interesse e uso de diferentes e variados materiais audiovisuais; (2) enriquecer a vida dos alunos através de experiências que usualmente não fazem parte do currículo da escola regular; e (3) estimular novos interesses que possam levar o aluno a aprofundá-los em atividades criativas e produtivas posteriores (Tipo III). É importante que o aluno tome conhecimento do modo como determinadas áreas são desenvolvidas, exploradas ou pesquisadas na vida real, o grau de envolvimento que se demanda do profissional no campo, as questões, problemas e particularidades da área etc. algumas das vantagens desta abordagem são: (a) Permitir que os alunos se engajem em níveis mais avançados de interesse em tópicos ou áreas de estudo que podem ser usados para atividades que envolvam maior criatividade, investigação e pesquisa; (b) Permitir a participação de pais, professores, professores-itinerantes, diretores e mesmo outros alunos de outras salas ou séries nestas atividades; (c) Diminuir a noção de elitismo que se agrega aos programas especiais para alunos com altas habilidades por meio da aplicação de certas atividades para todos os alunos, e não só para aqueles identificados como superdotados; (c) Possibilita-se a maior integração entre o programa regular e o programa de enriquecimento, com a participação de toda a Equipe de Enriquecimento; e como resultado, a escola se torna potencialmente um lugar inclusivo e mais estimulante e para todos. O Enriquecimento Escolar do Tipo II, que também pode ser aplicado nos contextos de sala de aula regular e de recursos, consiste de técnicas, materiais instrucionais e métodos designados a três grandes áreas, têm como objetivo: (1) desenvolver nos alunos as habilidades gerais de pensamento crítico, resolução de problemas e pensamento criativo; (2) desenvolver os processos afetivos, sociais e morais, tais como sentir, apreciar, valorizar, respeitar; (3) desenvolver uma grande variedade de aprendizagens específicas de “como fazer”, tais como tomar notas, entrevistar, classificar e analisar dados, tirar conclusões etc., necessárias ao processo científico; (4) desenvolver habilidades avançadas para a aprendizagem de materiais de referência, tais como resumos, catálogos, registros, guias, programas de computador, Internet, etc.; e (5) desenvolver habilidades de comunicação escrita, oral e visual, a fim de que a produção do aluno tenha maior impacto sobre determinadas audiências. O estudante é encorajado a, primeiro, dominar as ferramentas de que vai precisar para desenvolver atividades de Enriquecimento do Tipo III, dependendo do tipo de projeto do seu interesse; e segundo, a utilizar seus conhecimentos para desenvolver com aproveitamento e produtividade as atividades de seu real interesse. Assim, o estudante que se interessou por plantas, após uma atividade de Tipo I, pode se engajar em leituras mais avançadas ou aprofundadas sobre Botânica; compilar, planejar e executar atividades como um cientista desta área; e aprender mais sobre os métodos de pesquisa característicos deste campo do conhecimento. Este processo é resultante dos interesses específicos do aluno com o tópico a ser pesquisado e, portanto, deve ser ensinado em conexão com a atividade de Tipo III escolhida. As atividades de Enriquecimento do Tipo III são planejadas para o aluno que demonstra um grande interesse em estudar com maior profundidade uma área do conhecimento; que esteja pronto para dedicar grande parte do seu tempo para a aquisição de um conteúdo mais avançado; e que queira participar de um processo de treinamento mais complexo, no qual assume o papel de aprendiz em primeira-mão. Entre as metas das atividades de Enriquecimento de Tipo III, destacam-se a oportunidade para que o aluno possa: (a) aplicar seus interesses, conhecimentos, idéias criativas e motivação em um problema ou área de estudo de sua escolha; (b) adquirir um conhecimento avançado a respeito do conteúdo e metodologia próprios a uma disciplina, área de expressão artística ou estudos interdisciplinares em particular; (c) desenvolver produtos autênticos, com o objetivo de produzir determinado impacto em uma audiência pré-selecionada; (d) desenvolver habilidades de planejamento, organização, utilização de recursos, gerenciamento de tempo, tomada de decisões e auto-avaliação; e (e) desenvolver motivação/ envolvimento com a tarefa, autoconfiança e sentimentos de realização criativa, e habilidade de interagir efetivamente com outros alunos, professores e pessoas com níveis avançados de interesse e conhecimento em uma área comum de envolvimento. É importante ressaltar que a ênfase dada às experiências de tipo III muda da aprendizagem sobre determinado tópico para a aprendizagem do como se obtém, categoriza, analisa e avalia a informação em determinados campos; e envolve o uso de métodos autênticos de pesquisa em um determinado campo de estudo. Desta forma, o estudante pode ultrapassar o tradicional papel de reprodutor do conhecimento para assumir o papel de investigador em primeira-mão, absorvendo paulatinamente o papel de agentes de mudança, com impacto no mundo que os rodeia. (2) O Modelo do Aprendiz Autônomo O Modelo do Aprendiz Autônomo, desenvolvido por George Betts, diretor do Centro de Educação e Estudos sobre o Superdotado da Universidade do Nordeste do Colorado, foi concebido para satisfazer as necessidades cognitivas, sociais e emocionais do aluno superdotado (Betts, 1986, 1991). O modelo parte do entendimento de que, à medida que tais necessidades são satisfeitas, os alunos se desenvolverão como aprendizes autônomos, com a capacidade de serem responsáveis pelo desenvolvimento, implementação e avaliação da própria aprendizagem. Há cinco dimensões principais: orientação, desenvolvimento individual, atividades de enriquecimento, seminários e estudos em profundidade. A dimensão de Orientação é a parte do programa que focaliza as informações básicas que os alunos, professores, pais e administradores precisam saber a respeito das altas habilidades. Assim, a ênfase é colocada na concepção de superdotação, criatividade e desenvolvimento do potencial. Por meio de atividades de grupo e dinâmicas, os alunos aprendem a respeito da superdotação enquanto conceito e deles próprios, suas habilidades, interesses e áreas fortes; e sobre o que o programa tem a oferecer, suas oportunidades e responsabilidades. Os professores passam por treinamento específico com relação à superdotação, e orientações são dadas a pais, administradores e pessoas da comunidade envolvidas no programa. A segunda dimensão do Modelo do Aprendiz Autônomo é a do Desenvolvimento Individual, que fornece oportunidades ao aluno de desenvolver habilidades, conceitos e atitudes necessárias para sair do papel passivo de estudante para um, mais ativo, de aprendiz. Estas atividades estão relacionadas às necessidades cognitivas, afetivas e emocionais do indivíduo e são dirigidas pelo seu processo de desenvolvimento, envolvendo: (a) habilidades de aprendizagem (que envolvem habilidades de resolução de problemas, criatividade, habilidades de organização, de escrita, de tomada de decisões, de pesquisas, de estudo e comportamento direcionado a metas, entre outras habilidades de aprendizagem importantes); (b) entendimento pessoal (por exemplo, atividades de aceitação de sim mesmo, autoconceito positivo, responsabilidade pessoal e psicologia da personalidade saudável, entre outros); (c) habilidades interpessoais (comunicação com o outro, entrevistas, processos de grupo); (d) envolvimento com as profissões e carreiras que gostariam de seguir. A Dimensão de Atividades de Enriquecimento inicia-se com o entendimento do aluno sobre as diversas áreas do conhecimento, ajudando-o a selecionar as áreas que domina ou tem maior motivação (ou paixão) e estudá-las com maior envolvimento. Atividades de exploração ajudam o aluno a selecionar um tópico, a explorá-lo em profundidade e a apresentar suas descobertas aos colegas. O aluno é encorajado a propor um tópico de investigação, a descrever seus objetivos, as atividades específicas para atingir tais objetivos, o tempo necessário para sua consecução, recursos materiais e humanos necessários, tipo de audiência mais apropriado ao seu tema e avaliação. Atividades culturais também são incentivadas, como visitas a museus, peças, concertos, debates, exposições e viagens de aventuras. E finalmente, nesta dimensão, atividades são também planejadas para ajudar o aluno a entender o humanitarismo e a desenvolver projetos em que possam ajudar outras pessoas ou grupos em suas comunidades. A quarta dimensão do Modelo, Seminários, é o momento em que o aluno começa a mostrar suas características enquanto aprendiz independente e autônomo. Um Seminário é um projeto de curta duração a ser desenvolvido em pequenos grupos, e compreende a preparação de um tópico, selecionado entre as categorias de Futurístico (tópicos e técnicas necessários para o mundo futuro), Controverso (tópicos que não são consenso e mostram uma natureza controvertida), Problemático (problemas que os alunos enfrentam em sua própria comunidade até problemas mundiais), Interesse Geral (não precisando se encaixar necessariamente em uma categoria) e Conhecimento Avançado (investigação na área que talvez seja de interesse apenas de um pequeno grupo de alunos). E finalmente, a última dimensão do Modelo do Aprendiz Autônomo, Estudo em Profundidade, permite que o aluno defina uma “área de paixão” a ser estudada em profundidade. Os aprendizes são responsáveis em definir o que querem estudar, desenvolver um plano de ação, participar efetivamente do estudo e avaliá-lo ao ser completado. Ao atingir esta fase, o aluno está pronto para aprender, desenvolver novas idéias e projetos com o mínimo de instrução e orientação. Também poderá desenvolver meios de avaliar seu próprio projeto, compartilhando seus critérios com os professores e mentores. Terá assim atingido, em vários anos de um trabalho seqüencial e ordenado, o seu papel de aprendiz autônomo, altamente motivado e auto-direcionado a seus próprios objetivos. Em perfeita sintonia com o Modelo de Enriquecimento Escolar de Renzulli, o Modelo do Aprendiz Autônomo de Betts oferece oportunidades e direcionamento para o indivíduo desenvolver todas as suas potencialidades e inclinações, colaborando de forma produtiva e independente para um mundo melhor. Uma palavrinha final Os alunos com altas habilidades necessitam de serviços educacionais diferenciados que possam promover seu desenvolvimento acadêmico, artístico, psicomotor e social, o que inclui métodos de ensino adaptados às suas necessidades especiais. No contexto brasileiro atual, torna-se necessário que o país abra suas portas às modernas evidências de pesquisa sobre o indivíduo portador de altas habilidades, e que considere seu potencial como promotor do desenvolvimento tecnológico, cultural e educacional da nossa nação. Não podemos desperdiçar nossas inteligências; há por toda parte um rico manancial de jovens esperando por melhores oportunidades e desafios às suas capacidades. O Brasil iniciou várias mudanças, em nível do governo e de sociedade, voltadas para uma ampla abertura na política educacional para a área de superdotação. Na área acadêmica, pesquisas têm demonstrado a necessidade de se dar mais atenção a uma área que ainda se mostra tabu em nossa cultura. Vencer medos e preconceitos é o desafio que nos espera. Referências Alencar, E. M. L. S. (1995).Criatividade (2ª ed.). Brasília: Editora Universidade de Brasília. Alencar, E. M. L. S. (2001). Criatividade e educação de superdotados. Petrópolis, RJ: Vozes. Alencar, E. M. L. S., & Fleith, D. S. (2001). Superdotados: Determinantes, educação e ajustamento (2ª. Edição revista e ampliada). São Paulo: EPU. Alencar, E. M. L. S., & Virgolim, A. M. R. (2001). Dificuldades emocionais e sociais do superdotado. Em E.M.L.S. Alencar (Org.). Criatividade e educação dos superdotados (pp.174-205). Petrópolis, RJ: Vozes. Armstrong, T. (2001). Inteligências múltiplas na sala de aula. (M. A. V. Veronese, Trad.). Porto Alegre: ARTMED. Baum, S., Owen, S. V., & Dixon, J. (1991). To be gifted & learning disabled: From identification to practical intervention strategies. Mansfield, CT: Creative Learning Press. Betts, G. T. (1986). The autonomous learner model for the gifted and talented. Em J. S. 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