Capa Secretaria de Educação Especial/MEC INCLUSÃO Revista da Educação Especial ISSN 1808-8899 Ano 2 – nº 02 – Agosto/2006 Foto: Aluno cadeirante com a professora ao lado (ambos estão sorrindo e segurando algumas folhas). Educação Inclusiva Ressignificando conceitos e práticas da educação especial Entrevista Marlene de Oliveira Gotti Educação Inclusiva: Avanços na educação de alunos surdos Veja Também Paulo 100% campeão Expediente Comitê Editorial Claudia Pereira Dutra Cláudia Maffini Griboski Denise de Oliveira Alves Kátia Aparecida Marangon Barbosa Marlene de Oliveira Gotti Martha Tombesi Guedes Valéria Sperandio Rangel Coordenação Editorial Denise de Oliveira Alves Edição de Texto Berenice Weissheimer Roth Revisão Lina Satie Higashiyama Equipe de Apoio Francisca Roseneide Furtado do Monte Isleide Barbosa Silva Equipe Técnica da SEESP Jornalistas Responsáveis José Murilo Milhomen - Registro Profissional nº 1459/DF Assessoria de Comunicação Social do Ministério da Educação Fotos Arquivo Ministério da Educação Responsável pelo Cadastro Djanira Vitor Revista Inclusão é uma publicação semestral da Secretaria de Educação Especial do Ministério da Educação. Esplanada dos Ministérios, Bloco .L., 6º andar, Sala 600 CEP: 70047-901 Brasília/DF. Telefones: 0XX(61) 2104-9267 / 2104-8651 Cadastro via e-mail: revistainclusao@mec.gov.br Distribuição gratuita Impressão Total Editora Ltda Tiragem desta edição: 40 mil exemplares As matérias publicadas pela revista podem ser reproduzidas, desde que citada a fonte. Quando assinadas, indicar o autor. Artigos assinados expressam as opiniões de seus respectivos autores e, não necessariamente, as da SEESP, que os edita por julgar que eles contêm elementos de reflexão e debate. Inclusão : Revista da Educação Especial / Secretaria de Educação Especial. v.1, n.1 (out. 2005). - Brasília : Secretaria de Educação Especial, 2005-ISSN 1808-8899 1. Inclusão educacional. 2. Educação especial. I. Brasil. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Especial. CIBEC/MEC *Editorial - 3* Foto: Quatro crianças brincam em sala de aula. Uma das crianças (um menino) possui limitações motoras (caminha com auxílio de uma espécie de andador). O paradigma da inclusão remete a pensar as questões do acesso e da qualidade na educação, chamando atenção dos sistemas de ensino para a necessidade de uma nova organização dos espaços educacionais a partir de uma visão abrangente do currículo, com vistas à eliminação das barreiras que dificultam ou impedem a participação e a aprendizagem de todos na escola. Neste sentido, a política de educação inclusiva pressupõe o desenvolvimento de ações estruturadas para atender as especificidades de cada aluno no processo educacional, dentre elas, a ampliação da oferta de recursos e serviços que assegurem condições de acessibilidade às pessoas com necessidades educacionais especiais. O princípio da acessibilidade está presente na concepção que orienta a construção da escola inclusiva, indicando a sua dimensão transversal que contrapõe a existência de sistemas paralelos de ensino especial e ensino regular e passa a planejar as escolas com ambientes acessíveis e sem discriminação, que garantam os direitos de cidadania e atenção à diversidade humana. O desafio da acessibilidade está colocado para a educação, seus pressupostos não estão restritos ao trabalho de determinados profissionais, mas estão direcionados para toda escola e sociedade. Sua efetivação requer eliminar os preconceitos, exigindo mudança de atitude em relação às diferenças: a adequação das estruturas físicas que permitam a circulação e mobilidade segundo os critérios de acessibilidade; o acesso às tecnologias, aos códigos e às linguagens que possibilitem formas diferenciadas de comunicação; e a alteração das práticas pedagógicas que promovam a interação e valorizem as diferentes formas de construção do conhecimento. A Revista Inclusão, nesta edição, destaca a temática da acessibilidade, com artigos que abordam os diferentes aspectos relacionados às condições de acesso e participação das pessoas com deficiência na escola e na sociedade. A Entrevista com Marlene Gotti, especialista na educação de alunos com surdez, apresenta os avanços na educação inclusiva de alunos surdos. O Destaque traz o texto de Hugo Otto Beyer, Educação inclusiva: ressignificando conceitos e práticas da educação especial, que compreende a visão sociohistórica da aprendizagem, partindo da premissa básica de Vygotsky, na qual a condição para que a criança passe por transformações essenciais apóia-se na qualidade das interações sociais, contrapondo a situação de isolamento vivenciada pelas crianças com necessidades educacionais especiais. O Enfoque é composto pelos artigos: Acessibilidade: as pessoas cegas no itinerário da cidadania, de Elizabet Dias de Sá, que trabalha o sentido da acessibilidade enquanto condição de cidadania, desenvolvido a partir do contexto vivido pelas pessoas cegas ou com baixa visão; Os direitos humanos e as pessoas com deficiência no mercado de trabalho, de Ricardo Tadeu Marques da Fonseca, que contempla uma abordagem dos direitos humanos analisando a igualdade e as diferenças, a partir da perspectiva de acesso das pessoas com deficiência no mercado de trabalho; Tecnologias Assistivas para autonomia do aluno com necessidades educacionais especiais, de Teófilo Alves Galvão Filho e Luciana Lopes Damasceno, que apresentam a discussão sobre o uso de diferentes tecnologias assistivas enquanto recurso na promoção social e educacional de alunos com necessidades educacionais especiais, onde os autores apresentam recursos simples, de baixo custo e alta funcionalidade, desmistificando a idéia de que o uso das tecnologias assistivas envolve sempre um alto custo; Desenvolvendo ações para criar espaços escolares acessíveis, de Marta Dischinger e Rosângela Machado, que relatam pesquisa realizada na rede municipal de ensino de Florianópolis com o intuito de verificar e buscar soluções para uma melhoria das condições de acessibilidade dos espaços escolares; A Teoria Bioecológica do Desenvolvimento Humano e o contexto da educação inclusiva, de Ruy Jornada Krebs, que destaca o potencial desta teoria para orientar o processo de inclusão escolar; Tecnologias, desenvolvimento de projetos e inclusão de pessoas com deficiência, de Elisa Tomoe Moriya Schlünzen e Klaus Schlünzen Junior, que abordam os princípios norteadores do uso das tecnologias da informação e comunicação no processo educacional favorecendo a inclusão das pessoas com deficiência. A Revista Inclusão traz, ainda, na seção Opinião, a palavra da Superintendente Geral da Sorri Brasil acerca do processo de mudanças a partir da transformação dos sistemas sociais, do acesso universal e da organização dos sistemas de suporte para os alunos, e, na seção Veja Também, é relatada a experiência de Patrícia Marangon, professora de alunos com deficiência incluídos na classe comum do ensino regular, enfatizando o desempenho do aluno Paulo, campeão na 1ª Olimpíada Brasileira de Matemática das Escolas Públicas. Comitê Editorial *SUMÁRIO* Agosto 2006 Editorial – 3 Entrevista (Educação inclusiva: avanços na educação de alunos surdos. Marlene de Oliveira Gotti) - 6 Destaque (Educação inclusiva: ressignificando conceitos e práticas da Educação Especial. Hugo Otto Beyer) - 8 - Os direitos humanos e a pessoa com deficiência no mercado de trabalho - Ricardo Tadeu Marques da Fonseca - 19 - Tecnologias Assistivas para a autonomia do aluno com necessidades educacionais especiais. - Teófilo Alves Galvão Filho e Luciana Lopes Damasceno - 25 - Desenvolvendo ações para criar espaços escolares acessíveis. - Marta Dischinger e Rosângela Machado - 33 - A Teoria Bioecológica do Desenvolvimento Humano e o contexto da educação inclusiva - Ruy Jornada Krebs - 40 - Tecnologias, desenvolvimento de projetos e inclusão de pessoas com deficiência - Elisa Tomoe Moriya Schlünzen e Klaus Schlünzen Junior – 46 Enfoque (Acessibilidade: as pessoas cegas no itinerário da cidadania. Elizabet Dias de Sá) - 13 Resenhas (MANTOAN, M.T. Eglér; PRIETO, R. Gavioli; ARANTES, V. Amorim (Org.). Inclusão escolar: pontos e contrapontos RODRIGUES, David (Org). Inclusão e Educação: doze olhares sobre a educação inclusiva.) – 52 Veja também (Olimpíada de Matemática: Paulo 100% campeão Relato da professora Patrícia Marangon ) – 54 Opinião (SORRI – Brasil Carmem Leite Ribeiro Bueno) – 56 *Entrevista - 6* Marlene de Oliveira Gotti Consultora PNUD - Programa das Nações Unidas Foto: Três alunos se comunicando através da LIBRAS (Língua Brasileira de Sinais). - Considerando o processo de inclusão educacional das pessoas com surdez, quais os avanços já obtidos na garantia de acesso, permanência e qualidade na escola? A exclusão social e educacional são indicadores da realidade, que durante séculos desconsiderou a existência da língua de sinais utilizada pelas pessoas surdas. No Brasil, segundo o IBGE/2000, o número de pessoas com surdez é muito alto. No entanto, os dados do Censo Escolar/2005 registraram a matrícula de apenas 66.261 alunos surdos ou com deficiência auditiva na Educação Básica e o Censo da Educação Superior/2004 registrou 974 alunos com deficiência auditiva. Para modificar essa realidade, os movimentos sociais e educacionais, a partir de demandas da comunidade surda e de pesquisas realizadas começaram a reivindicar o reconhecimento da Língua Brasileira de Sinais . Libras. Com o reconhecimento da Libras, a oferta de educação bilíngüe passa a ser organizada pelos sistemas de ensino como direito dos alunos surdos, fundamental ao exercício da cidadania, de modo a viabilizar-lhes o acesso aos conteúdos curriculares, levando em consideração, nesse caso, que a leitura e escrita não dependem da oralidade. A Libras e a Língua Portuguesa como 2ª língua (modalidade escrita) constituem complementação curricular específica a ser desenvolvida em salas de recursos das mesmas escolas em que o aluno surdo está matriculado, em horário diferente ao da classe comum ou como disciplina da parte diversificada do currículo. Assim, os sistemas de ensino devem, a partir de 2006, organizar classes ou escolas bilíngües, abertas a surdos e ouvintes; viabilizar cursos de formação de professores; organizar serviços de tradutor e intérprete de Libras para atuação nas classes que têm surdos nos anos finais do ensino fundamental, ensino médio, educação de jovens e adultos, educação profissional e educação superior. - Contextualize o papel da escola frente às novas perspectivas na educação dos alunos com surdez, atualmente, no Brasil. A inclusão escolar e social de todos os cidadãos, independente de suas diferenças sociais, culturais, étnicas, raciais, sexuais e das suas condições físicas, intelectuais, emocionais, lingüísticas e outras tem sido difundida nacionalmente. O direito que os alunos surdos têm de matricular-se na rede regular de ensino, de qualquer estado ou município, determina que as escolas devem estar abertas à sua diferença lingüística. O acesso à comunicação, à informação e à educação deverá ser garantido mediante a implementação da educação bilíngüe, em que Libras e Língua Portuguesa constituem línguas de instrução, bem como mediante a formação e atuação de professores bilíngües e instrutores de Libras. As pessoas surdas, geralmente, utilizam a língua de sinais para se comunicar, mas raramente a adquirem por meio do contato com seus familiares, assim, diferentemente das demais línguas que são repassadas de pai para filhos numa perspectiva vertical, a língua de sinais é repassada de pessoa surda à pessoa surda ou ouvinte fluente em Libras, numa perspectiva horizontal, fato que demonstra a importância da escola na aquisição e aprendizado das línguas por parte dos alunos. - A partir da sua experiência na área, comente acerca da formação de professores para atuar nessa perspectiva. Como professora de Língua Portuguesa, atuei tanto em escolas da rede pública quanto em escolas particulares. Em escolas do ensino médio de Brasília/DF, em 1982, tive meus primeiros alunos surdos e, por causa deles, fui estudar a questão do ensino de Língua Portuguesa para surdos, numa perspectiva bilíngüe. Naquela época, a formação de professores para atuar com alunos surdos efetivava-se exclusivamente por meio de habilitação em cursos de pedagogia ou licenciatura em educação especial/deficiência auditiva, com enfoque predominantemente clínico. Hoje a formação de professores pode realizar-se em curso de pedagogia bilíngüe, ou em cursos de Letras/Libras. A formação, também, pode realizar-se em curso de graduação em Letras com licenciatura em Português 2ª língua ou em curso de Educação Especial/deficiência auditiva. Esta realidade tem alterado a perspectiva para o enfoque pedagógico. Além desses cursos, a formação de professores pode ser realizada no âmbito da pós-graduação ou da formação continuada, bem como por meio de cursos técnicos para instrutores de Libras em nível médio. - Como você observa as mudanças que vêm ocorrendo no Brasil, com relação aos outros países, no que se refere à educação das pessoas com surdez? Nosso País destaca-se pelo projeto educacional que desenvolve o uso de línguas faladas por cidadãos brasileiros, surdos e ouvintes. O uso da língua determina o poder de um povo. Língua é poder. A ampliação e a oferta de cursos superiores de Libras e de tradução e interpretação de Libras são características de que novos tempos estão modificando a estrutura da educação dos surdos brasileiros. A conseqüência dessa mudança de concepção pode ser observada no aumento do número de alunos surdos na educação nos últimos anos e na valorização profissional dos professores e instrutores de Libras, que passaram a fazer parte da comunidade escolar e da comunidade acadêmica. Hoje é registrada a presença de alunos surdos em cursos de pós-graduação, fato utópico há poucos anos atrás. O Brasil destaca-se na América Latina, porque tem uma política educacional que prevê a inclusão de todos os alunos, inclusive daqueles que têm diferenças lingüísticas. Destaca-se, porque reconheceu a Língua de Sinais como meio legal de comunicação e expressão, utilizada por um expressivo grupo de brasileiros, fato que colocou Libras, como disciplina, na formação inicial de todos os professores e fonoaudiólogos. Projeta-se, principalmente, porque é o primeiro País a ofertar cursos de licenciatura que contemplam as especificidades lingüísticas, formando professores para ensinar alunos surdos da educação básica e superior. Libras é um instrumento lingüístico de projeção nacional e de inclusão escolar e social das pessoas surdas ou com deficiência auditiva. Destaca-se, ainda, pela inclusão de Libras como disciplina curricular obrigatória em todos os cursos de magistério, licenciaturas e fonoaudiologia, bem como pelo desenvolvimento de pesquisas realizadas no âmbito da pós-graduação, fatores determinantes para promover mudanças na formação dos professores e para transformar o contexto educacional. - Sua trajetória profissional demonstra seu compromisso com a inclusão educacional e social das pessoas com surdez. Qual o próximo passo ? Precisamos formar professores para o ensino de Libras, para o ensino de Língua Portuguesa, como 2ª língua; formar tradutores e intérpretes de Libras; realizar anualmente o exame para certificação de proficiência em Libras e para a certificação de proficiência em Tradução e Interpretação da Libras; difundir o uso e o ensino da Libras e da língua portuguesa para surdos na totalidade dos municípios brasileiros. Precisamos buscar formas de viabilizar o processo para a criação do cargo de tradutor e intérprete de Libras na Carreira Técnico Administrativo em Educação . TAE das instituições federais de ensino- IFES, lembrando que já existe o cargo de Intérprete de Linguagem de Sinais, nível médio, na Carreira TAE. Precisamos dar destaque aos alunos surdos que se sobressaem nas escolas e na vida profissional, para que suas potencialidades possam tornar-se visíveis e conhecidas, construindo assim uma nova visão no imaginário coletivo da comunidade e da sociedade em que estão inseridos. *Destaque - 8* Hugo Otto Beyer (PhD em Educação pela Universidade de Hamburgo . Alemanha, Professor adjunto da Faculdade de Educação do Departamento de Estudos Especiais - Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFGRS) e-mail: hbeyer@ufrgs.br *A EDUCAÇÃO INCLUSIVA: ressignificando conceitos e práticas da educação especial* Foto: Seis crianças explorando livros didáticos em uma biblioteca. Resumo A revisão conceitual que o movimento em direção a um projeto maduro de educação inclusiva provocou situa esta revisão em dois níveis: por um lado, na dimensão individual, em que conceitos fixados no déficit da pessoa com necessidades especiais são alterados, e, por outro, a ruptura com um sistema segregador, do escolar ao das instituições sociais como um todo. Esta ressignificação demanda um referencial teórico suficientemente coeso e apropriado, o que encontramos nas colaborações conceituais do psicólogo russo Lev S. Vygotsky (1896-1934), o qual explanamos e trazemos para o recorte de análise do projeto de inclusão escolar. Palavras-chave: Educação inclusiva . Revisão conceitual . Por uma epistemologia . A abordagem de Lev Vygotsky. Abstract The conceptual revision resulting from the movement towards a mature project of inclusive education places this revision in two levels: on the one side, in the individual dimension, modifying concepts relative to deficits of individuals with special needs; on the other, inducing a rupture with a segregative system, from the school level to social institutions as a whole. This reconceptual process demands an appropriate theoretical referencial, which we find in the .s conceptual elaborations of the Russian psychologist Lev S. Vygotsky (1896-1934). In this work, these considerations are reviewed and introduced in the analysis of the project of school inclusion. Keywords: Inclusive education . Conceptual review . Lev Vygotsky.s approach. O projeto da educação inclusiva, analisado do ponto de vista histórico e conceitual, não pode nem deve ser definido como um movimento passageiro ou como mero modismo. A reflexão em torno dos seus contornos históricos, como movimento cujas origens remontam às primeiras experiências de integração escolar na Dinamarca, aponta para a crescente consolidação de tal movimento histórico. O ápice desta progressão, com uma cronologia definida de avanços, transformações institucionais e revisões conceituais, deu-se com a Conferência Mundial de Educação Especial, em Salamanca, Espanha, entre 7 e 10 de junho de 1994. Dela resultou A Declaração de Salamanca, documento sinalizador de uma nova época na educação de crianças com necessidades especiais, em vários países do mundo. De um conceito equivocado sobre a educabilidade dessas crianças, com o predomínio de categorias clínicas, decorrentes da influência hegemônica secular da área médica na educação especial, passamos a assistir a um processo crescente de ressignificação de conceitos fundamentais. Primeiramente, na dimensão individual. A criança com necessidades especiais não é uma criança ontologicamente deficiente, porém uma criança como todas as demais, com particularidades definidas na sua aprendizagem. Não é uma criança marcada pelo déficit, porém alguém que reúne uma série de atributos que podem pesar favoravelmente para uma aprendizagem significativa e eficaz. Faz-se necessária uma revisão conceitual da representação construída, ao longo de muitos anos, da pessoa com deficiência. Deve-se evitar definições ontológicas. A deficiência é uma situação de vida que, ainda que constituindo um estado permanente, não deve definir os atributos individuais. A deficiência, nesse sentido, não é uma metonímia do ser, ou seja, diferentemente de um jogo falacioso de lógica, o todo não é, nem deve ser, definido por uma das suas partes. Não há pessoa deficiente, porém uma pessoa (como todas as demais), cujo um dos seus atributos é não ouvir, não ver, não andar, e assim por diante. Em segundo lugar, do ponto de vista institucional, a decorrência secular da forte influência do pensamento clínico significou a edificação de um sistema educacional paralelo ao sistema de educação formal das crianças ditas normais. Se, por um lado, devemos admitir, sob pena de interpretar falsamente a própria história, que a dicotomia decorrente do modelo médico acentuou o fosso entre os conceitos de doença e saúde, normalidade e anormalidade, por outro, constatamos a construção, ao longo dos séculos XIX(19) e XX(20), de um sistema paralelo de atendimento terapêutico-pedagógico das crianças com deficiência. Assim, ao lado das escolas comuns, criaram-se as escolas especiais, ao lado dos espaços sociais abertos, vimos espaços sociais demarcados e controlados serem erigidos, tais como as instituições psiquiátricas, os asilos e as instituições especiais. Enquanto as especiais ou os espaços institucionais especializados para pessoas com deficiência constituíram-se nas iniciativas pioneiras no sentido do atendimento terapêutico e educativo das mesmas, por outro lado, acabaram por acentuar uma compreensão equivocada ou por projetar um conceito social igualmente equivocado: o de que elas constituíam-se em pessoas incompletas ou deficientes. Foto: Menino usando andador é acompanhado pela mãe até a chegada na escola. O problema crucial não residia e não reside apenas na representação social que se verifica na sociedade, mas nas posturas concretas que se verificam socialmente, ou seja, com freqüência assistimos a uma práxis social limitadora, subjugadora e castradora dos potenciais humanos e funcionais das pessoas com necessidades especiais. Muitas delas poderiam desenvolver e adquirir uma maior autonomia pessoal, social e profissional, porém isto não ocorre devido precisamente aos controles e cerceamentos sociais. Alguns autores buscam uma explicação para tais fatos. Na perspectiva individual, Wellendorf (apud Bleidick, 1981), com uma pitada de ironia, afirma que a pessoa com deficiência terá seu horizonte existencial circunscrito ao que chama de carreira clínica. A metáfora ilustra como os espaços sociais subestimam suas possibilidades ou potencialidades. Predominam, como visto acima, representações sociais a partir de uma abordagem centrada no déficit e no desvio da norma social. A prática social procura, desta maneira, compensar através de uma intervenção terapêutico- educativa, cuja função é aproximar a pessoa do parâmetro de normalidade social. Na dimensão das instituições sociais, deparamo-nos com uma racionalidade que defende a separação institucional e conseqüente demarcação social de espaços para as “pessoas especiais”. Constatamos a existência dos sistemas institucionais especiais resultantes da pressão exercida por modelos concentradores ou hegemônicos normativos. A mesma lógica da normatividade, presente no modelo médico, em que a pessoa com deficiência ou com algum distúrbio é vista como incompleta, alimenta o fluxo de fragmentação social entre a escola ou instituição regular e a escola ou instituição especial. Particularmente na instituição educativa, alunos que não correspondam aos parâmetros normativos curriculares são encaminhados para as escolas especiais. Subjacentes a estas considerações, tanto as referentes às representações como às práticas sociais, circulam quadros compreensivos do ser humano que se situam entre uma definição ontológica, epistemológica e antropológica. Sem dúvida, a demarcação ontológica e epistemológica mais decisiva e influente é a que emana do modelo clínico. Neste sentido, o ser humano com limitações orgânicas é socialmente interpretado como incompleto e funcionalmente deficitário. Conforme Lev Vygotsky (1997) uma vez definiu, a deficiência orgânica tem sua melhor e mais cabal leitura como uma deficiência social. Possivelmente dentre os teóricos do século XX(20), aquele cuja abordagem mais significativamente enfocou a pessoa com deficiência foi a do pensador russo Lev Semionovich Vygotsky (1896-1934). A abordagem de Jean Piaget, através dos trabalhos de Bärbel Inhelder (1971), também serviu para interpretar tal problemática, basicamente enfocada na deficiência mental. Inhelder desenvolveu estudo com cerca de 80 pessoas com deficiência mental, aplicando os procedimentos de avaliação psicogenética, conforme a escola genebrina, e concluindo que essas pessoas não teriam condições de atingir uma condição cognitiva como as demais pessoas. Assim, as conclusões empírico-teóricas de Inhelder apontaram, primeiro, para o progresso intelectual mais lento dos sujeitos com deficiência mental, e, segundo, para a restrição evolutiva dos mesmos, ou seja, adquiririam no máximo uma capacidade cognitiva operatória concreta. Conceitos básicos para tal interpretação eram os conceitos de oclusão operatória (interrupção do crescimento intelectual) e viscosidade cognitiva (enrijecimento gradual da capacidade cognitiva). O que sempre me causava inquietação e a sensação de desesperança pedagógica, quando me deparava com tal enfoque epistemológico, era a pobre perspectiva educativa ao me defrontar com os alunos, cujas deficiências implicavam uma defasagem cognitiva significativa. O que fazer, a partir daí: circunscrever o projeto educacional às supostas capacidades limitadas de aprendizagem, ou discordar do ponto de vista teórico e avançar nas propostas educacionais? Não haveria outro enfoque mais positivo, que enunciasse possibilidades de crescimento e superação para crianças em situação de atraso intelectual? Foi no período de doutoramento, nos anos de 1989 a 1992, que tive um primeiro contato com a abordagem de Lev Vygotsky, não diretamente, porém indiretamente, através do trabalho do psicólogo israelense Reuven Feuerstein (1921-). Meu professor orientador naquela época, Prof. Dr. Hans Wocken, do Instituto de Educação Especial da Universidade de Hamburgo, Alemanha Federal, desafiou-me a elaborar minha tese de doutorado na abordagem de Feuerstein, até então um ilustre desconhecido naquele país. A partir das duas principais obras deste autor (1979, 1980), cheguei ao conhecimento de Vygotsky, devido à proximidade nas abordagens conceituais de ambos. Embora Feuerstein tenha sido um aluno da escola de Genebra, e até recentemente tenha defendido sua filiação teórica a Piaget, são seus principais conceitos da experiência de aprendizagem mediada e da avaliação do potencial da aprendizagem que o identificam com conceitos fundamentais do pensamento vygotskiano, tais como os da mediação e da zona de desenvolvimento proximal. Chegamos ao ponto principal deste texto com a seguinte pergunta: por que a defesa de uma epistemologia ativa como a vygotskiana para a apologia do projeto pedagógico inclusivo? Respondo de uma maneira muito simples a esta questão: porque talvez Vygotski tenha sido o primeiro pensador, cujas idéias abordaram conceitos centrais do projeto inclusivo. Para isto, basta analisar o capítulo 3 (.Acerca da psicologia e da pedagogia das deficiências infantis.), da 1ª parte das Obras Escolhidas de Lev S. Vygotsky, Vol. V, .Fundamentos de Defectologia. (1997). Este texto constitui provavelmente a mais precoce e eloqüente defesa da não segregação escolar dos alunos com necessidades especiais. A premissa básica da qual Vygotsky parte encontra-se no cerne de sua teoria sociohistórica, isto é, de que para o desenvolvimento infantil, e humano em geral, a sociogênese é condição fundamental. A condição para que a criança passe por transformações essenciais, que a tornem capaz de desenvolver estruturas humanas fundamentais, como as do pensamento e da linguagem, apóia-se na qualidade das interações sociais em seu grupo (família, escola, etc.). O grande obstáculo, quando pensamos na criança com necessidades especiais, situa-se no isolamento freqüente que vivencia na família, na vida escolar ou na vida em sociedade. O isolamento, na ótica vygotskiana, não constitui apenas um problema social ou ético, porém representa uma faceta psicossocial muito delicada. A vulnerabilidade psicológica decorrente do isolamento social deve-se à premissa vygotskiana nuclear da necessidade da dinâmica sociogênica para o desenvolvimento infantil sadio. Quanto mais positivas forem as trocas psicossociais, mais fortalecido sairá tal desenvolvimento, sendo a recíproca verdadeira, isto é, quanto mais debilitadas elas forem, mais lacunar o mesmo será. Por que este aspecto constitui uma problemática central para o desenvolvimento das crianças com deficiência? Porque elas foram historicamente segregadas. Aqui encontramos o primeiro e vital paradoxo, ou seja, aceitando-se a premissa vygotskiana da importância das experiências sociais no desenvolvimento humano, a segregação social imposta às crianças constituir á sem dúvida fator fragilizador. Por isto, Vygotsky opõe-se ao envio sistemático das crianças com deficiência para as escolas especiais. Ele vai mais longe, criticando, em princípio, o projeto pedagógico destas escolas que teriam uma orientação demasiadamente terapêutica, tendo como resultado o afastamento da criança do ensino regular. O prejuízo maior aconteceria no plano social, isto é, as crianças com necessidades especiais ficariam debilitadas no que tange à importância das trocas interpsicológicas. A premissa vygotskiana fundamental, que afirma que as condições do desenvolvimento psíquico derivam da qualidade das trocas sociais, estaria diretamente implicada na decisão pedagógica de incluí-las ou não na escola comum. Poderia se afirmar que, em ambas situações, isto é, tanto na escola especial como na escola comum, a criança estaria em situação de convivência social. Porém, há, aqui, um diferencial evidente. Em primeiro lugar, Vygotsky sempre combateu uma proposta de formação de grupos com igualdade nos perfis, particularmente quanto a critérios de desempenho intelectual e acadêmico. Para ele, seria através dos variados contornos individuais que as trocas psicossociais se tornariam enriquecedoras e contribuiriam para o crescimento de cada um no grupo. Assim, a escolarização das crianças com deficiência em grupos de crianças “especiais”, com condição individual similar, acabaria por provocar um processo de limitação psicossocial, na medida em que as trocas interpsicológicas se restringiriam às feitas no grupo de “iguais”. Vygotsky criticava, evidentemente, tal postura pedagógica. É importante, neste momento, voltarmos nossa atenção para o modelo ontogenético vygotskiano. Tal modelo se pauta pela concepção de que a emergência de novas estruturas cognitivas e lingüísticas - e as correspondentes competências intelectuais e afetivas - decorre das mediações semióticas. A criança desenvolve novas competências por causa da aproximação dos outros sociais, esses outros entendidos, por um lado, como as novas apropriações semióticas (a linguagem fundamentalmente) que a criança faz no grupo cultural, e, por outro, o adulto ou o par mais desenvolvido como mediador das novas competências. A grande dificuldade que encontramos nas escolas especiais deve-se à limitação no horizonte social das crianças com necessidades especiais. Enquanto estas precisariam da convivência com crianças com condições cognitivas e socioafetivas diferenciadas das suas, vêem-se, através das situações pedagógicas e sociais correspondentes, atreladas a um modelo limitado de interação. Com isto, não quero absolutamente menosprezar as identidades ou as experiências de vida das crianças nas escolas especiais. É válida e enriquecedora a convivência entre si. Pesquisas têm confirmado que a convivência da criança no seu grupo fortalece sua auto-estima e o sentimento de pertença. Porém, do ponto de vista vygotskiano das importantes trocas sociais e sua contribuição para as zonas de desenvolvimento proximal, ou seja, em que crianças com condições cognitivas avançadas podem estabelecer pontes de mediação para crianças com níveis inferiores de desenvolvimento, há um prejuízo evidente. Com a tendência à homogeneidade grupal, através do nivelamento cognitivo que ocorre com freqüência nessas escolas, estas crianças têm seu horizonte de mediação limitado. Resta a unilateralidade da relação com os/as professores/as. Isto vale não apenas no que tange ao benefício potencial que as crianças com necessidades especiais podem ter em situações de inclusão escolar. Também as ditas crianças normais perdem quanto às oportunidades de aprendizagem na convivência com crianças em situações diferenciadas das suas. Pesquisas já têm comprovado o benefício para as crianças ditas normais, especialmente no aspecto socioafetivo e moral, em que muitas delas têm aprendido a construir atitudes de colaboração com as demais crianças. Por fim, a prática educativa com os alunos com necessidades especiais demanda muitas revisões por parte dos educadores, tanto as de natureza pragmática, situadas nos diversos aspectos que mobilizam o cotidiano escolar, como as de natureza teórica. É a aproximação entre teoria e prática que pode qualificar a educação de qualquer grupo de alunos. As perguntas que muitos se fazem no atual momento do projeto da educação inclusiva apresentam, desta maneira, tanto contornos paradigmáticos como pragmáticos. Se, por um lado, busca-se conceitos que possam inspirar premissas de sustentação teórica do projeto, por outro, reflete-se sobre possíveis princípios de execução metodológica. Assim, duas questões centrais se estabelecem: como fundamentar uma teoria da educação inclusiva e como estabelecer uma proposta de adaptação do currículo face às necessidades educacionais especiais. Estas são questões nas quais nos encontramos em processo de reflexão e busca de caminhos possíveis para a qualificação tanto teórica como metodológica do projeto de inclusão escolar. Em minha ótica, as contribuições de Lev S. Vygotsky constituem um referencial do qual não se pode prescindir. *Referências Bibliográficas* BLEIDICK, U. Einfühung in die Behindertenp ädagogik. 2. ed. Stuttgart: Kohlhammer, 1981. FEUERSTEIN, R. The dynamic assessment of retarded performers: theory, instruments and techniques. Baltimore, University Park Press, 1979. FEUERSTEIN, R. Instrumental enrichment: an intervention program for cognitive modifiability. Baltimore, University Park Press, 1979. INHELDER, B. El diagnóstico del razonamiento en los débiles mentales. Barcelona: Editorial Nova Terra, 1971. VYGOTSKY, L.S. Obras Escogidas V . Fundamentos de defectologia. Madrid: Visor, 1997. *Enfoque - 13* Elizabet Dias de Sá (Psicóloga e Educadora, Gerente de Coordenação do Centro de Apoio Pedagógico às Pessoas com Deficiência Visual de Belo Horizonte (CAP-BH)) e-mail: elizabet.dias@terra.com.br *ACESSIBILIDADE: as pessoas cegas no itinerário da cidadania* Hasta la hora del ocaso amarillo cuántas veces habré mirado al poderoso tigre de bengala ir y venir por el predestinado camino detrás de los barrotes de hierro sin sospechar que eran su cárcel. (Jorge Luis Borges) - Como é o lugar quando ninguém passa por ele? Existem as coisas sem ser vistas? (Carlos Drummond de Andrade) Foto: Menina andando com o auxílio da pré-bengala. Resumo O presente trabalho destina-se, especialmente, aos leitores que podem ler e enxergar com os próprios olhos e, talvez, desconheçam ou mistifiquem a experiência não visual. Foi elaborado com a intenção de ampliar as informações sobre o tema da acessibilidade, a partir de um referencial particular, o da realidade vivida por pessoas cegas ou com baixa visão. Baseia-se em uma sondagem aleatória, tendo como referência um questionário com 12 perguntas, divulgado na internet, entre usuários de ledores de tela e softwares com síntese de voz, além das incursões de minha vida pessoal e profissional. O questionário foi respondido por 83 pessoas das quais 71 são do Brasil e 12 de Portugal. Entre os brasileiros, 23 são jovens e estudantes que não utilizam computadores. As respostas obtidas foram selecionadas e organizadas em tópicos que explicitam aspectos relevantes para esboçar um traçado dos centros urbanos e compreender a dinâmica de relações entre os cidadãos e o meio circundante. A síntese dessas respostas configura um painel das principais barreiras e entraves detectados. Abstract This paper was especially written for those who are able to see and read ´with their own eyes´, readers who may not know or may mystify the nonvisual experience. It has been written with the aim of widening the information on accessibility from the perspective of experiences lived by a blind person or someone with low vision. The paper was written based on a survey that consisted of twelve questions circulated on the internet amongst users of screenreaders and voice softwares. The questionaire was responded by 83 people out of which 12 were Portugueses and 71 Brazilians. Amongst these, 23 were young students that are not computer users. The data has been selected and organized in categories that allowed to map relevant aspects of barriers found in urban centres, as well as it provides information to understand the dynamic of relationship between citizens and environments. The synthesis of the answers also offers a panel on the main detected physical barriers. *Introdução* O tema da acessibilidade será desenvolvido a partir da realidade vivida por pessoas cegas ou com baixa visão no que diz respeito a locomoção e mobilidade, ao acesso ao conhecimento, à educação, ao trabalho e a outros meios de inserção social e comunitária. Nosso estudo baseia-se em uma pesquisa empírica, realizada entre usuários do Sistema Braille, de softwares com síntese de voz e ledores de tela entre outros recursos compatíveis com a limitação sensorial. A maioria deles participa de listas de discussão na internet, direcionadas ao segmento e à temática relacionada à deficiência visual. Os sujeitos pesquisados são jovens e adultos que apresentam algum resíduo visual ou cegueira, de natureza congênita ou adquirida, e cuja faixa etária é de 20 a 60 anos. Entre os que nasceram cegos ou perderam a visão prematuramente, a maioria iniciou o processo de escolarização em instituições especializadas e ingressou no sistema regular de ensino para continuidade dos estudos. Os que perderam a visão na idade adulta e concluíram o percurso de escolaridade enfrentam dificuldades de acesso ao mundo do conhecimento e do trabalho. A metodologia utilizada consistiu na elaboração de um questionário auto- aplicável com 12 perguntas opinativas sobre acessibilidade no contexto da vida diária com ênfase na abordagem dos seguintes aspectos: uso de bengala, guias humanos ou cão-guia para a locomoção; meios de transporte mais utilizados e dificuldades de acesso a eles; barreiras que dificultam ou impedem a locomoção nas ruas e vias públicas e soluções apontadas; serviços, equipamentos públicos e alternativas que facilitam a locomoção e mobilidade na cidade, local de moradia ou de trabalho; obstáculos para ingressar na escola e recursos utilizados no decorrer da vida escolar; alternativas de acesso à leitura, à escrita e à informação; autonomia para assinar documentos, comprar ou alugar imóveis, movimentar contas bancárias e outras transações similares; recursos tecnológicos e informáticos utilizados. O questionário foi divulgado em várias listas de discussão e respondido por 83 sujeitos, dos quais 71 residem em diferentes regiões do Brasil e 12 em Portugal. Entre os brasileiros, 23 são estudantes que não fazem uso do computador. As respostas obtidas foram selecionadas e organizadas em tópicos que explicitam as principais barreiras ou entraves detectados e refletem a dinâmica de relações entre os cidadãos cegos e com baixa visão e o meio circundante. Ao apresentarmos um panorama das restrições e dos obstáculos que dificultam ou impedem o acesso ao conhecimento e o percurso de escolarização destas pessoas, indicaremos os meios e as estratégias propostos para a produção de recursos tiflológicos e outras alternativas de acessibilidade. Além disso, a negação da diferença, os estigmas, o protecionismo e a violação de direitos fundamentais são exemplificados por meio de depoimentos, noticiários e pareceres acerca de atitudes e medidas discriminatórias que comprometem o efetivo exercício de cidadania. *A bengala e os guias* As pessoas cegas e com baixa visão dependem de terceiros para identificar ruas, endereços, itinerários de ônibus, avisos, obstáculos e outras referências visuais. Transitam com dificuldade por vias públicas em geral e ficam expostas a constantes situações de risco. Utilizam a bengala como principal meio de locomoção, o que é confirmado por 48 das 83 pessoas que responderam ao questionário. Por outro lado, 21 dos respondentes se valem apenas de guia humano, enquanto 12 recorrem às duas alternativas e quatro utilizam cães-guia para se locomover. Como era de se esperar, a bengala é um recurso indispensável para a locomoção de pessoas cegas. Podemos considerar, no entanto, que o uso exclusivo de bengala ou mesmo de cão- guia não dispensa a colaboração de eventuais guias humanos ou informantes, ainda que seja apenas para atravessar ruas, parar o ônibus ou o táxi, previnir acidentes ocasionais ou, simplesmente, facilitar o acesso, entre outras possibilidades de interação. Assim, a figura do guia humano é uma variável significativa que representa, aproximadamente, 25% da amostra pesquisada, o que demonstra sua relevância, embora seja menos acessível como alternativa prioritária ou exclusiva. Estamos nos referindo ao guia humano como uma pessoa que estaria disponível para desempenhar, de forma voluntária ou profissional, a função de acompanhar pessoas cegas, em sucessivos deslocamentos, apoiando-as na realização de tarefas e expedientes eminentemente visuais. O cão-guia é utilizado raramente, talvez, por se tratar de alternativa pouco difundida, de difícil acesso e aceitação social. Em Portugal, "restaurantes, salas de espectáculos, transportes públicos e toda a espécie de locais não podem, por lei, vedar a entrada a cegos e aos seus cães-guia. Isso apenas é possível desde o ano passado, por regulamentação expressa no decreto-lei 118/99, de 14 de abril. Há, no entanto, pouco conhecimento acerca deste imperativo legal, e alguns estabelecimentos (...) criam dificuldades". (Nota 1: Jornal de Notícias de 20/08/ 2000, http://www.jn.pt) No Brasil, o contexto não é diferente. Algumas pessoas cegas foram barradas por estarem acompanhadas de cães-guia e recorreram à justiça para assegurar o direito de transitar livremente com o animal em espaços públicos. O metrô de São Paulo só permitiu a circulação de uma mulher cega acompanhada de seu cão- guia, por meio de decisão judicial, baseada na lei municipal 12.492/97, que assegura o acesso e trânsito de cães-guia em ambientes públicos. (Nota 2: Folha de São Paulo, 25/05/2000.)Por outro lado, em um condomínio residencial de Florianópolis, uma moradora cega tentou manter seu cão-guia no apartamento e os condôminos votaram, em assembléia, pela retirada do animal, recorrendo ao regulamento do condomínio que proíbe a permanência de animais no prédio. (Nota 3: Jornal Diário Catarinense, 14 de Maio de 2000.) Reações e posturas semelhantes demonstram falta de sensibilidade, negação da diferença, desconhecimento da legislação e desrespeito aos direitos fundamentais. São numerosos e desafiadores os obstáculos que dificultam ou impedem a locomoção, a livre circulação, a comunicação, a interação física e social das pessoas cegas ou com baixa visão em suas atividades diárias. Não raro, essas pessoas convivem com atitudes, atos discriminatórios e estruturas excludentes que convertem o cotidiano em campo de batalha e tornam a condição de cidadania mera abstração ou um ideal inatingível. Foto: Menino atravessando a rua em uma faixa de segurança utilizando uma bengala. *O transporte e as vias públicas* As barreiras percebidas, no transporte, nas ruas e vias públicas em geral, tornam o espaço urbano intransitável para qualquer pessoa e inacessível para as que têm dificuldade de locomoção ou mobilidade reduzida. Em decorrência, “esses problemas fazem da locomoção dos deficientes visuais uma verdadeira aventura pela cidade, tornando as atividades que poderiam ser muito simples, em algo complexo que atrapalha de modo significativo o nosso direito de ir e vir.” (Nota 4: Opinião expressa em uma das respostas do questionário.) Das 83 pessoas que responderam ao questionário, 72 são usuárias de transporte coletivo e 25 delas se mostram insatisfeitas com os serviços e as condições existentes. Relacionam inúmeras dificuldades das quais ressaltamos: pegar ônibus fora dos terminais; acesso nas estações de comboio e do metropolitano; obter informações, o itinerário e o não anúncio das estações do metrô; no ponto de ônibus, sozinho principalmente quando chove; na entrada dos transportes e a comprar bilhetes nos autocarros; acesso ao transporte, degraus e assentos sempre ocupados; arquitetura interna dos ônibus e superlotação; descer do ônibus é um perigo constante; obter informações de motoristas e passageiros, os quais não entendem por que e para que uma pessoa cega insiste em sair sozinha; pessoas que trabalham com transporte coletivo pouco preparadas para lidar com portadores de deficiência, qualquer que seja a deficiência; falta de preparo de funcionários e da população em geral para conduzir um deficiente visual, ao atravessar a rua ou pegar o ônibus e transeuntes desatentos. A disposição desordenada e caótica do mobiliário urbano ganha realce e visibilidade através das pessoas cegas que deparam com barreiras tais como: cabines telefônicas ou orelhões e lixeiras sem sinalização; veículos estacionados irregularmente em passeios públicos; obras sem proteção ou cordão de isolamento, cuja maleabilidade e altura não são detectadas pela bengala; esgoto e bueiros abertos, dejetos, buracos, sacos de lixo, entulhos, pisos quebrados; cartazes, placas publicitárias, mesas e cadeiras nas calçadas; falta de sinais sonoros nas ruas; toldos baixos avançados nas calçadas e outros obstáculos aéreos; vegetação agressiva, vasos, canteiros, jardineiras e árvores com ramos baixos sem proteção; camelôs, bancas de frutas, carrinhos de pipoca e de hot-dog; pavimentação irregular, calçadas com aclives e declives; portões abertos ou que se abrem automaticamente; barras de ferro, postes metálicos finos e de difícil localização pela bengala; falta de alinhamento na construção dos edifícios; excesso de ruído próprio dos centros urbanos; elemento surpresa como andaimes nas calçadas; falta de sinais de trânsito nas ruas e avenidas mais movimentadas; falta de faixas de segurança com sinaleira para travessia de pedestre; inexistência de calçamento, degraus nas calçadas; semáforos com pouca luz e todo tipo de barreira arquitetônica e ideológica. O impacto dessas barreiras sobre as pessoas com dificuldade de locomoção ou mobilidade reduzida reflete o caos e a desordem dos centros urbanos. A relação de incompatibilidade entre os cidadãos e o meio circundante é caracterizada pelos ambientes restritivos, espaços inacessíveis e pelas estruturas excludentes. esta perspectiva, “imagine o que é viver em um mundo em que caixas de correio e orelhões são como obstáculos em pistas de corrida. É dessa forma que os deficientes visuais do Recife descrevem a cidade: um local planejado para quedas e acidentes”. (Nota 5: Diário de Pernambuco, 23/07/2000.) A variedade de obstáculos móveis, imóveis, ocasionais ou permanentes exprime a concepção de espaço urbano projetado para uma espécie de “homem-padrão”, cuja imagem idealizada desconsidera diferenças e peculiaridades dos pedestres reais. A implantação e a implementação de serviços, equipamentos públicos, projetos e outras iniciativas, que poderiam favorecer a locomoção e a mobilidade de pessoas cegas, foram assinaladas por 21 sujeitos da amostra. É o caso, por exemplo, da constatação de leis municipais, quase sempre ignoradas ou descumpridas e de ações localizadas das quais se distingüem: implantação de passarelas, pisos táteis ou linhas-guia em trechos estratégicos na área urbana; elevadores com painel em Braille dispersos em prédios públicos e particulares; projetos de adaptação de ônibus, de plataformas do metrô e de prédios públicos; semáforos sonoros isolados e funcionários treinados para atender aos deficientes visuais em estações de metrô. Os exemplos focalizados são indicadores de ações fragmentárias que se mostram insipientes e quase imperceptíveis no complexo cenário urbano, sendo realçadas apenas em pontos dispersos de uma região ou do país. Alternativas dessa natureza tendem a ser motivadas por grupos de pressão ou derivam de projetos circunscritos em contextos específicos com níveis de prioridade, relevância e amplitude relativas e nem sempre congruentes. Representam investimentos e ações focais desarticuladas da efetivação de políticas públicas concebidas sob o primado da igualdade de oportunidades para todos e sob a égide dos direitos fundamentais. Foto: Menina escrevendo com máquina de datilografia Braille. *Acessibilidade e cidadania* As atividades escolares, profissionais e de vida diária das pessoas cegas ou com baixa visão são facilitadas pelo uso de equipamentos e outros meios indispensáveis ao desenvolvimento de suas potencialidades. De acordo com as respostas do questionário, as máquinas de escrever em Braille, os gravadores, os livros sonoros, os ledores, os computadores com linha Braille ou softwares com síntese de voz, leitores de tela e ampliadores, as impressoras Braille e os auxílios ópticos são as alternativas mais recorrentes. O Sistema Braille é um recurso preponderante ou complementar na conjugação destas alternativas. Os dispositivos e as ferramentas de informática, considerados de grande relevância, ainda são inacessíveis para a maioria das pessoas. A falta a precariedade de serviços especializados são indicadas como fatores que dificultam e comprometem a escolarização destas pessoas. As respostas detectadas revelam a escassez de material pedagógico adequado e de livros transcritos para o Sistema Braille, sonoros ou em suporte digital acessível. Os alunos com baixa visão revelam as limitações do ambiente físico e das condições de iluminação. Estes alunos necessitam de material ampliado, de desenhos, imagens e gráficos em relevo. Os estudantes universitários e os profissionais cegos explicitam a necessidade de acesso à literatura especializada e às tecnologias assistivas em diversas àreas do conhecimento e no mundo do trabalho. Das 83 pessoas que responderam ao questionário, 19 tiveram dificuldades de acesso e permanência em escolas de ensino regular, enquanto 64 perderam a visão na idade adulta ou estudaram em escolas especiais. Em alguns casos, as famílias optaram por transferir-se de cidade ou separar-se dos filhos para garantir o acesso à escolarização especial, alternativa justificada em razão de reiteradas recusas ou da protelação de matrículas em escolas regulares, além de presumível despreparo dos educadores destas escolas ao lidar com alunos cegos ou com baixa visão. Apresentamos, a seguir, as sugestões propostas pelos sujeitos da pesquisa, tendo em vista o acesso à leitura, a escrita e à informação em geral. Para estas pessoas, a acessibilidade poderia ser viabilizada por meio de investimentos e ações tais como: ampliação e otimização das bibliotecas e serviços especializados existentes; incentivos e subsídios financeiros que possibilitem o acesso às tecnologias disponíveis no mercado; provisão de equipamentos e de programas com interfaces específicas como ampliadores de tela, sintetizadores de voz, impressoras e conversores Braille, dentre outras possibilidades, em escolas, bibliotecas e demais espaços educativos; atualização do acervo bibliográfico das universidades, produção de livros em disquetes ou CD-ROM, maior circulação de livros digitalizados em formato alternativo; estabelecimento de normas e regras de acessibilidade para a criação e manutenção de sites que possibilitem a navegação, utilização de serviços, acesso às informações e às interfaces gráficas na internet; produção simultânea, por parte das editoras, de formatos alternativos às edições em papel; criação de bibliotecas virtuais com acervo diversificado e acessível aos leitores com necessidades especiais e conversão de jornais, revistas e livros em vários idiomas para edição sonora ou eletrônica. Da amostra estudada, 19 pessoas admitem não ter autonomia para assinar documentos. Entre elas, algumas esclarecem que só aprenderam a escrever por meio do Sistema Braille e que não se ensinava a assinar em tinta. Outros têm autonomia relativa porque determinadas transações ficam atreladas à exigência de procuradores. É o caso, por exemplo, da abertura de contas correntes, aquisição ou aluguel de imóveis, abertura de crédito ou a compra de aparelhos celulares. Tal imposição é praticada de forma arbitrária e aleatória, uma vez que não se aplica às mesmas situações em todos os lugares. Em muitos casos, torna-se necessário percorrer um labirinto burocrático para vencer as barreiras impostas, o que exige tempo, paciência e disposição. Em conseqüência, algumas pessoas reagem passivamente, ao desconhecerem seus direitos, ou para evitar transtornos e desgastes emocionais. Por outro lado, a arbitrariedade também é confrontada com reações incisivas. Neste sentido, deparamos com um depoimento ilustrativo: “a única vez que tentaram me impedir de comprar algo, com meu cheque, apontei minha bengala para uma televisão exposta na loja de eletrodomésticos e perguntei se quebrando aquele televisor inteiro, aceitariam meu cheque para pagar o prejuizo! Engraçado, aceitaram!” (Nota 6: Depoimento relatado em uma das respostas do questionário.) O apego a normas restritivas de cunho protecionista encobre atitudes e atos discriminatórios que acabam por violar direitos e disseminar o estigma da incapacidade. Além disso, constituem atos lesivos por invadir a privacidade, provocar constrangimentos e impor tutelas desnecessárias, dificultando a vida pessoal e social destas pessoas. Nesta perspectiva, “deve-se ressaltar que a exigência de que um procurador indicado em documento público represente o deficiente visual, é impor-lhe a qualidade de incapaz e esta atitude é ilegal, pois onde a lei não restringe, não é lícito a ninguém fazê-lo”. (...) A falta de visão não é empecilho para o cidadão movimentar sua conta como não foi a falta de audição para que Beethoven pudesse deixar às gerações futuras o legado de sua música. Como irá fazê-lo?”(...) Ora, deixe que ele responda... Com o auxílio de um ledor, de um secretário, de um parente, de um guarda, de quem quer que seja mas, eleito por ele, na hipótese de sentir a necessidade da ajuda. Ao Banco, cabe a tarefa de facilitar-lhe o acesso à tecnologia, à leitura das cláusulas contratuais, à perfeita movimentação dos cartões, aliás, como faz (e deve fazer) com o idoso e com todo aquele que precisa de tratamento especial para ver garantido os seus direitos”.(Nota 7: Ação Civil Pública com Pedido de Ordem Liminar, Cuiabá - MT, 15 de fevereiro de 2000.) Foto: Menina usando um óculos monofocal. *Conclusão* As pessoas cegas costumam despertar atenção, curiosidade e estranheza, ao fazer compras, combinar peças do vestuário, lidar com talheres, dinheiro ou realizar tarefas igualmente prosaicas. É como se fossem “párias” em uma comunidade de cidadãos in visíveis, cujos direitos são esquecidos, negligenciados ou negados cotidianamente. Portanto, torna-se necessário insistir na afirmação de direitos básicos que assegurem a igualdade de oportunidades para todos. Neste sentido, convém potencializar o compromisso dos agentes públicos, a promoção de ações educativas e a participação dos sujeitos envolvidos. As necessidades de cada pessoa têm igual relevância e deveriam constituir a base do planejamento social. *Notas* 1- Jornal de Notícias de 20/08/2000, http://www.jn.pt 2- Folha de São Paulo, 25/05/2000. 3- Jornal Diário Catarinense, 14 de Maio de 2000. 4- Opinião expressa em uma das respostas do questionário. 5- Diário de Pernambuco, 23/07/2000. 6- Depoimento relatado em uma das respostas do questionário. 7- Ação Civil Pública com Pedido de Ordem Liminar, Cuiabá - MT, 15 de fevereiro de 2000. *Referências Bibliográficas* LUSSEYRAM, J. Cegueira, uma nova visão do mundo e o cego na sociedade. Ed. Associação Beneficente Tobias. 1ª ed. São Paulo,1983. MASINI, Elcie F.S. O perceber e o relacionar-se do deficiente visual. Brasília: CORDE, 1994. MASINI, Elcie F.S. Do sentido... pelos sentidos... para o sentido: o sentido das pessoas com deficiências sensoriais. Vetor Editora Psicopedagógica. São Paulo. 2002. QUEVEDO, Antônio A. Oliveira, F. J. e Mantoâ, Maria Teresa E. (orgs) Mobilidade, educação e comunicação. WVA, Rio de Janeiro, 2000. ONU. Resolução aprovada em assembléia geral sobre Normas Uniformes pela Igualdade de Oportunidades para Pessoas com Deficiências. Washington, 1994. (mimeo). *ANEXO* Questionário sobre acessibilidade 1- Para sua locomoção, você utiliza com frequência: ( ) bengala ( ) guia humano ( ) cão-guia ( ) outros ( ) nenhum 2- Utiliza com frequência meios de transporte? ( ) Sim ( ) Não Em caso afirmativo, quais? ..... 3- Enfrenta dificuldades em sua locomoção e mobilidade no transporte? ( ) Sim ( ) Não Em caso afirmativo, especifique: ..... 4- Quais as principais barreiras que dificultam ou impedem sua locomoção nas ruas e vias públicas em geral? ..... 5- Em sua opinião, o que poderia ser feito para eliminar tais barreiras? ..... 6- Em sua cidade, local de moradia ou de trabalho, existem serviços, equipamentos públicos, algum tipo de investimento ou alternativas que favoreçam sua locomoção e mobilidade? ( ) Sim ( ) Não Em caso afirmativo, especifique: ..... 7- Você enfrentou obstáculos para entrar na escola? ( ) Sim ( ) Não Em caso afirmativo, quais? ..... 8- Quais os recursos mais utilizados em sua vida escolar? ..... 9 - O que poderia facilitar seu acesso à leitura, a escrita e à informação em geral? ..... 10 - Você tem autonomia para assinar documentos, comprar ou alugar imóveis, movimentar contas bancárias e outras transações similares? ( ) Sim ( ) Não Em caso negativo, por quê? ..... 11- Utiliza recursos tecnológicos e informáticos? ( ) Sim ( ) Não Em caso afirmativo, especifique os principais recursos utilizados: ..... 12- Sugestões e considerações gerais: ..... *Enfoque 19* Ricardo Tadeu Marques da Fonseca (Procurador Regional do Ministério Público do Trabalho . 9ª Região, Professor de Direito do Trabalho da Faculdades do Brasil, Especialista e Mestre em Direito do Trabalho pela Universidade de São Paulo e Doutor pela Universidade Federal do Paraná.) e-mail: ricardot@prt9.mpt.gov.br *Os Direitos Humanos e a pessoa com deficiência no mercado de trabalho* Foto: Mulher atendendo telefone. *I(1) - Da igualdade formal à igualdade real* A atuação do Ministério Público do Trabalho demostrou a importância do esforço em prol da inserção das pessoas com deficiência no trabalho. A lei brasileira, por estímulo constitucional, estabelece ação afirmativa categórica nesse sentido, fixando cotas de reserva de vagas, tanto na esfera pública, quanto na privada. De outra parte, a condição de exclusão das pessoas com deficiência do convívio social é milenar e reveladora do quão distante estão estas pessoas de condições mínimas de cidadania erigidas desde o princípio da cultura ocidental. O direito de livre expressão, de ir e vir, de votar e ser votado, bem como os direitos sociais de educação, habitação, trabalho e saúde estão, até certo ponto, conquistados, apesar das ameaças e insuficiências constantes em relação a todos do povo. O grupo das pessoas com deficiência, no entanto, deles não usufrui por causa da inadequação do Direito e das estruturas físicas nas cidades e nas empresas para lhes permitir a fruição dessas liberdades e conquistas. A par disso, assinale-se que os direitos sociais e as próprias liberdades individuais vêm sendo francamente agredidas, não só no terceiro mundo, como nos países do capitalismo central. A doutrina de segurança nacional, o Tribunal de Guantânamo, a polícia mundial norte-americana e a pretensa hegemonia ideológica da globalização econômica trazem riscos concretos à permanência dos direitos humanos, submetidos que podem ficar ao poder econômico e das armas. A compreensão da importância da História como instrumento de validação da correlação de forças e da origem e destino da vida em sociedade impeliu à discussão que se trava nesse trabalho. Como se falar em emprego especial para pessoas com deficiência, se o próprio emprego se encontra estruturalmente ameaçado? É justa esta preferência? São as questões que emergem ao se analisar as ações afirmativas de que se cuidam. A História, porém, fornece elementos suficientes para que se compreenda que as transformações que se travam no mundo do trabalho, em razão da tecnologia e da globalização econômica, incitam mudanças na forma da prestação de serviços, mas substancialmente não a alteram, pois, apesar das inovações expressas na terceirização, no teletrabalho e na prestação autônoma de serviço, dos quais vêm se servindo as empresas, a partir da política do downsizing e da reengenharia, que estiveram muito em voga nos anos 80 e 90, o Direito do Trabalho se mantém íntegro. Seus princípios oferecem respostas firmes, eis que dizem respeito à dignidade da pessoa e ao fato de que ela, a dignidade, está fora do mercado. O naufrágio das políticas econômicas neoliberais que acenavam com a pujança dos “Tigres Asiáticos”, como argumento para justificar a precarização do trabalho, evidenciou-se ante a constatação de que a perda de poder de consumo da classe trabalhadora acaba por impedir a própria evolução do mercado e de que as pessoas não se conformam com imposições econômicas sobre valores humanos que se lapidaram a partir da modernidade, veja-se, por exemplo, a rejeição do povo francês à lei do primeiro emprego. A crise desses valores só encontra resposta neles mesmos, a partir da dinamização daquelas promessas do século XVIII(18) e XIX(19) para que assumam dimensões coletivas amplas e se aperfeiçoem para abarcar a diversidade humana, esta diversidade que não é burguesa ou proletária, tão somente. Perpassa a luta de classes, sem desprezá-la, mas reafirma novos valores que vão sendo incorporados pelo conhecimento acumulado e aprendido, inclusive, pela luta de classes. A afirmação das minorias fez a diferença depois da Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948. Revolucionou o Direito Constitucional, reafirmando-o a partir de princípios com força de norma, princípios que humanizaram o Direito, dirigido às pessoas, para sua dignidade. Dessa forma, o trabalho das pessoas com deficiência e as ações afirmativas que o garantem não são contrários ao clamor de justiça universal, confirmam-no na medida em que este grupo traz à tona, com suas reivindicações, questões de inclusão social que aperfeiçoam os direitos humanos, a partir da chamada igualdade real entre as pessoas; tão real que se reforça nas diferenças e delas emerge. A ignorância generalizada sobre as competências das pessoas com deficiência impede-lhes o acesso às condições mínimas de cidadania, como se afirmou. Sufoca-lhes o excesso de proteção assistencial e familiar. A despeito disso, rompem o véu milenar de opressão estética, cultural e comportamental e brandem bandeiras até então desconhecidas e que fortalecem as lutas de todas as minorias, fazendo com que o discurso economicista se coloque no seu lugar, eis que as condições humanas, que se evidenciam a partir das limitações ínsitas a toda a humanidade, também emprestam a alavanca que permite a superação de fronteiras físicas, sociais, políticas e tecnológicas. Cada vez que se cria um novo equipamento tecnológico ou se supera uma barreira cultural, as pessoas todas ganham espaço em sociedade e as pessoas com deficiência, antes estigmatizadas, não mais se limitam, pois se verifica que a limitação não está nelas e sim na capacidade da humanidade em lhe propiciar oportunidades. Esta é a importância da idéia de sociedade inclusiva: a igualdade na incorporação da diferença. O Direito do Trabalho veio como o primeiro instrumento jurídico que tratou da igualdade substancial, visto que o confronto direto entre capital e trabalho evidenciou a insuficiência da mera afirmação formal de que todos são iguais perante à lei. Suas bases axiológicas possibilitaram o lançamento dos alicerces das ações afirmativas que são as mesmas, na medida em que as confirmam e reproduzem, voltadas agora para grupos menores, cuja projeção corta verticalmente as forças em conflito. Ele foi a ação afirmativa possível naquele momento, eis que o processo de lapidação dos direitos humanos não permitia outra percepção. De qualquer modo, os instrumentos que forjaram o Direito do Trabalho são os mesmos que aqui se aplicam para defender as ações afirmativas em prol das pessoas com deficiência. Nesse trabalho analisa-se, portanto, a origem do Direito do Trabalho, sua inclusão nas constituições, o novo Direito Constitucional que valoriza a dignidade da pessoa, justamente para se verificar as razões que, a partir dos anos 80, viabilizaram o Direito Internacional em prol das pessoas com deficiência, bem como as normas de ação afirmativa que vieram pelo Judiciário, nos países da Comonn Law, e pelas leis, nos países do Direito codificado. A própria construção do conceito de igualdade formal à igualdade substancial e à igualdade real acompanha a implementação de formas de combate à discriminação, discriminando, inclusive, positivamente, determinados grupos que foram historicamente excluídos do acesso à cidadania. As mulheres, os negros e os índios, por exemplo, ocuparam seu espaço apenas a partir do final do século XIX(19) e início do século XX(20), depois de muita violência que contra eles se perpetrou. A violência contra as pessoas com deficiência era calada, caridosa, mas tão veemente quanto a escravidão dos negros, ou a espoliação da terra dos índios, ou a submissão que se impôs às mulheres. Nenhum dos direitos humanos universais o são, efetivamente, mas a concretização de sua existência se faz a partir das novas demandas da História, que são provocadas pela ação política constante. O Direito pode ser um instrumento de opressão ou libertação, dependendo da forma que seja utilizado. É o que se vê com o novo Direito Civil que busca novas fronteiras que transcendem o patrimonialismo patriarcal que o gerou e que se dirigem à defesa da dignidade da pessoa, da sua personalidade. O Direito Civil passa a se nutrir de valores constitucionais, plurais, em prol da dignidade da pessoa, tal como fizera o Direito do Trabalho, desde sua origem. O novo Direito do Trabalho, por seu turno, colhe, do Direito Civil contemporâneo, novos elementos que o revalidam. Enquanto se fala na privatização das relações laborais, todavia, defende-se a publicização das relações civis e de consumo. As regras que protegem as pessoas com deficiência, por sua vez, evidenciam a necessidade de ambos, o Direito do Trabalho e o Direito Civil, todos balizados em princípios constitucionais que estão acima do mercado. Esse é o impulso que mobilizou esse estudo, de vez que a vivência deste membro do Ministério Público do Trabalho e cidadão com deficiência propiciou elementos pessoais e profissionais que aqui se fundem e oferecem recursos que atestam o que até aqui se disse e se procurará demonstrar doravante. Foto: Homem retirando pasta de um arquivo. *II(2) - Convenções da Organização Internacional do Trabalho* Convém, agora, expor-se o conteúdo da Convenção nº 111 (Nota 1: OIT, Convenios y recomendaciones... op. cit., p. 1.037-1.040.), de 1958, ratificada pelo Brasil por meio do Decreto Legislativo nº 62.150, de 19/01/68 e adotada na 42ª Conferência Geral da OIT, que fixa critérios gerais sobre discriminação no trabalho. Em seu preâmbulo, a Convenção em apreço toma por referência axiológica a Declaração de Filadélfia (Nota 2) para sublinhar que todos os seres humanos, sem distinção de raça, de crença ou de sexo, têm direito a perseguir seu bem-estar material e seu desenvolvimento espiritual em condições de liberdade e dignidade, de segurança econômica e em igualdade de oportunidades. Regula, destarte, os critérios de combate à discriminação no trabalho em quatorze artigos. Define o termo discriminação (artigo 1º), para fins de aplicação de seus dispositivos, da seguinte forma: a) qualquer distinção, exclusão ou preferência baseada em motivos de raça, cor, sexo, religião, opinião política, ascendência nacional ou origem social que tenha por efeito anular ou alterar a igualdade de oportunidades ou de tratamento no emprego e na ocupação; b) qualquer outra distinção, exclusão ou preferência que tenha por efeito anular ou alterar a igualdade de oportunidades ou de tratamento no emprego ou ocupação que poderá ser especificada pelo membro interessado mediante prévia consulta às organizações representativas de empregadores e trabalhadores, quando estas organizações existam, e a outros organismos apropriados (Nota 3). Nota 2: (Declaração de Filadélfia)"Em maio de 1944, a Conferência Internacional do Trabalho . a Assembléia - Geral da Organização . reunida em Filadélfia, nos Estados Unidos, aprovou uma declaração relativa aos fins e objetivos da OIT, conhecida pela Declaração de Filadélfia. Numa época do pós- guerra e da reconstrução, a Declaração reafirma os princípios orientadores da OIT, nos quais se deveria inspirar a política dos países-membros. São esses princípios os seguintes: o trabalho não é uma mercadoria; a liberdade de expressão e de associação é uma condição indispensável para um progresso constante; a pobreza, onde quer que exista, constitui um perigo para a prosperidade de todos; todos os seres humanos, qualquer que seja a sua raça, a sua crença ou o seu sexo, têm direito de efetuar o seu progresso material e o seu desenvolvimento espiritual em liberdade e com dignidade, com segurança econômica e com oportunidades iguais". (Disponível em: Acesso em: 14 de setembro de 2004). Nota 3: (Organismos Apropriados) OIT - Organização Internacional do Trabalho. Convenios y recomendaciones internacionales del trabajo . 1919-1984 . adoptados por la Conferencia Internacional del Trabajo, p. 1.037.). Exclui da esfera da discriminação qualquer exigência concernente à qualificação profissional específica a determinados postos de trabalho. Exorta os membros signatários (artigos 2º e 3º) a adotarem políticas públicas, em parceria com representantes de empregadores e trabalhadores, com o fito de proporcionar igualdade de oportunidades para empregos e ocupações, eliminando, assim, qualquer forma de discriminação a esse respeito. Excluem do campo da discriminação (artigos 4º e 5º) medidas adotadas em face de pessoas que exerçam atividades prejudiciais ao Estado, assim como medidas de proteção que se adotem em outras convenções ou recomendações da OIT, além de outras (medidas) decorrentes de consultas prévias a organizações de empregados e empregadores em favor de pessoas, cuja situação acarrete necessidade de compensação em face de discriminação notória, como o sexo, a deficiência, os encargos de família ou o nível social ou cultural. Estabelece critérios para a sua vigência (artigos 6º a 10º), determinando, para tal, um lapso de tempo de doze meses após a ratificação por parte de, pelo menos, dois membros e, em cada país, doze meses após o registro da respectiva ratificação pelo diretor-geral da OIT, o qual deve sempre ser comunicado das ratificações e comunicar a todos os membros o universo das ratificações ocorridas, para que a Convenção se faça obrigatória em todo o território do país-membro. A denúncia da Convenção poderá ser feita após dez anos da sua entrada em vigor. Finalmente (artigos 11º a 14º), cuida dos procedimentos de revisão e de divulgação internacional de suas normas. A Convenção nº 159, de 1983, assume importância primordial, de vez que representa a posição mais atual do organismo internacional em comento e será, por isso, verificada. O seu princípio basilar esteia-se na garantia de um emprego adequado e da possibilidade de integração ou reintegração das pessoas com deficiência nas sociedades. Em razão das condições práticas e das possibilidades nacionais, todo Estado que a ratificar deve formular e aplicar uma política nacional sobre readaptação profissional e emprego de pessoas com deficiência e garantir que as medidas, efetivamente, beneficiem as pessoas com deficiência de todas as categorias. Essa política deve basear-se no princípio da igualdade de oportunidades entre os trabalhadores com deficiência, de um ou de outro sexo, e os demais trabalhadores (sem excluir a possibilidade de que se tomem medidas positivas especiais em favor daqueles). A Convenção dispõe a obrigatoriedade da consulta às organizações representativas de empregadores e de trabalhadores, assim como as que representam as pessoas com deficiência, acerca da aplicação dessa mesma política. As pessoas com deficiência devem dispor de serviços de orientação, de formação, de colocação, de emprego ou de outras finalidades, bem adaptados às suas necessidades. Tais serviços devem promover-se igualmente nas zonas rurais e nas comunidades apartadas. O Convênio dispõe, além disso, medidas em favor do desenvolvimento da formação e da disponibilidade de assessores especializados (Nota 4: OIT . Organização Internacional do Trabalho. Resúmenes de normas internacionales del trabajo, p.29.). *III(3) - A legislação brasileira atual e o trabalho da pessoa com deficiência* A Constituição de 1988 é a primeira Carta Constitucional que enfatiza, sobremaneira, a tutela da pessoa com deficiência no trabalho. O artigo 1º elege como valores fundantes da República a dignidade da pessoa humana, a cidadania, bem como o valor social do trabalho e da livre iniciativa. O artigo 3º, ao seu turno, obriga o Estado Brasileiro a adotar medidas para: “construir uma sociedade livre, justa e solidária; (...); erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação”. O artigo 7º, inciso XXXI(31), preceitua: “proibição de qualquer discriminação no tocante a salário ou critérios de admissão do trabalhador portador de deficiência”. Estes dispositivos são de vital importância, como se vê, pois a nação brasileira assume o compromisso de admitir pessoa com deficiência como trabalhador, desde que sua limitação física não seja incompatível com as atividades profissionais disponíveis. O artigo 37º, inciso VIII(8), também da Constituição Federal, determina que “A lei reservará percentual dos cargos e empregos públicos para as pessoas portadoras de deficiência e definirá os critérios de sua admissão”. Na esfera privada, também se institui a obrigatoriedade de reserva de postos a portadores de deficiência. A lei nº 8.213/91 fixa os seguintes percentuais: “A empresa com 100 (cem) ou mais empregados está obrigada a preencher de 2% (dois por cento) a 5% (cinco por cento) dos seus cargos com beneficiários reabilitados ou pessoas portadoras de deficiência, habilitadas, na seguinte proporção: - até 200 empregados - 2% - de 201 a 500 empregados - 3% - de 501 a 1.000 - 4% - de 1001 em diante - 5%” A Lei nº 8.112, neste diapasão, impõe que a União reserve, em seus concursos, até 20% das vagas a portadores de deficiências, havendo iniciativas semelhantes nos Estatutos Estaduais e Municipais, para o regime dos servidores públicos. O artigo 203º, inciso IV(4), da Constituição, inclui entre os deveres da assistência social “a habilitação e reabilitação das pessoas portadoras de deficiência e a promoção de sua integração à vida comunitária”. O inciso V(5), do mesmo artigo, dispõe que os deficientes e idosos incapazes de se manter pelo próprio trabalho ou por auxílio da família, terão direito a uma renda mensal vitalícia equivalente a um salário mínimo, mediante regulamentação de norma específica, que veio pela Lei nº 8.742, de 7 de dezembro de 1993 (artigo 20º). O artigo 208º, inciso III(3), da Constituição, arrola entre os deveres do Estado, na órbita da atividade educacional, a oferta do atendimento educacional especializado, estabelecendo a preferência na rede regular de ensino. O artigo 227º, também da Constituição, grande monumento da doutrina da proteção integral da criança e do adolescente, no inciso II(2), fala na “criação de programas de prevenção e atendimento especializado para os portadores de deficiência física, sensorial ou mental, bem como de integração social do adolescente portador de deficiência, mediante o treinamento para o trabalho e a convivência, e a facilitação do acesso aos bens e serviços coletivos, com a eliminação de preconceitos e obstáculos arquitetônicos”. Regulamentando o dispositivo acima, a Lei nº 7.853, de outubro de 1989, institucionaliza a CORDE (Coordenação Nacional para Integração da Pessoa Portadora de Deficiência), estabelece mecanismo de tutela dos interesses difusos das pessoas deficientes, pelo Ministério Público, impõe a priorização das medidas de integração dos deficientes no trabalho e na sociedade, institui as Oficinas Protegidas de Trabalho e define como criminosa a conduta injustamente discriminatória de deficientes no trabalho e no ensino. Dispõe, ainda, em seu artigo 2º, inciso III(3), letra “d”, que cabe ao Poder Público e a seus órgãos assegurar às pessoas portadoras de deficiência o pleno exercício de seus direitos básicos, inclusive do direito ao trabalho, devendo ser dispensado tratamento adequado tendente a viabilizar a adoção de legislação específica, disciplinando a reserva de mercado de trabalho em favor dessas pessoas, nas entidades da Administração Pública e do setor privado, e regulamentando a organização de oficinas e congêneres integradas ao mercado de trabalho, e a situação, nelas, das pessoas com deficiência. Tanto a Constituição quanto a Lei Ordinária traçam enunciados, princípios, cuja aplicação vinha se fazendo de forma casuística, nos vários níveis da Federação. Proliferaram leis municipais, estaduais ou mesmo editais, adotando critérios profundamente díspares, os quais suscitaram dúvidas de aplicação, ou mesmo inviabilizaram o Direito contemplado nos instrumentos normativos retro mencionados. O Decreto nº 3.298 regulamenta a Lei nº 7.853, implementando mecanismos para a concretização da reserva de vagas nos concursos públicos. Dedica à matéria os artigos 37º a 44º, traçando, a partir da experiência acumulada, novas diretrizes visando a superação de problemas enfrentados pelos portadores de deficiência, que se confrontavam com regras que, à guisa de regulamentar a reserva de vagas, findavam por inviabilizar a aprovação daqueles candidatos. Garante-se a igualdade de condições das pessoas com deficiência aos demais candidatos quanto à inscrição, observando-se, outrossim, o percentual mínimo de 5% de vagas reservadas. Excetuam-se desta regra os cargos em comissão ou função de confiança, ou aqueles cujo exercício demande aptidão plena. Grande avanço se obteve, ao se fixar o percentual mínimo de 5%. A maioria das leis estaduais e municipais falava em até 5%, o que possibilitava a fixação de percentuais irrisórios. Disciplinam-se, ademais, as regras que deverão constar dos editais, pautando- as por critérios concernentes à cidadania do candidato com deficiência. Com o intuito de fixar condições de igualdade, o decreto determina que a autoridade competente não pode obstar a inscrição do deficiente, que, por sua vez, deve declarar e comprovar sua condição, indicando os instrumentos de adaptação que poder á necessitar durante a realização do concurso e do estágio probatório. Devem estar previstos, também, o número de vagas existentes e o total correspondente à reserva destinada às pessoas com deficiência, bem como as atribuições e tarefas essenciais dos cargos a serem ocupados. A pessoa portadora de deficiência participará do concurso em igualdade de condições com os demais candidatos, no que se refere ao conteúdo e avaliação das provas, aos critérios de aprovação, ao horário e ao local de aplicação dos exames, à nota mínima exigida para todos os demais candidatos e à publicação dos resultados finais. Assinale-se que o critério de avaliação deverá ser o mesmo utilizado para todos os candidatos, portadores ou não de deficiências. As regras anteriores ao decreto normalmente atribuíam a uma comissão médica o dever de aferir, após a aprovação no concurso e antes do estágio probatório, se a deficiência apresentada pelo candidato seria compatível com a função a ser exercida, o que impunha duplo ônus às pessoas com deficiência. Deviam ser aprovadas no concurso e pela comissão médica e ter o aval dessa comissão para se submeterem ao estágio probatório. Buscou-se afastar essa injustiça inserindo-se, na Comissão, membros da carreira a ser abraçada pelo candidato. Conferiu-se àquela comissão, ademais, o dever de avaliar os instrumentos que o candidato necessitará durante o concurso, bem como, em caso de aprovação, o dever de acompanhá-lo durante o estágio probatório, assegurando-lhe instrumentos e meios de apoio necessários para a sua integração. Na esfera privada, o decreto delineia a inserção competitiva, a inserção seletiva, as oficinas protegidas e o trabalho independente, autônomo. Aponta a inserção competitiva como sendo aquela em que a pessoa com deficiência ingressa no mercado de trabalho em condições de quase absoluta igualdade com qualquer outro trabalhador, no que concerne à execução do seu trabalho, necessitando, tão somente, de apoios instrumentais que supram suas restrições físicas ou sensoriais. A inserção seletiva dar-se-á quando forem necessários, além dos instrumentos de apoio, procedimentos especiais, como horário diferenciado, adaptação do meio ambiente, atuação de orientadores ou acompanhantes, etc. Nos dois casos, na inserção competitiva ou na inserção seletiva, serão garantidos todos os direitos trabalhistas e previdenciários. Admite a inserção seletiva por intermediação de entidades especializadas. O decreto incentiva, outrossim, o trabalho independente, por meio das chamadas cooperativas sociais, reguladas pela Lei nº 9.867/99. Há que se atentar, porém, para as possíveis fraudes, tão usualmente encontradas entre as cooperativas de trabalho. As oficinas protegidas são aquelas que se encontram no interior de entidades que desenvolvem trabalhos terapêuticos, visando a preparação do portador de deficiência para um futuro processo seletivo ou competitivo de trabalho. Tal procedimento é indispensável com relação a algumas deficiências mentais ou físicas, cujo grau de comprometimento afete os processos de sociabilização das pessoas com deficiência. As oficinas protegidas podem ser de produção ou meramente terapêuticas. Tanto nas primeiras como nas segundas não haverá, em tese, vínculo de emprego, exceto nas de produção, desde que presentes os elementos legais caracterizadores da relação de emprego. Finalmente, o ECA, em seu artigo 66º, também obriga a que a sociedade brasileira atente para a proteção do trabalho do adolescente deficiente, o que faz com acerto, visto que duplas são as peculiaridades do adolescente portador de deficiência, as quais suscitam necessidade mais intensa de proteção, para que lhe possibilite a integração adequada na sociedade, afastando-o da política de caridade meramente assistencial, que o impelirá inexoravelmente à marginalidade. É com esta intenção que a Lei do Estágio amplia o estágio profissionalizante às escolas especiais de qualquer grau. O direito à profissionalização assume, aqui, papel imprescindível de socialização do portador de deficiência, eis que suas limitações para o trabalho se constituem em barreiras tão somente instrumentais, mesmo que seja ele portador de deficiência física, mental ou sensorial. Todas elas são superáveis, desde que se rompam os preconceitos atávicos, herdados, talvez, das concepções antigas dos povos primitivos, de que o portador de deficiência é um “pecador punido por Deus” que deve ser segregado. A Lei nº 11.180/2005, possibilita também a formalização de contratos de aprendizagem com pessoas com deficiência, a partir dos 14 anos, sem limite teto de idade. Isto para estimular parceria entre empresas e ONGs que militam com pessoas com deficiência. As últimas têm acumulado conhecimentos há décadas, acerca das necessidades técnicas e profissionalizantes das pessoas com deficiência, e a soma de suas atividades com as empresas poderá superar a notória precariedade educacional das pessoas com deficiência, em relação à população brasileira. Ademais, as empresas que devem preencher cotas de trabalhadores com deficiência também devem tê-las preenchidas como aprendizes. Importante, porém, frisar que, uma pessoa com deficiência aprendiz somente ocupará a cota de aprendiz, eis que tem finalidade específica e lida com contratos de prazo determinado, exatamente para formar trabalhadores. A cota referente à pessoas com deficiência abarca realidade distinta, uma vez que concernente a contratos definitivos. *IV(4) - Conclusão* 1. As ações afirmativas em prol das pessoas com deficiência no trabalho implicam a interação dos direitos humanos, porque lhes asseguram direitos fundamentais ancestrais até hoje negados. 2. A Constituição Brasileira respalda amplamente as leis que garantem o acesso ao trabalho e à educação profissional das pessoas com deficiência. 3. Cabe ao Direito do Trabalho, assim, despir-se dos preconceitos e buscar, cientificamente, a compreensão dos reais limites das pessoas com deficiência para, cumprindo seu papel histórico, garantir-lhes condições de igualdade plena aos demais trabalhadores. 4. A reserva de vagas na Administração Pública ou nas empresas privadas jamais poderá ser considerada como uma proteção paternalista; trata-se, isto sim, da própria revelação da essência do Direito do Trabalho, o qual nasce da premissa básica de que a lei deve assegurar a igualdade real entre as pessoas, suprindo as desigualdades que se constituam em fatores de segregação. *Enfoque - 25* Teófilo Alves Galvão Filho (Mestre e doutorando em Educação pela Universidade Federal da Bahia (UFBA), Especialista em “Informática na Educação” e Engenheiro. É professor e coordenador do Programa InfoEsp (www.infoesp.net), das Obras Sociais Irmã Dulce, em Salvador/Bahia e professor da UNIME (teogf@ufba.br, teofilo@infoesp.net, www.galvaofilho.net).) e-mail: teofilo@infoesp.net Luciana Lopes Damasceno(Pedagoga, Especialista em “Projetos Educacionais e Informática” e em “Alfabetização Infantil”. É professora do Programa InfoEsp e do Instituto de Cegos da Bahia (lucidamasceno@uol.com.br, http://lucianalopesdamasceno.vilabol.uol.com.br).) e-mail: lucidamasceno@uol.com.br *Tecnologias Assistivas para autonomia do aluno com necessidades educacionais especiais* Foto: Aluna digitando com os dedos do pé esquerdo (o teclado está posicionado em uma mesa adaptada próxima ao chão). Resumo O presente artigo busca apresentar e discutir o uso de diferentes Tecnologias Assistivas, disponibilizadas para a construção da autonomia, aprendizado, desenvolvimento e inclusão social de alunos com necessidades educacionais especiais, analisando e descrevendo principalmente recursos simples, acessíveis e de baixo custo, porém de alta funcionalidade. Palavras-chave: Tecnologias Assistivas, Autonomia, Alunos com necessidades, educacionais, especiais, Educação inclusiva Abstract The aim of this work is to present and debate the use of diverse Assistive Technologies aesily available to boost autonomy, learning, development and social inclusion of students with special educational needs, analyzing and describing main simple resources accessible and cheap ones, though highly functional. Keywords: Assistive Technologies, Autonomy, Students with special educational needs, Inclusive education *I(1) - Introdução* Novas realidades e novos paradigmas emergem na sociedade humana, nos dias de hoje. Uma sociedade mais permeável à diversidade questiona seus mecanismos de segregação e vislumbra novos caminhos de inclusão social da pessoa com deficiência. Este fato tem estimulado e fomentado novas pesquisas, inclusive com a apropriação dos acelerados avanços tecnológicos disponíveis na atualidade. A presença crescente das Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC’s) aponta para diferentes formas de relacionamento com o conhecimento e sua construção, assim como novas concepções e possibilidades pedagógicas. Nessa perspectiva, o presente artigo busca analisar e discutir a conjunção dessas diferentes realidades: a utilização de Tecnologias Assistivas (TA.s) para o “empoderamento” do aluno com necessidades educacionais especiais, possibilitando ou acelerando o seu processo de aprendizado, desenvolvimento e inclusão social, apontando para o fim da, ainda bem presente, invisibilidade dessas pessoas em nossa sociedade. E, também, discutir a apropriação dos recursos de ambientes computacionais e telemáticos, para estas mesmas finalidades. Essa conjunção é uma possibilidade ainda bastante nova e pouco investigada, principalmente porque ainda são muito recentes os acelerados avanços das Tecnologias de Informação e Comunicação, assim como os estudos dos novos ambientes de aprendizagem possíveis através do uso de adaptações e Tecnologias Assistivas. Conforme destacou Vygostsky, é sumamente relevante para o desenvolvimento humano o processo de apropriação, por parte do indivíduo, das experiências presentes em sua cultura. O autor enfatiza a importância da ação, da linguagem e dos processos interativos na construção das estruturas mentais superiores (VYGOTSKY, 1987). O acesso aos recursos oferecidos pela sociedade, escola, tecnologias, etc., influencia determinantemente nos processos de aprendizagem da pessoa. Entretanto, as limitações do indivíduo com deficiência tendem a tornar-se uma barreira a este aprendizado. Desenvolver recursos de acessibilidade seria uma maneira concreta de neutralizar as barreiras causadas pela deficiência e inserir esse indivíduo nos ambientes ricos para a aprendizagem, proporcionados pela cultura. Outra dificuldade que as limitações de interação trazem consigo são os preconceitos a que o indivíduo com deficiência está sujeito. Desenvolver e disponibilizar recursos de acessibilidade, as Tecnologias Assistivas, também podem significar combater esses preconceitos, pois, no momento em que lhe são dadas as condições para interagir e aprender, explicitando o seu pensamento, o indivíduo com deficiência mais facilmente será tratado como um “diferente-igual”. Ou seja, “diferente” por sua condição de pessoa com deficiência, mas ao mesmo tempo “igual” por interagir, relacionar-se e competir em seu meio com recursos mais poderosos, proporcionados pelas adaptações de acessibilidade de que dispõe. É visto como “igual”, portanto, na medida em que suas “diferenças”, cada vez mais, são situadas e se assemelham com as diferenças intrínsecas existentes entre todos os seres humanos. Esse indivíduo poderá, então, dar passos maiores em direção à eliminação das discriminações, como consequência do respeito conquistado com a convivência e com o aumento da sua auto-estima, porque passa a poder explicitar melhor seu potencial e pensamentos. *II(2) - Tecnologias Assistivas: de que se trata?* A Norma Internacional ISSO 9999 define as Tecnologias Assistivas, também chamadas Ajudas Técnicas, como: [...] qualquer produto, instrumento, estratégia, serviço e prática, utilizado por pessoas com deficiência e pessoas idosas, especialmente produzido ou geralmente disponível para prevenir, compensar, aliviar ou neutralizar uma deficiência, incapacidade ou desvantagem e melhorar a autonomia e a qualidade de vida dos indivíduos. (ISO 9999) Resumindo, Tecnologia Assistiva é toda e qualquer ferramenta, recurso ou processo utilizado com a finalidade de proporcionar uma maior independência e autonomia à pessoa com deficiência. São consideradas Tecnologias Assistivas, portanto, desde artefatos simples, como uma colher adaptada ou um lápis com uma empunhadura mais grossa para facilitar a preensão, até sofisticados programas especiais de computador que visam a acessibilidade. A ISO 9999 classifica as Ajudas Técnicas ou Tecnologias Assistivas em dez áreas diferentes. Existe um número incontável de possibilidades, de recursos simples e de baixo custo, que podem e devem ser disponibilizados nas salas de aula inclusivas, conforme as necessidades específicas de cada aluno com necessidades educacionais especiais presente nessas salas, tais como: suportes para visualização de textos ou livros (foto 1); fixação do papel ou caderno na mesa com fitas adesivas; engrossadores de lápis ou caneta confeccionados com esponjas enroladas e amarradas, ou punho de bicicleta, ou tubos de PVC “recheados” com epóxi; substituição da mesa por pranchas de madeira ou acrílico fixadas na cadeira de rodas; órteses diversas, e inúmeras outras possibilidades. Com muita freqüência, a disponibilização de recursos e a adaptações bastante simples e artesanais, às vezes pesquisados e desenvolvidos por seus próprios professores, tornam-se a diferença, para determinados alunos com deficiência, entre poder ou não estudar e aprender junto com seus colegas. Hoje em dia, é sabido que as novas Tecnologias de Informação e Comunicação vêm se tornando, de forma crescente, importantes instrumentos de nossa cultura e, sua utilização, um meio concreto de inclusão e interação no mundo (LEVY, 1999). Foto 1: Suporte para texto ou livro. Essa constatação é ainda mais evidente e verdadeira quando nos referimos a pessoas com deficiência. Nesses casos, as tecnologias, o computador e a internet, podem ser utilizados ou como Tecnologia Assistiva, ou por meio de Tecnologias Assistivas. Utilizamos o computador como Tecnologia Assistiva quando o próprio computador é a ajuda técnica para atingir um determinado objetivo. Por exemplo, o computador utilizado como caderno eletrônico, para o indivíduo que não consegue escrever no caderno comum de papel. Por outro lado, o computador é utilizado por meio de Tecnologias Assistivas, quando o objetivo final desejado é a utilização do próprio computador, para o que são necessárias determinadas ajudas técnicas que permitam ou facilitam a realização dessa tarefa. Por exemplo, adaptações de teclado, de mouse, softwares especiais, etc. As diferentes maneiras de utilização do computador como Tecnologia Assistiva têm sido sistematizadas e classificadas das mais variadas formas, dependendo da ênfase que quer dar cada pesquisador. Optou-se, aqui, por utilizar uma classificação que divide essa utilização em quatro áreas (SANTAROSA, 1997): 1. As tecnologias como sistemas auxiliares ou prótese para a comunicação: por exemplo, com a informatização dos sistemas tradicionais de comunicação alternativa, como os sistemas Bliss, PCS ou PIC, entre outros. 2. As tecnologias utilizadas para controle do ambiente: por exemplo, o conceito atualmente denominado de “casa inteligente”. 3. As tecnologias como ferramentas ou ambientes de aprendizagem. 4. As tecnologias como meio de inserção no mundo do trabalho profissional. Com certa freqüência essas quatro áreas se relacionam entre si, podendo determinada pessoa estar utilizando o computador com finalidades presentes em duas ou mais dessas áreas. É o caso, por exemplo, de uma pessoa com problemas de comunicação e linguagem que utiliza o computador como prótese de comunicação e, ao mesmo tempo, como caderno eletrônico na sala de aula ou em outras atividades de ensino e aprendizagem. *III(3) - Utilizando as Tecnologias Assistivas em ambiente educativo computacional* Em função dos objetivos educacionais específicos do trabalho desenvolvido pelos autores deste artigo, no Programa InfoEsp, em Salvador/Bahia (www.infoesp.net), busca-se aqui apresentar um pouco mais detalhadamente algumas Tecnologias Assistivas utilizadas para o uso do computador e da internet em ambiente de aprendizagem computacional, com alunos com necessidades educacionais especiais. Neste trabalho educacional, iniciado em 1993, busca-se, portanto, a utilização de Tecnologias Assistivas com a finalidade de possibilitar a interação, no computador, aos alunos com diferentes graus de comprometimento motor, sensorial e/ou de comunicação e linguagem, em processos de ensino e aprendizagem. Ou seja, se utiliza o computador por meio de Tecnologias Assistivas. No Programa InfoEsp, as Tecnologias Assistivas utilizadas são classificadas em três grupos: 1. Adaptações Físicas ou Órteses: São todas as adaptações ou aparelhos fixados e utilizados no corpo do aluno e que facilitam a interação do mesmo com o computador. 2. Adaptações de Hardware: São todos os aparelhos ou adaptações presentes nos componentes físicos do computador, nos periféricos (teclado, mouse, microfone, etc.), ou mesmo, quando os próprios periféricos, em suas concepções e construção, são especiais e adaptados. 3. Softwares Especiais de Acessibilidade: São os componentes lógicos das Tecnologias de Informação e Comunicação quando construídos como tecnologia assistiva. Ou seja, são os programas especiais de computador que possibilitam ou facilitam a interação do aluno com deficiência com a máquina. Analisando melhor cada um desses três grupos: Foto 2 - Aluno utilizando Pulseira de pesos no antebraço para auxiliar a digitação. Foto 3 - Aluno com pulseira e teclado fixado. Foto 4 - Estabilizador de punho e abdutor de polegar. Foto 5 - Aluno utilizando ponteira para digitação. Foto 6 - Haste fixada na cabeça para digitação - Foto: catálogo da empresa Expansão). 1. Adaptações Físicas ou Órteses Quando se busca a postura correta para um aluno com deficiência física, em sua cadeira adaptada ou de rodas, utilizando almofadas, ou faixas para estabilização do tronco, ou velcro, etc., antes do trabalho no computador, já estão sendo utilizados recursos ou adaptações físicas muitas vezes bem eficazes para auxiliar no processo de aprendizagem dos alunos. Uma postura correta é vital para um trabalho eficiente no computador. Alguns alunos com seqüelas de paralisia cerebral têm o tônus muscular flutuante (atetóide), fazendo com que o processo de digitação se torne lento e penoso, pela amplitude do movimento dos membros superiores na digitação. Um recurso utilizado é a pulseira de pesos (fotos 2 e 3) que ajuda a reduzir a amplitude do movimento causado pela flutuação no tônus, tornando mais rápida e eficiente a digitação. Os pesos na pulseira podem ser acrescentados ou diminuídos, em função do tamanho, idade e força do aluno. Outra órtese que pode ser utilizada é o estabilizador de punho e abdutor de polegar com ponteira para digitação (fotos 4 e 5), para alunos, principalmente com paralisia cerebral, que apresentam essas necessidades (estabilização de punho e abdução de polegar). Além dessas adaptações físicas e órteses, existem dezenas de outras possibilidades que também podem ser úteis, dependendo das necessidades específicas de cada aluno, como os ponteiros de cabeça (foto 6), ou hastes fixadas na boca ou queixo, quando existe o controle da cabeça, entre outras. Foto 7 - Máscara de teclado encaixada no mesmo. Foto 8 - Máscara de teclado sobreposta ao mesmo. Foto 9 - Máscara de teclado com poucas teclas expostas. Foto 10 - Teclado com máscara coberta. 2 - Adaptações de Hardware Quando são necessárias adaptações nos periféricos, na parte física do computador, as adaptações de hardware, antes de se buscar comprar acionadores especiais (switches) ou mesmo periféricos especiais, é fundamental procurar viabilizar, quando possível, soluções que utilizem os próprios “acionadores naturais” do computador, que são o teclado, o mouse e o microfone. Dessa forma, com muita freqüência são encontradas soluções de baixíssimo custo, ou mesmo gratuitas, mas de alta funcionalidade. Um dos recursos mais simples e eficientes como adaptação de hardware é a máscara de teclado, ou colméia (fotos 7 e 8). Trata-se de uma placa de plástico ou acrílico com um furo correspondente a cada tecla do teclado, que é fixada sobre o teclado, a uma pequena distância do mesmo, com a finalidade de evitar que o aluno com dificuldades de coordenação motora pressione, involuntariamente, mais de uma tecla ao mesmo tempo. Esse aluno deverá procurar o furo correspondente à tecla que deseja pressionar. Alunos com dificuldades de coordenação motora associada à deficiência mental também podem utilizar a máscara de teclado junto com “tampões” de papelão ou cartolina, que deixam à mostra somente as teclas que serão necessárias para o trabalho, em função do software que será utilizado (fotos 9 e 10). Desta forma, será diminuído o número de estímulos visuais (muitas teclas), que podem tornar o trabalho muito difícil e confuso para alguns alunos, por causa das suas dificuldades de abstração ou concentração. Vários tampões podem ser construídos, disponibilizando diferentes conjuntos de teclas, dependendo do software que será utilizado. Foto 11 - Posicionamento do mouse no colo do aluno. Foto 12 - Teclado com alteração na inclinação e fixado à mesa Foto 13 - Teclado reposicionado para digitação com o pé Outras adaptações simples que podem ser utilizadas, dizem respeito ao próprio posicionamento do hardware (foto 12). Por exemplo, determinado aluno que digitava utilizando apenas uma mão, em certa etapa de seu trabalho e com determinado software que exigia que ele pressionasse duas teclas simultaneamente, descobriu ele mesmo que, se colocasse o teclado em seu colo na cadeira de rodas, poderia utilizar também a outra mão para segurar uma tecla (tecla Ctrl), enquanto pressionava a outra tecla com a outra mão. Já outro aluno começou a conseguir utilizar o mouse para pequenos movimentos (utilização combinada com um simulador de teclado) com a finalidade de escrever no computador, colocando o mouse posicionado em suas pernas, sobre um livro ou uma pequena tábua (foto 11). Outra solução que pode ser utilizada é reposicionar o teclado perto do chão para digitação com os pés, recurso utilizado por uma aluna que não consegue digitar com as mãos (foto 13). E assim, diversas variações podem ser feitas no posicionamento dos periféricos para facilitar o trabalho do aluno, sempre, é claro, em função das necessidades específicas de cada um. Nas pesquisas desenvolvidas desde 1993 no Programa InfoEsp, têm se verificado que a imensa maioria das necessidades dos alunos, detectadas ao longo de todos esses anos, é resolvida com recursos de baixo custo. Ou seja, é quebrada uma certa convicção generalizada, um certo tabu, de que falar de adaptações e Tecnologias Assistivas para o uso do computador por pessoas com deficiência, significa falar de aparelhos sofisticados e inacessíveis, e significa falar de altíssimos custos. As pesquisas e a prática têm desmentido essa convicção, e demonstrado que, na maioria dos casos, dificuldades e barreiras até bastante complexas podem ser atenuadas ou eliminadas com recursos de baixíssimo custo, mas de alta funcionalidade. Além dessas Adaptações de Hardware apresentadas, existem muitas outras que podem ser encontradas em empresas especializadas, como acionadores especiais mouses adaptados, teclados especiais, além de hardwares especiais, como impressoras Braille, monitores com telas sensíveis ao toque, etc. 3 - Softwares Especiais de Acessibilidade Alguns dos recursos mais úteis e mais facilmente disponíveis, mas muitas vezes ainda desconhecidos, são as Opções de Acessibilidade do Windows (iniciar - configurações - painel de controle - opções de acessibilidade). Através desse recurso, diversas modificações podem ser feitas nas configurações do computador, adaptando- o a diferentes necessidades dos alunos. Por exemplo, um aluno que, por dificuldades de coordenação motora, não consegue utilizar o mouse, mas pode digitar no teclado (o que ocorre com muita frequência), tem a solução de configurar o computador, através das Opções de Acessibilidade, para que a parte numérica à direita do teclado realize todos os mesmos comandos do mouse. Além do mouse, outras configurações podem ser feitas, como a das Teclas de Aderência, a opção de Alto Contraste na Tela para pessoas com baixa visão, e outras opções. Outros exemplos de Softwares Especiais de Acessibilidade são os simuladores de teclado e os simuladores de mouse. Todas as opções do teclado ou as opções de comando e movimento do mouse, podem ser exibidas na tela e selecionadas, ou de forma direta, ou por meio de varredura automática que o programa realiza sobre todas as opções. Na internet existe por exemplo, o site do técnico espanhol Jordi Lagares (www.lagares.org), no qual são disponibilizados para download diversos programas gratuitos por ele desenvolvidos. Tratam-se de simuladores que podem ser operados de forma bem simples, além de serem programas muito “leves”. Através desse simulador de teclado e do simulador de mouse, um aluno do Programa InfoEsp, por exemplo, com 37 anos, pôde começar a trabalhar no computador e pode, agora, expressar melhor todo o seu potencial cognitivo, iniciando a aprender a ler e escrever. Esse aluno, que é tetraplégico, só consegue utilizar o computador por meio desses simuladores, que lhe possibilitam transmitir seus comandos no computador somente por meio de sopros em um microfone. Isto lhe tem permitido, pela primeira vez na vida, escrever, desenhar, jogar e realizar diversas atividades que antes lhe eram impossíveis. Ou seja, por meio de simples sopros, horizontes totalmente novos se abriram para ele, possibilitando que sua inteligência, antes aprisionada em um corpo extremamente limitado, encontrasse novos canais de expressão e desenvolvimento (foto 14). Foto 14 – Aluno comandando o computador com sopros no microfone. Foto 15 - Microfone com brinquedo de pressão acoplado. Foto 16 - Dispositivo (microfone com brinquedo acoplado) em uso através da pressão com a mão. Entretanto, alguns alunos têm dificuldades ou na articulação ou na sincronicidade exigida, na emissão desses sons ou ruídos no microfone. A solução encontrada foi acoplar ao microfone, por meio de fitas adesivas, um daqueles pequenos brinquedos infantis de borracha, que produzem sons quando são pressionados. Dessa forma, o aluno pode comandar a varredura pressionando o brinquedo com a parte do corpo na qual exerça melhor controle (ou mão, ou pé, ou joelho, ou cabeça, etc). Com a pressão, o brinquedo emitirá o som no microfone, que acionará a varredura (fotos 15 e 16). Esses simuladores podem ser acionados não só por meio de sopros, mas também por pequenos ruídos ou pequenos movimentos voluntários feitos por diversas partes do corpo, e até mesmo por piscadas ou somente o movimento dos olhos, por meio de outros acionadores. Portanto, normalmente os Softwares Especiais de Acessibilidade que funcionam com varredura automática aceitam o teclado, o mouse e/ou o microfone como acionadores (controladores) dessa varredura. Como exemplo, tem-se os softwares simuladores de teclado, os simuladores de mouse, e os softwares para a construção de pranchas de comunicação alternativa. O problema é que diversos alunos não conseguem utilizar nem o mouse, nem o teclado e nem o microfone, se estes não forem, de alguma forma, modificados ou adaptados. Dar um clique no botão esquerdo do mouse, por exemplo, pode ser uma tarefa muito difícil ou mesmo impossível para alguns alunos, em função ou das suas dificuldades de coordenação motora fina, ou por causa de alterações anatômicas em seus membros superiores que impeçam a execução dessa tarefa. A sugestão, aqui apresentada, possibilita ampliar a área de acionamento do botão esquerdo do mouse para uma superfície bem maior, com o mesmo efeito de um simples clique no botão. Foto 17 - Caixa de fita VHS com mouse no interior. Foto 18 - Visão frontal do dispositivo em uso. Foto 19 - Visão posterior do dispositivo em uso. Trata-se de uma caixa comum de fita de vídeo VHS, dessas onde se guardam as fitas, dentro e no centro da qual é introduzido e fixado, com tira de velcro, um mouse qualquer. Na capa dessa caixa é colada uma borracha comum de apagar lápis, na altura exata onde se encontra o botão esquerdo do mouse. Essa capa da caixa deve ficar semi-fechada, podendo ser utilizadas pequenas faixas de velcro para mantê-la nessa posição. Colocando esse dispositivo na frente do aluno, quando ele pressionar qualquer lugar na capa da caixa, a borracha em relevo no interior da mesma entrará em contato com o botão esquerdo do mouse, e o efeito será o acionamento do clique nesse botão (fotos 17, 18 e 19). Existem diversos sites na internet que disponibilizam gratuitamente outros simuladores e programas especiais de acessibilidade. Atualmente, é possível controlar a seta do mouse apenas com o movimento do nariz, movimento este captado por uma webcam comum. Ou seja, uma pessoa tetraplégica, que mantenha o controle da cabeça, pode realizar qualquer atividade no computador apenas movimentando a cabeça, sem necessidade de nenhum equipamento especial e por meio de um software gratuito que pode ser baixado pela internet (por exemplo, em www.vodafone.es/VodafoneFundacion/ FundacionVodafone/0,25311-6337,00.html). Para pessoas com deficiência visual, existem os softwares que “fazem o computador falar”: Também os cegos já podem utilizar sistemas que fazem a leitura da tela e de arquivos por meio de um alto-falante; teclados especiais que têm pinos metálicos que se levantam formando caracteres sensíveis ao tato e que “traduzem” as informações que estão na tela ou que estão sendo digitadas; e impressoras que imprimem caracteres em Braille. (FREIRE, 2000).” Para os cegos, existem programas como o DOSVOX, o Virtual Vision, o Bridge, Jaws e outros. *IV(4) - Conclusões* Além de todas essas Tecnologias Assistivas apresentadas, existem outros tipos e dimensões de acessibilidade que também são pesquisados e estudados por outros profissionais, como as pesquisas sobre Acessibilidade Física, que estuda as barreiras arquitetônicas e as formas de evitá-las (por exemplo, a Comissão Civil de Acessibilidade de Salvador). Outro conceito novo é o de Acessibilidade Virtual, que estuda as melhores maneiras de tornar a internet acessível a todas as pessoas. É importante ressaltar que as decisões sobre as Tecnologias Assistivas que serão utilizadas com os alunos têm que partir de um estudo pormenorizado e individual, com cada um. Deve começar com uma análise detalhada e escuta aprofundada de suas necessidades, para, a partir daí, ir optando pelos recursos que melhor respondam a essas necessidades. Em alguns casos, é necessária também a escuta de outros profissionais, como terapeutas ocupacionais e fisioterapeutas, antes da decisão sobre a melhor adaptação a ser utilizada. Todas as pesquisas, estudos e adaptações que foram construídas ou captadas pelo Programa InfoEsp ao longo dos anos, partiram das necessidades concretas dos alunos. *Referências Bibliográficas* FREIRE, Fernanda M. P. Educação especial e recursos da informática: superando antigas dicotomias. Biblioteca Virtual,Artigos e Textos, PROINFO/MEC, 2000, www.proinfo.gov.br. ISO 9999, Norma Internacional, de 1998. http://www.siva.it/ftp/en_iso_9999.zip, Acesso em 05/05/2006. LÉVY, Pierre. Cibercultura. Ed. 34, São Paulo, 1999. SANTAROSA, Lucila M. C. Escola Virtual para a educação especial: ambientes de aprendizagem telemáticos cooperativos como alternativa de desenvolvimento. Revista de Informática Educativa, Bogotá Colombia, UNIANDES, 10(1): 115-138, 1997. VYGOTSKY, L. A formação social da mente. São Paulo: Martins Fontes, 1987. Websites referenciados ou com temática afim: Softwares Especiais- DOSVOX: http://caec.nce.ufrj.br/~dosvox/index.html Softwares Especiais-Jordi Lagares: http://www.lagares.org Softwares Especiais - Saci: www.saci.org.br?modulo=akemi¶metro=3847 Tecnologia Assistiva: http://www.saci.org.br Tecnologia Assistiva: http://www.geocities.com/to_usp.geo/principalta.html Tecnologia Assistiva: http://www.clik.com.br/ Tecnologia Assistiva:http://www.expansao.com *Enfoque - 33* *Desenvolvendo ações para criar espaços escolares acessíveis* Marta Dischinger (Universidade Federal de Santa Catarina - Departamento de Arquitetura e Urbanismo) e-mail: martadischinger@yahoo.com.br Rosângela Machado (Secretaria Municipal de Educação - Prefeitura Municipal de Florianópolis/SC) e-mail: rosangelamachado@hotmail.com Foto: Menina andando com o auxílio de uma bengala. Resumo A nova realidade brasileira de inclusão de crianças com deficiência no ensino regular põe à mostra a inadequação dos edifícios escolares devido à falta de condições de acessibilidade espacial. Para melhorar as condições de inclusão nas escolas da rede municipal de ensino de Florianópolis foi desenvolvido, em cooperação com a Universidade Federal de Santa Catarina, um estudo avaliativo de sua acessibilidade. Apresentamos neste artigo o contexto em que foi desenvolvido este estudo, os conceitos que fundamentaram a análise espacial realizada, as metodologias desenvolvidas e os principais resultados obtidos. Desenvolvemos ainda uma reflexão sobre a necessidade de estender este tipo de avaliação no contexto atual da inclusão escolar no Brasil para a melhoria concreta da acessibilidade dos espaços escolares. Palavras-chave: Inclusão no ensino, Desenho Universal, Acessibilidade espacial Abstract In Brazil the recent inclusion of impaired children in the regular system of education exposes the inadequacy of educational facilities due to their lack of spatial accessibility. To improve the inclusion conditions in the municipal schools of Florianópolis it was developed, in cooperation with the Universidade Federal de Santa Catarina, an evaluation study of their accessibility. We present here the study context, the central concepts adopted in the spatial analysis, the methods developed and the main results obtained. We also reflect about the need to extend this kind of evaluation in Brazil’s present inclusion context for the actual improvement of schools’special accessibility. Keywords: Inclusion in Education, Universal Design, Spatial accessibility. *1 - A inclusão escolar como uma nova realidade nas escolas brasileiras* No Brasil, de acordo com o Censo Demográfico do IBGE (2000), 14,5% da sua população total é atingida por algum tipo de deficiência. Nesse percentual, a pobreza, a desnutrição e os problemas de acesso aos serviços de saúde e de saneamento básico são os principais responsáveis pelo alto índice de crianças com deficiência. Nesse quadro, a escola, além do seu objetivo tradicional de promover a educação e a integração social para todos, cumpre um papel fundamental para reverter situações de exclusão ao promover ações de conscientização sobre os direitos de acesso aos serviços de saúde e de reabilitação para as crianças com deficiência. O direito das crianças com deficiência de terem acesso à escola regular foi reafirmado na Declaração de Salamanca, firmada durante a Conferência Mundial de Educação Especial, realizada pela ONU, em 1994. No Brasil, estes princípios foram ratificados, em 1996, através da aprovação da nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional Lei nº 9.394, que define a educação especial como “a modalidade de educação escolar, oferecida preferencialmente na rede regular de ensino, para educandos portadores de necessidades especiais”. O processo crescente de reivindicação das pessoas com deficiência e a maior consciência sobre as questões da inclusão em toda sociedade brasileira nas últimas décadas refletem-se também na promulgação recente de leis e normas de acessibilidade espacial (Lei federal nº 10.098/2000, que estabelece normas gerais e critérios básicos para a promoção da acessibilidade das pessoas portadoras de deficiência ou com mobilidade reduzida, e dá outras providências, e a NBR 9.050/2004). Como conseqüência desse conjunto de leis, e de um questionamento do que significa o ensino inclusivo, é principalmente a partir de 2000 que as crianças que apresentam algum tipo de deficiência e que, até então estavam excluídas do ensino regular ou freqüentavam instituições de ensino especial, passam a freqüentar as escolas regulares. Paralelamente, podemos observar a falta de acessibilidade espacial na quase absoluta maioria dos edifícios escolares. Estes foram construídos sem considerar as necessidades das pessoas com deficiência e sua inadequação pode, muitas vezes, comprometer a desejada inclusão, e gerar situações de dependência e até mesmo de exclusão. Buscando melhorar as condições de acessibilidade espacial na rede escolar municipal, a Secretaria de Educação do Município de Florianópolis solicitou ao grupo de pesquisa “Espaço Inclusivo - Grupo de Pesquisa sobre Desenho Universal”, do Departamento de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal de Santa Catarina, a realização de um estudo avaliativo. Esse foi desenvolvido através de projeto de extensão e pesquisa, entre os anos de 2001 e 2003, concluindo com a publicação pela Prefeitura de Florianópolis do livro “Desenho Universal nas Escolas: acessibilidade na rede municipal de ensino de Florianópolis” (DISCHINGER et al, 2004). Projeto de Extensão e pesquisa(Nota 1): O projeto foi coordenado na SMEF pela professora Rosângela Machado e na UFSC pelas professoras Marta Dischinger e Vera Helena Moro Bins Ely, contando com a participação dos bolsistas estudantes de arquitetura do PET/ARQ: Camile Antonini, Karine Daufenbach, Rejane Padaratz e Thiago de Souza. Os objetivos centrais do estudo eram: realizar um diagnóstico das condições de acessibilidade espacial das escolas dentro de uma perspectiva ampla de inclusão; verificar as necessidades específicas oriundas de cada tipo de deficiência (motora, sensorial, de comunicação, cognitiva ou múltipla); e desenvolver princípios de projetos que norteassem a melhoria das instalações escolares para todos os alunos. Era ainda necessário investigar se a aplicação da norma técnica de acessibilidade em vigor na ocasião (NBR 9.050/1985) era efetiva para promover a acessibilidade nas escolas, tanto nas reformas quanto na construção de novos estabelecimentos. Apresentamos então, neste artigo, em primeiro lugar os conceitos centrais que nortearam a realização do estudo, seguidos dos procedimentos metodológicos necessários para seu desenvolvimento, e parte dos resultados obtidos. Finalizamos ainda com uma reflexão sobre a importância do aprofundamento e extensão deste tipo de avaliação no contexto atual da inclusão escolar no Brasil. *2 - Introduzindo e revendo conceitos* 2.1 Deficiência e restrição Para realizar a avaliação das escolas era fundamental: classificar as deficiências a partir dos conceitos desenvolvidos pela Organização Mundial de Saúde (OMS) e principalmente da ICIDH2 (International Classification of Impairments, Activities and Participation) de 1997; e introduzir o conceito de restrição de acordo com a ICF (International Classification of Functionning Disability and Health), publicada em 2002 pela OMS, que está centrada nos conceitos de funcionamento e participação. A classificação das deficiências, habilidades e limitações dos indivíduos não é simples. O termo deficiência refere-se ao problema concreto de ordem fisiológica do indivíduo (falta de um membro, alteração de uma função, lesões, etc.), o qual condiciona as habilidades e limitações do indivíduo. No entanto, a enorme variedade de fatores individuais, socioculturais e ambientais que influenciam a maior ou menor possibilidade do indivíduo de realizar atividades, fazem com que o termo deficiência seja erroneamente associado, não só ao problema de origem, mas também à noção de incapacidade do indivíduo (DISCHINGER, BINS-ELY e PIARDI, 2005). É fundamental salientar que a presença de uma deficiência não implica necessariamente em incapacidade. Por exemplo, uma criança com deficiência visual pode ler utilizando lentes especiais. Por outro lado, qualquer pessoa pode, em algum momento, ser incapaz de realizar uma atividade devido a fatores ambientais, culturais ou socioeconômicos. Exemplos dessas situações podem ser: uma criança alcançar um livro numa prateleira alta da biblioteca, ou a impossibilidade de ler instruções num terminal urbano para pessoas iletradas. É também difícil distinguir os problemas situados no nível físico do indivíduo (a paralisia de um ou mais membros, ou ter artrite nas mãos) dos problemas decorrentes desta condição para a realização de atividades desejadas (tais como não poder caminhar, vestir-se sem ajuda, ou escrever com uma caneta comum). Apesar dessas dificuldades, é fundamental classificar as deficiências para compreender como o ambiente pode adequar-se a indivíduos com necessidades e habilidades distintas, e como o projeto de espaços e/ou equipamentos pode reduzir dificuldades ou até mesmo suprir limitações. Assim, em nosso estudo, o termo deficiência refere-se ao problema específico de uma disfunção no nível fisiológico do indivíduo (por exemplo, cegueira, surdez, paralisia), enquanto o termo restrição é utilizado para designar as dificuldades resultantes da relação entre as características do meio ambiente e as condições dos indivíduos. Considerando a importância dos ambientes e equipamentos enquanto promotores da autonomia dos indivíduos, além do conceito de restrição, enfatizamos os termos “atividade e participação” propostos na ICIDH2. Nesta, o termo atividade é usado para classificar os exercícios do cotidiano de uma pessoa e está diretamente relacionado à performance (execução de uma atividade) do indivíduo e não à sua aptidão ou potencial de realizá-la. Já a expressão participação remete ao resultado da interação entre o indivíduo e o ambiente que o cerca, examinando o desenvolvimento das atividades em relação às deficiências e ao contexto de vida do indivíduo, buscando responder como o indivíduo realiza as atividades. Estes conceitos foram centrais para o desenvolvimento da avaliação das escolas. Assim, reconhecendo a importância de situar as dificuldades e limitações advindas das diferentes deficiências, nossa análise do problema não se deveria prender às qualidades ou deficiências dos indivíduos, mas abordar os recursos necessários para a criação de ambientes menos restritivos que favorecessem a participação de todos. Para avaliar os espaços, ambientes, e/ou equipamentos escolares visando sua adequação para todos os alunos, classificamos no estudo quatro categorias de restrições a partir da relação entre atributos do meio ambiente e condições dos indivíduos, as quais expomos a seguir. As restrições sensoriais referem-se às dificuldades para a percepção das informações do meio ambiente devido à presença de barreiras que impedem ou dificultam a obtenção de estímulos através dos distintos “sistemas sensoriais” . visuais, auditivo, paladar/olfato, háptico e orientação (GIBSON, 1966). Como restrições cognitivas temos as dificuldades encontradas para o tratamento cognitivo das informações recebidas ou na sua comunicação através de produção lingüística. As restrições fisico-motoras referem-se ao impedimento ou às dificuldades encontradas em relação ao desenvolvimento de atividades que dependam de força física, coordenação motora, precisão ou mobilidade. Por último temos as restrições múltiplas que decorrem da associação de mais de um tipo de restrição de natureza diversa. Foto 1: Escadaria de acesso de uma escola. Foto 2: Menina escrevendo em uma máquina Braille. Consideração referente as fotos acima: Enquanto a escadaria cria restrições ao movimento e ao uso do pátio escolar, a existência de máquina de escrever em Braille possibilita a alunos cegos a atividade da escrita. 2.2 Desenho Universal e Acessibilidade Espacial O Desenho Universal é uma filosofia de projeto que visa a criação de ambientes, edificações e objetos, considerando desde o início de sua concepção a diversidade humana (MACE, 1985). Nesta concepção, as necessidades específicas de todos os usuários - idosos, crianças, gestantes, pessoas com deficiências temporárias ou permanentes - devem ser atendidas, eliminando a idéia de fazer, ou adaptar, “projetos especiais” para pessoas com “necessidades especiais”. No entanto, para atingir os requisitos de desenho universal, criando espaços e objetos com boas condições de legibilidade, conforto e segurança, é fundamental compreender quais são as necessidades específicas oriundas de diferentes deficiências. O grande desafio na busca de projetos inclusivos é então projetar de forma a conciliar necessidades diversas, reconhecendo que as pessoas são naturalmente diferentes, e conquistar conhecimento para lidar com esta complexidade. As áreas de atuação do Desenho Universal vão desde o desenho de espaços urbanos acessíveis para todos, até o desenho de espaços inclusivos e objetos de tecnologia assistiva. Por tecnologia assistiva compreende-se os meios e sistemas que minimizam as dificuldades e aumentam a eficiência de pessoas com deficiência (ASSISTIVE TECHNOLOGY ACT/1998), tais como roupas adaptadas, cadeiras de rodas e sistemas de comunicação alternativos. Assim, o desenho universal visa a máxima autonomia e independência na realização de atividades pelo maior número de pessoas, considerando suas diferenças e criando condições ambientais para a inclusão. Pela sua importância no estudo realizado demos maior atenção a um dos componentes essenciais do desenho universal que é a acessibilidade espacial, a qual conceituamos a seguir. Acessibilidade espacial significa: poder chegar a algum lugar com segurança, conforto e independência; entender a organização e as relações espaciais que este lugar estabelece; e participar das atividades que ali ocorrem fazendo uso dos equipamentos disponíveis. Por exemplo, para um aluno cadeirante ir até a biblioteca de sua escola deve ser possível chegar desde sua casa até a escola, através de percurso sem barreiras, com dimensões adequadas, travessias seguras e rampas nos passeios e na entrada do edifício, etc. Ao entrar na escola, deve ser possível identificar o caminho a seguir através da configuração espacial e/ ou da informação adicional (mapa, letreiros) e novamente haver percurso acessível (rampa se a biblioteca for no segundo andar). Se o aluno possui deficiência visual deve poder obter informação através de mapas táteis e em Braille para encontrar sua rota com independência. Finalmente ao chegar na biblioteca deve ser possível a todos os alunos alcançar os livros, poder ler e estudar em condições de conforto e segurança. A acessibilidade espacial depende então: das condições ambientais de acesso à informação, das possibilidades de deslocamento e de uso de atividades, permitindo aos indivíduos participar e estabelecer relações com as demais pessoas. Conseqüentemente, para criar ambientes acessíveis, faz-se necessário identificar os diferentes elementos que podem dificultar ou impedir a percepção, circulação, compreensão ou apropriação dos espaços e atividades por parte dos usuários, bem como obstáculos de ordem social e psicológica que impedem seu uso efetivo. Estes elementos são conhecidos como barreiras e podem ser de diversos tipos, entre os quais é importante discriminar as barreiras atitudinais, físicas e de informação. As barreiras atitudinais são aquelas estabelecidas na esfera social, em que as relações humanas centram-se nas restrições dos indivíduos e não em suas habilidades. Assim, um professor de educação física que impede um aluno cadeirante de participar de um jogo de bola, o faz principalmente por não reconhecer seu direito de inclusão, e não tanto por não saber criar modos de brincar que permitam sua participação no jogo. As barreiras físicas são representadas por elementos arquitetônicos físicos ou de desenho espacial que dificultam, ou impedem, a realização de atividades desejadas de forma independente causando diversos tipos de restrições. Por exemplo, um desnível isolado e sem marcação de piso alerta com apenas 10 cm no piso de um corredor pode causar problemas de segurança no deslocamento de alunos com deficiência visual e constituir obstáculo intransponível ao deslocamento de um aluno em cadeira de rodas. Para a identificação das barreiras físicas, além do estudo das características arquitetônicas dos espaços construídos é necessária a análise das necessidades específicas dos usuários em relação ao uso do espaço. As barreiras de informação são aquelas que dificultam ou impedem o acesso às informações espaciais necessárias para a orientação nos ambientes e a realização de atividades. Esta informação é obtida a partir de três fontes informativas diversas. Está presente: nos elementos arquitetônicos e nas relações que estabelecem entre si (ruas, quadras, edifícios, etc.); nos de sistemas de informação adicionais (cartazes, placas, mapas, sinais sonoros, etc.); e também podemos obter informação verbal quando esta é fornecida por outra pessoa. Assim, são barreiras à informação: a poluição visual que afeta principalmente pessoas com deficiência visual; a ausência de informação adicional clara para pessoas com deficiências cognitivas; e a ausência de meios alternativos de comunicação para pessoas com deficiência auditiva. Apesar da relevância da informação espacial para a acessibilidade, esta raramente é incluída como elemento de estudo e objeto de normatização. No entanto, é fundamental compreender como é possível obter informação espacial acessível para eliminar barreiras para sua percepção. *3. Metodologia* A impossibilidade de examinar cada uma das 150 escolas da rede municipal, aliada à necessidade de realizar uma avaliação aprofundada, determinou a seleção de cinco escolas como estudos de casos representativos. Em quatro das escolas selecionadas, a presença de alunos com deficiência tornou possível avaliar as barreiras ambientais que causavam restrições sensoriais, cognitivas, físico-motoras e múltiplas. Para verificar a adequação da norma técnica de acessibilidade em vigor na época (NBR/9.050/85) aos requisitos necessários para inclusão em ambientes escolares, foi realizada uma análise espacial detalhada de uma escola recentemente construída, onde todos os aspectos definidos pela norma estavam implementados. A necessidade de desenvolver a observação de situações reais também foi reforçada pela ausência de estudos teóricos similares. A maior parte da literatura específica sobre acessibilidade espacial em escolas trata sobre a educação especial nos países desenvolvidos. Essa difere radicalmente da realidade educacional brasileira, na qual espaços e equipamentos acessíveis, acesso à tecnologia assistiva e existência de materiais pedagógicos adaptados ainda incipiente. Os estudos teóricos iniciais foram seguidos pelo exame das leis e normas nacionais e estrangeiras e pelos exemplos de escolas acessíveis, os quais auxiliaram a unificar os conceitos centrais de deficiência, restrição, participação na atividade e inclusão, e suas relações com a existência de acessibilidade espacial. Estes estudos foram seguidos por avaliações práticas nas escolas escolhidas, visando compreender os problemas que crianças com diferentes deficiências encontravam em ambientes diversos. Era essencial examinar as relações existentes entre os espaços de cada escola e as condições específicas das crianças para situar as causas das restrições para realizar atividades desejadas. Os principais aspectos avaliados foram: as possibilidades para compreensão espacial e orientação; as condições para movimento independente; e a adequação do equipamento existente para a realização das diversas atividades educacionais. Diversos instrumentos metodológicos foram empregues para realizar esta avaliação: levantamento arquitetônico e registro das características espaciais (medições, desenhos e fotos); observação direta; entrevistas abertas com estudantes, funcionários da escola, professores e pais; e no estágio final da pesquisa “passeios acompanhados” (DISCHINGER, 2000). Os passeios acompanhados consistiram no registro sistemático (observação, gravação e fotos) da realização de atividades normais de uso do espaço escolar por alunos com deficiências diversas e na observação das barreiras que causavam restrições em seus movimentos, percepção, cognição e participação. É importante observar que nos passeios acompanhados os entrevistadores não auxiliaram os entrevistados, e que os mesmos foram solicitados a explicar as dificuldades que enfrentaram na realização das atividades. Após a coleta dos dados e realização dos passeios acompanhados, quadros avaliativos detalhados foram elaborados para cada escola, visando não só ordenar e classificar os problemas encontrados, mas também servir como síntese do estudo realizado e apontar recomendações de como resolver os problemas existentes. Reproduzimos a seguir parte de um dos quadros avaliativos elaborados. Foto 4: Aluna cadeirante sendo levada à escola por uma mulher. Foto 5: Aluna cega se deslocando com auxílio de uma bengala. Foto 6: Menina cega subindo escadas. Foto 7: Aluna cadeirante locomovendo-se em uma biblioteca. Consideração referente as fotos acima: Nos passeios acompanhados, observaram-se restrições no deslocamento, uso e orientação dos alunos devido a pisos irregulares, dimensões reduzidas de circulação, ausência de marcação de desníveis e ausência de pisos táteis em ambientes amplos. *4. Resultados* Exemplo de quadro de avaliação dos usos e atividades E. B. Donícia M. Costa, onde foi aplicada a NBR/9.050/85 e a acessibilidade espacial se resumiu: QUADRO com fotos e textos: Sala de aula Ambientes e elementos: Identificação (Foto: Portas escuras e paredes em dois tons claros), Avaliação: Sua existência é sugerida pela disposição regular das portas ao longo dos corredores. As portas possuem uma identificação escrita de difícil leitura. Recomendação: Prover informação sobre as salas de aula nos corredores e em suas próprias portas de forma gráfica (auto-relevo, pictórica e Braille). sala de aula Ambientes e elementos: Condições de deslocamento e uso dos equipamentos (Fotos: 1ª – Soleira da porta inclinada; 2ª – Aluna cadeirante em sala de aula; 3ª – Panorâmica da sala de aula.) Avaliação: A soleira da porta inclinada e a largura da porta permitem acesso de uma cadeira de rodas. O design das carteiras não permite seu uso por um cadeirante. As carteiras mais próximas à entrada permitem acesso, mas, dependendo do layout da sala e do número de carteiras, não é possível circular entre elas, nem se aproximar do quadro-negro. Recomendação: Deve-se manter um layout que permita fácil acesso às carteiras e ao quadro- negro por pessoas que utilizem cadeira de rodas. Após o término da etapa de avaliação das condições de acessibilidade das escolas escolhidas, buscamos desenvolver uma proposta de adaptação que adequasse o projeto da Escola Básica Referência ao uso dos alunos com deficiência. As propostas arquitetônicas desenvolvidas servem como exemplo de soluções de Desenho Universal, as quais devem necessariamente ser avaliadas e adaptadas em cada situação escolar específica. Foi também realizado um curso de atualização sobre Desenho Universal e Acessibilidade Espacial para professores e técnicos da Secretaria de Educação responsáveis pelo desenvolvimento de projetos e ações de fiscalização das obras. Finalmente foi elaborado um relatório final do projeto em forma de livro, o qual foi editado em 2004. Parte essencial do relatório e objetivo central do estudo foi a elaboração de princípios de acessibilidade para escolas. Estes princípios foram formulados visando possibilitar a inclusão de alunos com deficiência, tanto em escolas já existentes quanto em novas escolas, e devem ser implementados nas soluções de projeto. Em primeiro lugar, foram desenvolvidos princípios gerais, que estabelecem de que forma o ambiente físico deve ser pensado para possibilitar a participação e inclusão de todos, seguidos de princípios específicos de projeto que detalham e ilustram com exemplos de fotos sua aplicação (vide DISCHINGER et al, 2004. É importante salientar que, mesmo na presença de projetos-padrão, o contexto local deve ser observado em sua especificidade, visando adaptações que garantam a acessibilidade para situações diversas. Em escolas já construídas existem situações difíceis de resolver, como terrenos muito acidentados, que inviabilizam a colocação de rampas em todos os percursos. É possível, no entanto, buscar soluções alternativas, como prover acessibilidade num dos blocos e redistribuir as atividades da escola. Devido à complexidade dos problemas, é aconselhável a participação de professores e futuros executores no processo de projeto, pois desta maneira garante-se uma melhor adequação às necessidades específicas de cada escola, assim como a conscientização sobre a importância das soluções técnicas desenvolvidas para que essas não sejam modificadas em seu uso ou na sua execução. *5. Reflexões finais* Aliada à nova realidade de inclusão efetiva das crianças nas escolas, foi recentemente promulgado o Decreto nº 5.296/2004 que “estabelece normas gerais e critérios básicos para a promoção da acessibilidade das pessoas com deficiência ou com mobilidade reduzida e dá outras providências”, tornando obrigatória a aplicação da NBR/9.050/2004 e estipulando um prazo de 30 meses, a partir de sua publicação, para que todos os espaços públicos tornem-se acessíveis. Com isso, vários Ministérios Públicos Estaduais em todo o Brasil passaram a desenvolver programas de fiscalização nos prédios de uso público e implementar ações de ajuste de conduta. Em face desse novo contexto legal é necessária tanto a qualificação dos profissionais do ensino para repensar a escola e os procedimentos de ensino para a inclusão, como é fundamental qualificar os profissionais responsáveis pelo desenvolvimento, aprovação e fiscalização de projetos de reformas e de novas edificações escolares com acessibilidade espacial. Embora a Secretaria Municipal de Educação de Florianópolis tenha se esforçado para que os seus últimos projetos arquitetônicos contemplassem uma rede de ensino acessível, constatou-se que rampas e banheiros adaptados não são suficientes para que os princípios do desenho universal sejam consolidados. Assim sendo, para ir além da exigência das normas técnicas e atender às necessidades de alunos com diferentes tipos de deficiência, a Secretaria Municipal de Educação solicitou novamente em 2006 uma assessoria do Núcleo de Estudos em Desenho Universal do Departamento de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal de Santa Catarina para acompanhamento dos projetos arquitetônicos de futuras escolas e de reforma das já existentes. É importante ainda destacar que a previsão inicial de soluções de acessibilidade nos projetos arquitetônicos não onera significativamente os custos de sua execução, o que não ocorre por ocasião de reformas e alterações. Além disso, quando os projetos arquitetônicos são feitos sem a devida previsão de acessibilidade espacial, pode ser impossível realizar as transformações necessárias após sua construção. Para finalizar, lembramos mais uma vez que é absolutamente fundamental criar as condições espaciais para que qualquer criança possa acessar todos os espaços de sua escola e participar de todas as atividades escolares com segurança, conforto e maior independência possível, de acordo com suas habilidades e limitações. Somente assim estaremos criando, não só ambientes de ensino acessíveis espacialmente, mas realmente estabelecendo as condições básicas essenciais para permitir um processo efetivo de inclusão no ensino. Foto 8: Porta com círculos em vidro dispostos em alturas difirenciadas, para que pessoas de diversos tamanhos possam enxergar o interior da sala sem precisar abrir a porta. Foto 9: Menino acionando uma torneira por meio de pressão. Foto 10: Chão com diferentes texturas. Consideração referente as fotos acima: Alturas diferenciadas, equipamentos adequados e existência de pisos táteis são exemplos de aplicações de princípios que permitem o uso do espaço por alunos com características e habilidades diversas sem discriminação e reduzindo a necessidade de auxílio. *Referências Bibliográficas* ASSISTIVE TECHNOLOGY ACT. One Hundred Fifth Congress of the United States of America. Whashington, 1998. Disponível em: http://wata.org/policy/ ata98/passed.htm. Acesso em: maio 2006. ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 9.050: Acessibilidade de pessoas portadoras de deficiências a edificações, espaço, mobiliário e equipamentos urbanos. Rio de Janeiro, 1985. BRASIL. Congresso Nacional. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Lei nº 93494. Brasília: Centro Gráfico, 1996. BRASIL. Ministério da Justiça. Declaração de Salamanca e Linhas de Ação sobre necessidades Educativas Especiais. Brasília: CORDE, 1994. BRASIL. Lei Federal nº 10.098 de 19 de dezembro de 2000. Brasília: Centro Gráfico, 2000. BRASIL. Decreto nº 5.296 de 02 de dezembro de 2004. Brasília: Centro Gráfico, 2004. DISCHINGER, Marta et al. Desenho universal nas escolas: acessibilidade na rede municipal de ensino de Florianópolis. SME, Florianópolis: Prelo, 2004. DISCHINGER, Marta. Designing for all senses: accessible spaces for visually impaired citizens. Göteborg: Department of Space and Process, Chalmers University of Technology, 2000. DISCHINGER, Marta; BINS-ELY, Vera; PIARDI, Sonia Maria Demeda Groisman. Promovendo acessibilidade nos edifícios públicos: Programa de fiscalização do Ministério Público de Santa Catarina. Ministério Público de Santa Catarina, 2005. No prelo. GIBSON, James. The senses considered as perceptual systems. Boston: Houghtan Mifflin Company, 1966. INTERNATIONAL CLASSIFICATION OF IMPAIRMENTS, ACTIVITIES AND PARTICIPATION: A MANUAL OF DIMENSIONS OF DISABLEMENT AND FUNCTIONING - ICIDH2 /Beta1 draft for field trials/ World Health Organization: WHO. Geneva, 1997. INTERNATIONAL CLASSIFICATION OF FUNCTIONING, DISABILITY AND HEALTH - ICF. Geneva: World Health Organization, WHO, 2002. Dispon ível em: http://www.who.int/icf/Acesso em: dez. 2003. INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA, IBGE. Censo Demográfico. Rio de Janeiro, 2002. MACE, Ron. Universal Design, Barrier Free Environments for Everyone: Designers West. Los Angeles, 1985. *Enfoque - 40* *A Teoria Bioecológica do Desenvolvimento Humano e o contexto da educação inclusiva* Ruy Jornada Krebs (Professor do Centro de Educação Física, Fisioterapia e Desportos da Universidade do Estado de Santa Catarina - UDESC) Universidade do Estado de Santa Catarina e-mail: ruykrebs@brturbo.com.br Resumo O processo de inclusão das crianças que são identificadas como portadoras de alguma necessidade especial, no contexto escolar, tem sido amplamente enfatizado nas políticas públicas voltadas para a educação O objetivo deste ensaio é discutir a Teoria Bioecológica do Desenvolvimento Humano, proposta por Bronfenbrenner, para fazer algumas reflexões acerca do contexto da educação inclusiva. Os seguintes tópicos são abordados: os elementos de sua teoria, e a sua relação com o contexto da educação inclusiva e o professor como um mediador do processo da inclusão escolar. Como considerações finais, o texto destaca o potencial da Teoria Bioecológica do Desenvolvimento Humano para orientar questões pertinentes ao processo da inclusão escolar. Palavras-chave: Teoria Bioecológica, Inclusão, Educação Especial. Abstract The process of inclusion in to the school system of those children identified as bearers of some special need has been emphasized thoroughly in the educational public policies. The objective of this essay is to discuss the Bioecological Theory of the Human Development, proposed by Bronfenbrenner, and to reflect on the context of inclusive education. The following topics are approached: the elements of the theory, the relationship between theory, the context of inclusive education and the teacher as a mediator in the process of inclusion in schools. As final remarks the text emphasizes the potencial that the Bioecological Theory of Human Development has to deal with issues regarding public policies in the process of inclusion. Keywords: Bioecological Theory, Inclusion, Special Education. *Introdução do tema* A escola é um dos principais contextos do desenvolvimento infantil. Entre as grandes questões que estão em evidência na discussão de políticas públicas voltadas para a educação, pode-se destacar o processo da inclusão na escola das crianças que são identificadas como portadoras de alguma necessidade especial. Por se tratar de uma questão extremamente complexa, essa problemática só pode ser discutida à luz de alguma teoria do desenvolvimento humano. Assim, esse ensaio buscará suporte na Teoria Bioecológica do Desenvolvimento Humano , proposta por Bronfenbrenner, para fazer algumas reflexões acerca do contexto da educação inclusiva. A opção pela teoria proposta por Bronfenbrenner como suporte teórico para estas reflexões justifica-se pelo potencial que a teoria tem para explicar a indissociabilidade entre a pessoa em desenvolvimento e os contextos em que ela se insere. Mais especificamente, neste ensaio pretendemos apresentar uma breve descrição dos elementos que compõem a teoria e relacioná-la a teoria com o contexto da educação inclusiva. Foto: Turma de crianças, sentados no chão, desenvolvendo atividade de escrita em sala de aula. *Os parâmetros do contexto como um conjunto de sistemas aninhados* Na sua obra de 1979, The Ecology of Human Development: experiments by nature and design (Ecologia do Desenvolvimento Humano: experimentos naturais e por delineamento), Bronfenbrenner delineou um modelo teórico que podia ser visto como um conjunto de sistemas aninhados, e fez uma analogia desse seu modelo com as tradicionais bonecas russas. Nesse modelo, ele identificou quatro parâmetros do contexto: o microssistema, o mesossistema, o exossistema e o macrossistema. Esses quatro parâmetros foram redefinidos por Bronfenbrenner em 1992. Na definição de microssistema, ele acrescentou a relevância da participação de outras pessoas no microssistema, mesmo quando elas não estejam em uma interação direta com a pessoa em desenvolvimento: - Um microssistema é um padrão de atividades, papéis e relações interpessoais experienciado pela pessoa em desenvolvimento em um dado ambiente, face a face, com características físicas e materiais particulares, contendo outras pessoas com características distintas de temperamento, personalidade e sistema de crenças.(p. 227). Ao definir o microssistema, Bronfenbrenner destacou seus três elementos principais: as atividades, as relações interpessoais e os papéis. A interação desses elementos é que qualifica o potencial do microssistema para instigar o desenvolvimento humano. Em relação ao mesossistema, Bronfenbrenner sugere a criação de uma rede social, em que a pessoa em desenvolvimento é a referência principal. Essa rede é formada tanto pelas pessoas que interagem diretamente com a pessoa em desenvolvimento, quanto pelas que, de uma forma ou de outra, podem influenciar esse processo de desenvolvimento. - O mesossistema compreende as ligações e processos que têm lugar entre dois ou mais ambientes, que contêm a pessoa em desenvolvimento... em outras palavras, o mesossistema é um sistema de microssistemas.(p. 227). O exossistema é caracterizado pelos contextos onde a pessoa em desenvolvimento não participa, mas os eventos que lá ocorrem afetam essa pessoa, e vice-versa. Pode-se dizer que as forças que dinamizam o exossistema são as mesmas do mesossistema, exceto as referentes à participação multiambiental: - O exossistema envolve a ligação e os processos que têm lugar entre dois ambientes ou mais, e no mínimo um deles que não contenha ordinariamente a pessoa em desenvolvimento, mas no qual acontecem eventos que podem influenciar processos dentro do ambiente imediato que contém a pessoa.(p. 227). O último parâmetro do modelo ecológico de Bronfenbrenner é o macrossistema. Esse parâmetro é, na verdade, a abrangência da cultura ou do sistema social que está servindo como referência para a pessoa em desenvolvimento. Essa definição também foi ampliada na obra de 1992, quando Bronfebrenner revisou suas definições originais de 1979: - O macrossistema consiste de todo um padrão externo de microssistemas, mesossistemas e exossistemas característicos de uma determinada cultura, subcultura ou outro contexto social maior com um particular referencial desenvolvimentalinstigativo para o sistema de crenças, recursos, riscos, estilos de vida, estruturas, oportunidades, opções de vida e padrões de intercâmbio social, que estão incluídos em cada um desses sistemas. O macrossistema pode ser visto como a arquitetura societal de uma cultura particular, subcultura ou outro contexto social maior. (p. 228). Os quatro parâmetros do contexto, anteriormente descritos, mostram as dimensões do ambiente onde o desenvolvimento ocorre, desde a mais imediata, o microssistema, até a mais abrangente, o macrossistema. No entanto, em seu modelo original, Bronfenbrenner (1979) não incluiu uma descrição mais elaborada para investigar-se as características da pessoa em desenvolvimento. *Os atributos da pessoa em desenvolvimento Inicialmente Bronfenbrenner usou o termo competências quando se referia aos atributos da pessoa em desenvolvimento. No entanto, as suas definições para competências pessoais estavam mais restritas às características cognitivas, ao temperamento, ao caráter e à personalidade. Dessa forma não ficava explícito como identificar competências de outros domínios que não o psicossocial. Essa lacuna foi preenchida quando ele propôs o Paradigma Bioecológico (1995). Esse Paradigma Bioecológico foi renomeado como Modelo Bioecológico, em 1998, quando Bronfenbrenner publicou, junto com Morris, The Ecology of Developmental Processes (A Ecologia dos Processos Desenvolvimentais). Nesse novo modelo, os atributos foram subdivididos em três tipos: - O primeiro tipo são as disposições que podem colocar os processos proximais em movimento, em um domínio particular do desenvolvimento, e continuar sustentando essa operação. O próximo tipo são os recursos bioecológicos de habilidade, experiência, conhecimento e destreza, necessários para o funcionamento efetivo dos processos proximais em um dado estágio de desenvolvimento. Finalmente, há as características de demanda, as quais convidam ou desencorajam reações a partir do ambiente social, de um modo que podem fomentar ou romper as operações dos processos proximais.(p. 995). No que diz respeito às disposições, o modelo mostra que elas tanto podem colocar os processos proximais em desenvolvimento quanto interferir, retardar e, até mesmo, evitar que eles ocorram. As disposições que desencadeiam os processos proximais foram chamadas de desenvolvimentalmente geradoras. Como exemplo dessas disposições, os autores citam a curiosidade, tendência a iniciar e engajar-se em atividades, tanto sozinho quanto acompanhado, disposição para responder às iniciativas de outros, e prontidão para abster-se de gratificação imediata ao buscar objetivos em longo prazo. Aquelas que interferem negativamente para que os processos proximais ocorram foram denominadas de desenvolvimentalmente disruptivas (COPETTI & KREBS, 2004). O segundo tipo de atributos pessoais que influenciam os processos proximais foi denominado de recursos. Assim como os atributos relativos às disposições foram identificados como gerativos ou disruptivos, os atributos foram identificados como positivos ou negativos. Os recursos associados com competência são identificados como habilidades, conhecimento, destreza e as experiências que a pessoa em desenvolvimento vai tendo ao longo da vida. Os recursos associados às disfunções limitam ou rompem a integridade do organismo. São exemplos disso os defeitos congênitos, o baixo peso ao nascer, a deficiência física, as doenças severas e persistentes, ou os danos no cérebro, resultantes de acidentes ou processos degenerativos (BRONFENBRENNER, 1995; BRONFENBRENNER & MORRIS, 1998). Em 1998, Bronfenbrenner, em co-autoria com Morris, renomeou o paradigma como Modelo Bioecológico. Nessa nova versão, os autores incluíram as demandas como a terceira categoria dos atributos pessoais. Os autores enfatizaram que essas características afetam o desenvolvimento por terem um potencial de convidar ou desencorajar reações de pessoas no ambiente em que a pessoa em desenvolvimento encontra-se, e essa atração ou rejeição pode fomentar ou romper processos de desenvolvimento. As demandas podem ser interpretadas como um potencial que a pessoa em desenvolvimento tem para receber atenção e afeto, por um lado, ou despertar sentimentos negativos, por outro lado, das pessoas que fazem parte do contexto social da pessoa em desenvolvimento (COPETTI & KREBS/2004). *As dimensões do tempo* Ao discutir as perspectivas de pesquisa relacionadas com o contexto da família, Bronfenbrenner (1986) identificou claramente duas abordagens. Uma que considerava o tempo apenas em relação à pessoa objeto da investigação (um exemplo disso são as pesquisas que comparavam diferenças entre idades cronológicas e/ou tempo de experiência), e a outra, que enfatizava a necessidade de olhar-se o tempo como uma variável da interação pessoa e contexto. Para distinguir tais investigações daqueles estudos longitudinais mais tradicionais, focalizando exclusivamente o indivíduo, eu tenho proposto o termo cronossistema, para designar um modelo de pesquisa que permita investigar a influência no desenvolvimento da pessoa, de mudanças (e continuidades) ao longo do tempo, no ambiente no qual a pessoa está vivendo. (p. 724). O Modelo do Cronossistema permite identificar o impacto de eventos anteriores, de forma isolada ou em seqüência, no desenvolvimento da pessoa. Para caracterizar esse modelo, Bronfenbrenner (1998) classificou os eventos em dois tipos, os normativos e os não-normativos. Esses eventos podem ter sua origem tanto no organismo, quanto no ambiente externo. Na primeira categoria, estão os eventos que, de certa forma, já eram esperados que ocorressem e, na segunda, aqueles cuja ocorrência não pode ser antecipada. Em 1998, Bronfenbrenner e Morris atribuíram três dimensões ao fator tempo. A primeira, denominada como microtempo, deve ser observada na persistência da pessoa em engajar-se em atividades molares. A segunda, referida como mesotempo, diz respeito à periodicidade com que um evento persiste, mesmo quando a pessoa transita de um microssistema para outro. Finalmente, o macrotempo, entendido como o tempo histórico e social, e pode estender-se através de gerações (COPETTI & KREBS, 2004). *O processo como construto central Modelo Bioecológico* Se observarmos os quatro construtos do Modelo Bioecológico, podemos perceber que apenas para o processo não há uma identificação específica de elementos constitutivos. Para o construto pessoa, esses elementos são identificados como disposições, recursos e demandas. Para o contexto, os elementos são atividades, relações interpessoais e papéis, em relação ao microssistema, participação multiambiental, ligações indiretas, comunicação e conhecimento, inerentes ao mesossistema e ao exossistema (exceto a participação multiambiental), e sistema de crença, oportunidades, riscos, valores, etc., para o macrossistema. Para o tempo, além da subdivisão em microtempo, mesotempo e macrotempo, Bronfenbrenner (1995) refere-se ao tempo de vida e ao tempo histórico. Isso nos permite refletir que o processo seja o fator de interação dos outros três fatores, e dessa interação resultam as mudanças e estabilizações que acontecem ao longo da vida de uma pessoa e, também, através de gerações. Em referência ao microssistema, o processo envolve formas particulares de interação entre a pessoa e o contexto, denominadas como processos proximais. Os processos proximais operam numa dimensão temporal e são vistos como os mecanismos primários produtores do desenvolvimento humano. Dessa forma, eles variam em função das características da pessoa, do contexto e do tempo. Essa ênfase no processo não é uma preocupação recente de Bronfenbrenner. Já em 1943, ao propor um quadro de referências para pesquisas sociométricas, ele comentou que: As variações ocorrem não apenas no status social de uma pessoa específica dentro do grupo, mas também na própria estrutura do grupo - sendo isso na freqüência, na força, no padrão, nas bases do relacionamento, que mantêm o grupo unido lhe dão um caráter distinto. O status social e a estrutura são, naturalmente, interdependentes, mas é preciso que seja dada uma atenção a essas variáveis para que o processo do desenvolvimento social seja adequadamente compreendido. (p. 363). Foto: Menina tocando violino. *A inclusão como um processo proximal* Ao caracterizarmos a inclusão escolar como um processo proximal, devemos estar atentos às mudanças e estabilizações não apenas nos atributos da criança incluída, mas também em todas as características dos contextos em que ela participa ativamente, como, por exemplo, a sala de aula, o pátio da escola, o ambiente familiar, a vizinhança, etc. Essa interação dinâmica entre a criança e as outras pessoas em seu entorno social deve ser vista numa perspectiva temporal que inclua as transições ecológicas que a criança vivencia e os eventos significativos que ocorrem ao longo dos microtempos e mesotempos. Para melhor discutirmos a relação dos elementos do Paradigma Bioecológico, criamos algumas indagações, para as quais apresentaremos algumas possíveis respostas. A primeira questão diz respeito à dicotomia entre a legislação e a realidade da escola onde ocorrerá o processo de inclusão. Toda e qualquer lei origina-se de uma discussão política no Congresso Nacional, nas secretarias vinculadas ao Ministério de Educação e assim sucessivamente. Esses exemplos representam microssistemas onde são discutidos os decretos e as diretrizes que norteiam a política nacional da educação e, conseqüentemente, a inclusão escolar. Para que essas diretrizes e decretos se efetivem, faz-se necessário termos um macrossistema que integre todos os microssistemas onde a criança vivenciará o processo da inclusão. Essas considerações reforçam a idéia de que as políticas públicas dependem dos valores que permeiam a cultura e as oportunidades existentes nos contextos onde elas serão implementadas. A inclusão de uma crian ça na escola não diz respeito apenas a ela e sua família, mas a todas as crianças que conviverão com ela no contexto da escola e suas respectivas famílias. A implementação de uma política inerente à escola inclusiva deve começar pelas relações interpessoais entre as crianças e o professor ou professora responsável pela classe, com ênfase na reciprocidade, equilíbrio de poder e afetividade. Em relação aos alunos, é importante enfatizar as disposições para o engajamento e a permanência em atividades conjuntas, gradativamente mais complexas, com a orientação de professor ou professora que tenha recursos para mediar os processos proximais. Outra questão que podemos discutir é o papel dos pais e amigos das crianças que freqüentam uma escola inclusiva. Para Bronfenbrenner, um papel não envolve apenas as expectativas da sociedade em relação à pessoa que desempenha esse papel, mas principalmente o que essa pessoa espera que os outros esperem dela. Nesse sentido, é importante uma maior aproximação entre a escola e as famílias dos alunos, pois, se reforçando os mesossistemas entre a escola e as famílias, haverá uma maior probabilidade de que todos os envolvidos com as crianças criem expectativas positivas em relação a si próprios, podendo colaborar de forma mais significativa no processo da inclusão. *O professor como um mediador no contexto da inclusão escolar* Dentre todos os contextos vinculados ao processo da inclusão, o ambiente da aula é aquele onde o professor tem a sua ação mais efetiva. Ao descrever os processos proximais, Bronfenbrenner (1995) tomou como base os conceitos de Vygotski para as três zonas de desenvolvimento: real, proximal e potencial. Se entendermos que o aluno com necessidades educacionais especiais desenvolve-se de uma zona real para uma zona potencial, através da zona proximal, o professor será o principal mediador nesse processo. No entanto, para mediar o processo de desenvolvimento, o professor deverá estar ciente das principais dificuldades do aluno com necessidades educacionais especiais. As Diretrizes Nacionais para a Educação Especial (BRASIL, 2003) identificam três grupos de dificuldades que esses alunos apresentam: (a) dificuldades acentuadas de aprendizagem ou limitações no processo de desenvolvimento, (b) dificuldades de comunicação e sinalização diferenciadas dos demais alunos e (c) dificuldades relacionadas às altas habilidades/superdotação daqueles alunos que têm grande facilidade de aprendizagem. Em relação ao primeiro tipo de dificuldades, estão incluídos aqueles alunos com disfunção de alguma natureza, orgânica ou não. Na Teoria Bioecológica, a disfunção é classificada como um recurso negativo, que limita ou impede o acesso da pessoa a um determinado nível de habilidade ou conhecimento. Essa disfunção poder á transformar-se, também, numa demanda negativa. O aluno que possuir uma demanda negativa será rejeitado ou excluído das atividades em grupo. A mediação do professor deverá amenizar o impacto da disfunção e, para isso, ele deverá identificar no aluno especial algum recurso gerativo (atributo pessoal positivo) para que os demais alunos não o rejeitem. Esses recursos gerativos poderão não estar associados diretamente à aprendizagem de habilidades específicas. Talvez, o primeiro recurso que o professor deverá desenvolver em seus alunos é a disposição para o engajamento em atividades de grupo. Durante essas atividades, o professor dever á mediar as relações entre todos os alunos, no sentido de assegurar que haja entre eles reciprocidade, equilíbrio de poder e afetividade. Em relação ao segundo tipo de dificuldades, que diz respeito às diferentes formas de comunicação, pode-se dizer que essa limitação não inclui apenas os alunos especiais. A Teoria Bioecológica insere a comunicação não apenas nas relações interpessoais que se estabelecem no microssistema, mas também como uma das forças do mesossistema e do exossistema. Nesse caso, o professor deverá ter conhecimento do comportamento do aluno com deficiência em outros ambientes que não o de aula. Se o professor conseguir identificar as estratégias que aquelas pessoas significantes para esse aluno usam para comunicar-se com ele, essas estratégias poderiam ser trazidas para o ambiente da aula. Ao mesmo tempo em que o aluno especial estiver se adaptando para comunicar-se com o professor e colegas, esses também estarão se adaptando para comunicar-se com o aluno especial. No terceiro grupo de dificuldade estão incluídos os alunos com altas habilidades. Considerando-se que, de acordo com a Teoria Bioecológica, esses alunos não possuem recursos negativos, sua dificuldade estará relacionada com a disposição para participar de atividades de aprendizagem que estão em níveis inferiores ao de sua zona real de desenvolvimento. Nesse caso, o professor poderá estimular esse aluno especial a ser mediador, junto com ele, nas atividades com os demais alunos e, ao mesmo tempo, atribuir-lhe tarefas diferenciadas que sejam instigadoras ao seu desenvolvimento. Um aluno com altas habilidades poderá não ter dificuldade em relação à aprendizagem de alguma habilidade nova, mas isso poderá dificultar o seu relacionamento com os demais colegas. Para que isso não ocorra, o professor deverá incluir no ambiente de aula, atividades que favoreçam o fortalecimento dos laços sociais entre todos os alunos. Essas atividades deverão enfatizar mais os emocionais do que os cognitivos. *Considerações finais* No início deste ensaio, anunciamos o objetivo de discutir a teoria de Bronfenbrenner como um novo paradigma para a inclusão de crianças com necessidades educacionais especiais no contexto escolar. Vamos concluir essas reflexões a partir dos parâmetros do contexto, passando pelos atributos da pessoa e pelas dimensões do tempo para, então, enfatizarmos os processos desencadeados pelo envolvimento da criança na escola inclusiva. Para a criança que ingressa numa escola inclusiva, cada contexto novo que ela encontra (um microssistema) determina uma transição ecológica. É importante que os adultos entendam a importância de que esses contextos ofereçam aos participantes a oportunidade tanto de se engajarem com também de observarem as atividades, pois as relações interpessoais são construídas a partir das díadas de observação. Para que essa transição se torne menos difícil, é importante que as atividades ocorram com bases na reciprocidade, equilíbrio de poder e afetividade. A criança precisa vivenciar tanto os contextos em que ela adquire novas habilidades quanto aqueles em que ela tem a autonomia para vivenciar as habilidades já adquiridas. Em relação aos atributos pessoais, normalmente, a criança é avaliada por seus recursos que, por sua vez, facilitam ou dificultam a sua capacidade de desempenho. No entanto, esses recursos estão, ainda, em fase de transformações. Qualquer julgamento em relação à competência da criança com necessidade educativa especial para uma determinada tarefa, com base apenas em seus recursos pessoais, não deve ser estimulado. A disposição é uma força que tanto pode ser geradora quanto disruptiva, e poderá determinar a significância que a criança atribuirá à atividade, bem como a sua persistência para tentar melhorar o seu grau de proficiência nessas atividades. Um dos obstáculos que uma criança com necessidades educacionais especiais encontra no momento da inclusão diz respeito ao fato dos currículos escolares serem estratificados em função de uma seqüência gradativa de dificuldade, como se todas as crianças de uma mesma faixa de idade aprendessem no mesmo tempo que as demais que pertencem ao seu grupo. É importante que numa política de inclusão seja observado tanto o tempo vital quanto o tempo histórico de cada criança e, com base nisso, o adulto seja um mediador que facilite as transições ecológicas que a criança enfrenta. *Referências Bibliográficas* BRASIL, Ministério da Educação. Secretaria da Educação Especial. Diretrizes nacionais para a educação especial na educação básica. 3ª Edição. Brasília: MEC/SEESP, 2002. BRONFENBRENNER, Urie. A Constant Frame of Reference for Sociometric Research. Sociometry. V. 6 pp.363-397, 1943. BRONFENBRENNER, Urie. The Ecology of Human Development: Experiments by Nature and Design. 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Santa Maria,RS: Kinesis, pp. 17-40, 1997. *Enfoque - 46* *Tecnologias, desenvolvimento de projetos e inclusão de pessoas com deficiência* Elisa Tamoe Moriya Schlünzen (Professora do Departamento de Matemática, Estatística e Computação e do Programa de Pós-Graduação em Educação da FCT/Unesp de Presidente Prudente/SP.) e-mail: elisa@fct.unesp.br Universidade Estadual Paulista – Unesp Klaus Schlünzen (Professor do Departamento de Matemática, Estatística e Computação e do Programa de Pós-Graduação em Educação da FCT/Unesp de Presidente Prudente/SP.) e-mail: klaus@fct.unesp.br Universidade Estadual Paulista – Unesp Foto: Aluno com necessidades especiais digitando em um laboratório de informática. Resumo Este artigo aborda os princípios que consideramos relevantes para nortear o uso das Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC) com pessoas com deficiência. São apresentados teorias e métodos educacionais pesquisados, que procuram encontrar meios no sentido de garantir uma escola que seja de fato acessível a todos e que seja capaz de usar os recursos tecnológicos para lidar com as dificuldades, habilidades e competências das pessoas com deficiência. A análise de várias experiências de uso das TIC em pessoas com deficiência em diferentes contextos educacionais possibilitou constatar que a estratégia de desenvolvimento de projetos, segundo a abordagem Construcionista, Contextualizada e Significativa (CCS), melhora o processo de aprendizagem conceitual, atitudinal e procedimental, e favorece a inclusão destas pessoas no ambiente escolar e na sociedade. Palavras-chave: Tecnologias de Informação e Comunicação, Desenvolvimento de projetos, Educação Especial, Inclusão. Abstract This article approaches the principles that should be focus of attention for any one who intends to use Information and Communication Technologies (ICT) with Disabled People (DP). Here are presented researched theories and educational methods having in mind means of assuring a school that in fact is accessible to all. This school has to be capable of using the technology to work with DP’s difficulties, abilities and competences. Analyzing several experiences using ICT with PD in different educational contexts, it was verified that the strategy of developing projects according to the Constructionist, Contextualize and Significant approach (CCS) is very important. It improves the PD conceptual, attitudinal and behavior learning process that contributes positively to the PD inclusion in schools and in society. Keywords: Information and Communication Technologies, Projects Development, Special Education, PD Inclusion. *1. Introdução* As pesquisas tiveram início com a experiência de usar Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC) para melhorar o processo de ensino e aprendizagem das pessoas com deficiência, em 1997, na Associação de Assistência à Criança Deficiente (AACD), na cidade de São Paulo/Brasil. Com as investigações realizadas, desvelaram-se alguns princípios básicos que podem orientar o professor no desenvolvimento de uma metodologia que faz uso do computador para o ensino dos conceitos curriculares, despertando as potencialidades e habilidades do aluno, adotando como estratégia o desenvolvimento de projetos. Nos anos de 2001 a 2006, foram desenvolvidas investigações com o uso das TIC para favorecer a aprendizagem e a inclusão de pessoas com deficiência com diversas patologias, como: síndrome de down, atraso cognitivo, paralisia cerebral, cegos/visão subnormal, surdos, entre outras. Simultaneamente, foram realizadas pesquisas sobre a formação de professores em serviço nas escolas públicas para o uso das TIC e construção de softwares educacionais acessíveis. De acordo com estes estudos sobre o uso do computador no ensino, concluímos que a partir de uma nova prática pedagógica com o uso das tecnologias, é possível favorecer o processo educacional para promover a inclusão das pessoas com deficiência. Além disso, as TIC são recursos que permitem a comunicação das pessoas com deficiência com a sociedade, a produção individual e coletiva, favorecendo o processo avaliativo e de diagnóstico, uma vez que essas pessoas, apesar de suas dificuldades, podem ter seu cognitivo preservado e desejos como outras pessoas que não possuem necessidades educativas especiais. As possibilidades do desenvolvimento cognitivo das pessoas com deficiência já foram investigadas por renomados pesquisadores, entre as quais destacamos alguns fundamentos importantes para considerar a relevância das afirmações que faremos neste artigo. Braga (1996) contesta a hipótese de Piaget sobre a possibilidade das crianças com deficiência física adquirirem uma deficiência cognitiva por sua inabilidade de se mover no ambiente e de manipular objetos nos dois primeiros anos de vida, mesmo que tenham nascidos com parte do cognitivo preservado. Com o intuito de comprovar esta afirmação, Braga (1996) apresenta estudos de outros pesquisadores como: Cromer (1973), Gottesman (1971), Hatwell (1966), Miller (1969) e Tobin (1972), que desenvolveram pesquisas com cegos com iguais dificuldades de manipular objetos. Por meio de suas experiências, estes pesquisadores observaram e provaram um desenvolvimento cognitivo normal nos cegos. Além disso, aquela autora salienta ainda que, para Vygotsky (apud BRAGA 1996 p. 114), “a criança aprende a agir em uma esfera cognitiva, ao invés de uma esfera visual externa, dependendo das motivações e tendências internas, e não dos incentivos fornecidos pelos objetos externos”. Braga (1996) reforça ainda esta idéia, baseada nas pesquisas de Von Cranach & Valach (1984), pois a visibilidade da ação ou o aspecto tátil e motor não são imprescindíveis para o desenvolvimento cognitivo da criança. Logo, os elementos essenciais da ação seriam intencionalidade, planejamento, definição de objetivos, motivação e exercício do controle social pelo sujeito que a dirige, incluindo neste universo o importante papel da sociedade e dos educadores. De acordo com Vygotsky apud Braga (1996): - Todas as funções do desenvolvimento cultural da criança aparecem em dois planos: primeiro, no plano social e, então, no psicológico. Inicialmente, desenvolve-se entre as pessoas como uma categoria interpsicológica e, depois, na criança, enquanto categoria intrapsicológica. (p. 57). Wertsch (1985) concorda com esta afirmação, pois o funcionamento do interpsicológico está intrinsecamente vinculado ao intrapsicológico. Assim, o futuro das pessoas com deficiência depende muito da possibilidade proporcionada a elas em relação à interação com o meio social, aspecto enaltecido com a possibilidade de sua participação nos ambientes escolares. Além disso, a relação entre as pessoas com deficiência e as consideradas “normais” com uma perspectiva cultural mais ampla, poderia ser um elemento fundamental para o seu desenvolvimento. Nesta relação, as pessoas com deficiência poderiam, gradualmente, mediante sua interação com o meio e seus objetos, tecnológicos ou não, aumentar as suas possibilidades e ações, participando ativamente do processo no qual está inserido. Inhelder (apud BRAGA 1996, p. 63), a partir dos estágios de desenvolvimento dos pressupostos básicos da teoria de Piaget, concluiu que os princípios gerais do desenvolvimento (a seqüência em que os conhecimentos estão sendo aprendidos) são semelhantes para as pessoas sem ou com necessidades especiais. Vygotsky (1993) acrescenta que a criança deficiente teria seus próprios caminhos isotrópicos para processar o mundo. Isotrópicos (Nota 3): Para Vygotsky (1993), a dificuldade do indivíduo faz com que ele se desenvolva por meio de um processo criativo (físico e psicológico), definindo-o como caminhos isotrópicos. Ou seja, o indivíduo portador de necessidades especiais pode encontrar seus caminhos por rotas próprias e diferentes. Portanto, as pessoas com deficiência podem ser estimuladas a encontrar caminhos próprios. Sob esta perspectiva, acreditamos que a sociedade poderia auxiliar a escola a cumprir o seu papel, oferecendo oportunidades para estas crianças se desenvolverem com o uso dos recursos das TIC. Considerando estes resultados, temos a possibilidade da criação de novas maneiras para o desenvolvimento das pessoas com deficiência, uma vez que o uso dos recursos tecnológicos pode contribuir para diminuir a ruptura imposta pela deficiência. No entanto, é necessário modificar o processo educacional vigente na maioria de nossas escolas que ainda desenvolve o método instrucionista, procurando novas formas de ensinar que permitam às crianças aprenderem por seus próprios caminhos, não evidenciando suas necessidades e sim as suas habilidades e potencialidades. Nesta direção, Vygotsky (1993) sugere uma mudança enfatizando a necessidade de uma revisão dos currículos e métodos de ensino. Com esta perspectiva, verificamos que o computador pode ser um instrumento facilitador da construção da aprendizagem e um meio de acesso dessas pessoas a espaços em que, sem ele, seria muito difícil incluí-los. Esta nova maneira de entender o contexto educacional implica na revisão do ato de ensinar e propiciar a aprendizagem, aceitando desejos, habilidades, inteligências e caminhos isotrópicos das pessoas com deficiência. Dentre as várias formas de ensinar e aprender, constatou-se que a estratégia de desenvolvimento de projetos com o uso das TIC pode proporcionar um trabalho pedagógico realmente inclusivo (Pellanda, Schlünzen & Schlünzen, 2005; Schlünzen, 2000). Neste artigo, pretendemos descrever a importância do uso do computador no processo de ensinoaprendizagem, enfatizando os recursos que a tecnologia oferece para as pessoas com deficiência, destacando um novo fazer pedagógico no processo educacional e social. *2. O Uso das TIC no processo educacional para favorecer a inclusão* As TIC podem constituir um recurso fundamental para possibilitar, por meio da inclusão digital, o acesso das pessoas com deficiência à escola, uma vez que permitem a sua comunicação, a busca e troca de informação, a construção do conhecimento e, conseqüentemente, um melhor desenvolvimento cognitivo e uma avaliação que permita verificar a capacidade intelectual destas pessoas. Porém, o preparo do profissional (educadores ou terapeutas) que usará as TIC é de extrema importância para que sejam aproveitados os recursos que as ferramentas oferecem. Caso contrário, o computador seria usado da mesma forma como ocorre na maioria das vezes, como um instrumento transmissor de informações e conteúdos. Foto: Aluna utilizando o computador com o auxílio de Tecnologia de Informação e Comunicação (TIC). Muitas vezes observamos que as TIC são utilizadas como meios para superação das deficiências, sem uma preocupação com o processo de aprendizagem da pessoa com deficiência, sem considerar seus interesses, desejos, contextos e significados. Diante disso, o uso da tecnologia não pode ficar apenas restrito à reabilitação e ao cognitivo da criança. Segundo Mantoan (1998, p. 375), as pesquisas desta natureza servem para compensar as dificuldades de adaptação, cobrindo o déficit de visão, audição, comunicação, mobilidade e compreensão. Assim, reduzem- se os problemas que a deficiência ocasiona, atenuando os déficits, fazendo falar, andar, ouvir, ver e aprender. Entretanto, para esta autora, os problemas não se resumem aos provenientes da deficiência em si, mas na maneira como a maioria responde a estas dificuldades, ressaltando as seguintes questões: - O que é falar sem o ensejo e o desejo de nos comunicarmos uns com os outros? - O que é andar se não podemos traçar os nossos próprios caminhos para buscar o que desejamos, para explorar o mundo que nos cerca? - O que é aprender sem uma visão crítica, sem viver a aventura fantástica da construção do conhecimento? - O que é criar, aplicar o que sabemos, sem as amarras dos treinos e dos condicionamentos? Confirmando o que Mantoan apresenta, para as pessoas com deficiência, o computador tem sido usado como recurso para administrar as suas diferentes necessidades das quais podemos citar: - Como comunicador aumentativo e alternativo: esta ferramenta é utilizada como uma espécie de “prótese” para comunicação. Na dificuldade motora, podemos encontrar muitos exemplos desta aplicação, como: simuladores de teclado, emuladores de mouse, monitores especiais sensíveis ao toque, entre outros. - No processo de avaliação: o profissional com esta ferramenta consegue fazer um diagnóstico da capacidade intelectual de qualquer pessoa, desde que observe a interação do usuário com a máquina e o desenvolvimento e o registro das atividades realizadas por ele. Por exemplo, uma linguagem de programação como Logo permite o registro do pensamento lógico do aluno. Pesquisadores como Valente (1991) salientam a importância do uso dos recursos tecnológicos para melhorar a aprendizagem das pessoas com necessidades especiais: - O computador pode ser uma ferramenta de aprendizado, como pode ser também a ferramenta com a qual a criança deficiente física pode interagir com o mundo das pessoas e dos objetos (...) a atividade no computador pode ser uma importante fonte de diagnóstico da capacidade intelectual da criança deficiente. (p. 7). Contudo, em um levantamento sobre trabalhos de pesquisas e intervenções na área de informática na educação especial, observamos relatos descrevendo o uso de sistemas computacionais desenvolvidos para indivíduos com alguma necessidade especial, como também a utilização de ambientes abertos, como a linguagem de programação Logo, sistemas de autoria e mais recentemente a internet. Porém, geralmente focados em aplicações diagnósticas limitadas a ambientes de laboratório ou a grupos pequenos de controle. Estas pesquisas enfatizam muito o aspecto reabilitacional e cognitivo das crianças, o que pode ser interessante nos campos da comunicação, do diagnóstico e de avaliação em um ambiente de laboratório. Todavia, são muito pobres em um ambiente escolar, onde se pretende que o aluno descubra e desenvolva as suas competências e habilidades, tendo uma aprendizagem cognitiva, procedimental e atitudinal. Portanto, neste processo é importante usar as TIC dentro de uma abordagem CCS (Nota 4) que considera os anseios e desejos das pessoas com deficiência, tornando-as seres ativos e capazes de se desenvolverem. O uso das TIC, dentro desta perspectiva, possibilita a pessoas com deficiência executar determinadas tarefas, como desenhar, escrever e criar cenários de maneira independente, que antes necessitavam de auxílio de outras pessoas quando prescindiam de um controle motor. Pode também comandar o computador para resolver problemas por meio de uma linguagem de programação ou de sistemas de autoria. Finalmente, pode buscar e trocar informações em redes de computadores (internet) e nos mais diversos meios digitais de armazenagem de dados. Nota 4: (CCS) - Construcionista porque o aluno usa o computador como uma ferramenta para produzir um produto palpável na construção do seu conhecimento e que é de seu interesse (VALENTE, 1997); Contextualizada porque o tema do projeto parte do contexto da criança, desenvolvendo-se a partir da vivência dos alunos, relacionando-o com a sua realidade; Significativa quando os alunos se deparam com os conceitos das disciplinas curriculares e o professor media a formalização dos conceitos, cada aluno deve conseguir dar significado ao que está sendo aprendido, atuando conforme suas habilidades, resolvendo o problema de acordo com aquilo que mais se identifica. (SCHLÜNZEN, 2000) Foto: Aluna com necessidades especiais utilizando o computador. Assim, as TIC podem ser um recurso poderoso que permitirá, por meio da inclusão digital, o acesso das pessoas com deferência na sociedade, na escola e no mundo do trabalho. Cabe ressaltar, entretanto, que o uso das TIC não é o foco principal, deixando de ser um fim e passando a ser um meio pelo qual o profissional deverá saber articular o seu uso com os benefícios potencializadores que essas tecnologias trazem para a educação especial e para a nova prática pedagógica. Para tanto, é necessário compreender que para as pessoas com deficiência usarem o computador é preciso usar os recursos de acessibilidade como: lentes de aumento, narrator, on-screen keyboard e dos softwares Motrix, Dosvox, Jaws, Virtual Vision, entre outros, facilitando assim a sua interação e comunicação. A maioria dessas ferramentas está disponível para o sistema operacional Windows (lente de aumento, narrator, on-screen keyboard ou teclado virtual), porém muitas delas são desconhecidas pelos usuários, utilizando recursos externos (softwares Motrix, Dosvox, Jaws, leitores de tela, navegadores não visuais, Linhas Braille, ampliadores de tela, geradores de legendas, teclados especiais) que necessitam de investimentos financeiros. Para se usar estes recursos e provocar transformações no processo educacional, Basil (1995, p. 259) afirma que “será necessário, também, uma mudança de atitudes e uma formação adequada das pessoas que interagirão com a criança nos contextos educacionais, tanto terapeutas e professores, como familiares e colegas”. Com este cenário, procuramos investigar os princípios básicos que orientariam o professor na construção de uma metodologia que usa o computador para criar um ambiente CCS para as pessoas com deficiência, a partir do seu campo de interesse, visando despertar as potencialidades e habilidades do aluno, usando como estratégia o desenvolvimento de projetos. Foram realizadas pesquisas que visavam a inclusão digital de pessoas com deficiência em diferentes ambientes, como: em um laboratório acadêmico, em salas especiais e regulares com a formação de educadores em serviço. Com o acompanhamento do trabalho pedagógico resultante, resgatamos, junto com o professor, um ambiente no qual as pessoas com deficiência aprenderam os conteúdos disciplinares de forma lúdica. Deste modo, elas conheceram-se melhor, promovendo contato e vivência com a sociedade, suas habilidades e potencialidades foram valorizadas e o uso das TIC oportunizou o acesso destas pessoas a vários ambientes. Muitos projetos foram desenvolvidos e avanços significativos foram alcançados. Dentre eles, podemos citar alguns projetos e atividades que utilizaram as TIC com as perspectivas de mudanças que apresentamos (SANTOS, et al, 2005): Projeto Autobiografia (relato de histórias de vidas para o desenvolvimento de habilidades de escrita e de leitura,...), Construção de Rádio Virtual (descoberta da personalidade, preferências pessoais, expressão corporal, desenvolvimento da leitura e escrita,...), Construção de Home-Page (promover a criação de textos, descoberta de preferências pessoais, habilidades de comunicação e criação, ...), Exploração de Recursos da Internet (chats para estimular a comunicação e a inclusão social, mesmo sendo em um ambiente virtual). Outros projetos escolares desenvolvidos em sala de aula utilizaram recursos pedagógicos e tecnológicos, trabalhando os conceitos disciplinares visando a inclusão escolar, como: “Horta pé no chão”, “Eu no contexto Social’, “Os animais”, “As olimpíadas”, “Quem sou eu”, entre outros. Foto: Aluno visualizando algo que está sendo apontado na tela do computador por uma professora. *3. Resultados do Desenvolvimento da Pesquisa* Dentre os vários resultados, podemos destacar os mais relevantes que, com o uso das TIC, as pessoas com deficiência superaram ou minimizaram as barreiras com o mundo sem que suas dificuldades fossem evidenciadas. O uso da tecnologia foi articulado ao cotidiano da sala de aula e da vida dessas pessoas, propiciando a construção do seu conhecimento, a busca por informações e a vivência em contextos sociais até então muito desconhecidos para este público. O trabalho desenvolvido, além de permitir a inclusão em ambientes escolares e sociais, possibilitou às pessoas com deficiência construírem algo palpável (VALENTE, 1997) e significativo dentro do projeto em desenvolvimento, ampliando as atividades para as dimensões afetivas e valorativas. Assim, o profissional envolvido articulou o uso desta ferramenta e todos os benefícios que ela traz para a educação especial, modificando a sua prática pedagógica. No desenvolvimento de cada projeto, conseguimos trazer o dia-a-dia para os ambientes de aprendizagem, permitindo aplicações práticas e experiências, de acordo com a realidade de cada um, fato considerado relevante para Masetto (1998). Além disso, os profissionais descobriram uma maneira mais prazerosa de ensinar, de dar significado à aprendizagem, integrando e contextualizando os conceitos. A riqueza dos momentos vivenciados com o desenvolvimento dos projetos permitiu que o currículo também pudesse ser contemplado de forma significativa e contextualizada, com os quais o educador pôde formalizá-los, colaborando com a construção dos conceitos a partir dos temas escolhidos, vividos e abordados. Deste modo, o currículo foi organizado e construído a partir dos problemas e preocupações de interesse das pessoas com deficiência, diferente das formas fragmentadas por disciplinas, como Hernandez (1998) ressalta que estão presentes na maioria das escolas. O trabalho desenvolvido favoreceu a conscientização do crescimento e das habilidades individuais, permitindo que as pessoas com deficiência percebessem as suas capacidades, descobrindo sua auto-imagem para atuar em sociedade. A reflexão sobre estes aspectos foi possível por meio da auto-avaliação, possibilitando-lhes verificar suas percepções e com isso, ampliar o diagnóstico, a avaliação e a atuação dos profissionais. A avaliação neste processo deixou de ser classificatória e passou a ser formativa (PERRENOUD, 1999) ou mediadora (HOFFMAN, 1993), analisando as várias manifestações sociais, emocionais, afetivas e cognitivas em situação de aprendizagem. Os profissionais perceberam as facilidades ou os problemas de elaboração, de raciocínio, de proporção, de articulação, de sociabilidade, permitindo conhecer os alunos de maneira mais completa, podendo decidir e atuar para ajudá-los a melhorar, a se desenvolverem e a descobrirem as suas habilidades, competências (PERRENOUD, 1999), inteligências (GARDNER, 1995), potencialidades e seus caminhos isotrópicos (VYGOTSKY, 1993; BRAGA, 1996). A maio ria dos projetos favoreceu o trabalho em grupo, e houve uma grande parceria com os amigos, profissionais e demais envolvidos. Cada pessoa com deficiência pôde contribuir com suas idéias a partir de sua criatividade, interesses e desejos, não sendo um espectador das mudanças ocorridas, como Fazenda (1995) salienta ser importante para o desenvolvimento dos alunos no ambiente educacional, participando ativamente da construção do conhecimento, junto com os alunos na sala de aula. Ressalta-se que houve também uma mudança na relação com os familiares e responsáveis, pois estes puderam observar o desenvolvimento das pessoas com deficiência, descobrindo as suas possibilidades e não as limitações. A análise dos profissionais mostrou que as famílias observaram as evoluções, o progresso e a satisfação que as pessoas com deficiência apresentaram em cada uma de suas conquistas vivenciadas no desenvolvimento dos projetos. Usar como estratégia o desenvolvimento de projetos possibilitou que o ritmo e o tempo, as habilidades, as potencialidades e as dificuldades de cada pessoa com deficiência fossem respeitados, permitindo que pudesse encontrar seus caminhos isotrópicos. Finalmente, nas pesquisas com este novo fazer pedagógico e que se utilizam das TIC, verificamos que a inclusão é possível, sustentando a tese de Mantoan (1997) sobre o aprimoramento da qualidade do ensino regular e a adição de princípios educacionais que valorizam as diferenças, resultando, naturalmente, no acesso inclusivo dessas pessoas na escola. Podemos destacar como importantes conquistas a inclusão de alunos que há cinco anos freqüentavam uma sala especial de uma escola estadual, correspondendo a 1ª e 2ª séries do ensino fundamental, em uma sala regular; a inserção de alunos que não participavam do processo educacional em salas regulares de ensino; o aperfeiçoamento do trabalho pedagógico dos educadores que participaram do processo de formação oferecido pelos membros do grupo de pesquisa “Ambientes potencializadores para a inclusão” da FCT/Unesp; inserção das pessoas com deficiência na sociedade e no mundo do trabalho. “Ambientes potencializadores para a inclusão” (Nota 5): Este grupo de pesquisa atualmente é coordenado pela Profª. Dra. Elisa Tomoe Moriya Schlünzen, com o objetivo discutir e elaborar estratégias para propiciar a inclusão escolar, digital e social de PD. *Referências Bibliográficas* BRASIL, C. Os alunos com paralisia cerebral: Desenvolvimento e Educação. In: C. Coll, J. Palacios & A. Marchesi (org.). 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Nesse contexto educacional, Mantoan defende uma escola que reconheça a igualdade de aprender como ponto de partida e as diferenças no aprendizado como processo e ponto de chegada. Aceitar e valorizar a diferença na escola significa “mudar de lado” e romper com os pilares nos quais a escola tem se firmado até agora. Prieto contextualiza o atendimento escolar de alunos com necessidades educacionais especiais analisando desde as relações entre inclusão e integração escolar até a formação de professores, passando também por uma análise das políticas públicas de educação para todos. O livro está escrito em forma de diálogo entre a as duas autoras, cuja mediação foi feita por Valéria Amorim Arantes, organizadora do livro. A leitura desta obra apresenta elementos que nos estimulam a uma reflexão sobre nossas crenças e práticas, que muitas vezes nos atrapalham na construção de novos conhecimentos e de práticas educacionais inclusivas. Os pontos e contrapontos colocados pelas as autoras, leva-nos à revisão de nossos entendimentos sobre a inclusão e a integração de pessoas com deficiência. Por essas razões, trata-se de uma leitura recomendada para profissionais que lutam para concretização de uma inclusão escolar e social. Livro: INCLUSÃO E EDUCAÇÃO: DOZE OLHARES SOBRE A EDUCAÇÃO INCLUSIVA RODRIGUES, D. (Org.). Inclusão e Educação: doze olhares sobre a educação inclusiva. São Paulo: Summus, 2006. Este livro expressa o pensamento de doze especialistas - seis brasileiros e seis portugueses - acerca de uma escola inclusiva. David Rodrigues, Doutor em Educação da Universidade Técnica de Lisboa e coordenador do livro Inclusão e Educação: doze olhares sobre a educação inclusiva, teve a sensibilidade de enxergar a importância de uma produção acadêmica luso-brasileira sobre um tema que hoje é considerado prioridade na agenda internacional e nacional: a inclusão. Embora os laços entre Portugal e Brasil sejam historicamente distantes, nossa proximidade se revela em iniciativas como esta, tão relevante e apropriada para o atual período de transformação dos sistemas educacionais tradicionalmente excludentes em sistemas educacionais para todos. Todos os autores são profissionais reconhecidos em seus próprios países e no exterior pela sua contribuição para o campo de conhecimento da educação inclusiva e produção científica na área de educação. O livro contribui para a clarificação de abordagens, reflexões e debates sobre o conceito e os fundamentos da educação inclusiva. Para tanto, os autores discutem seus olhares sobre temas relevantes para avançar o conhecimento nessa área, tais como diversidade, diferença, justiça social, participação e cidadania no contexto da educação inclusiva. Finalmente, nos vários capítulos do livro são apresentadas e analisadas questões pertinentes à política pública de educação em ambos os países, tema crucial para garantir o avanço em direção a escolas que, de fato, acolham e ensinem a todos os seus estudantes, independentemente de sua origem, etnia, raça, religião, habilidades, orientação sexual e todas as outras características individuais ou condições humanas que enriquecem a aprendizagem para a vida. Este livro, seguramente, terá um papel fundamental em todos os níveis educacionais, da formação docente à gestão democrática, da política pública ao desenvolvimento de recursos e meios para responder às necessidades e habilidades específicas de cada estudante e, sobretudo, responder à diversidade existente hoje nas escolas portuguesas e brasileiras. *Veja Também - 54* *Olimpíadas de Matemática: Paulo 100% campeão* Relato da professora Patrícia Marangon Secretaria de Educação do Distrito Federal Foto: Professora Patrícia Marangon ao lado do aluno Paulo Indiscutivelmente 2005 foi um ano que ficará marcado em minha vida, tanto no aspecto profissional, quanto no pessoal. Dois meses após completar 14 anos de magistério, recebi em minhas classes de 5ª e 6ª séries, quatro alunos portadores de necessidades especiais. Apenas ao final do ano, percebi que esses alunos representavam um valioso presente, pois o que vivenciei ao lado deles é algo indescritível. Em fevereiro de 2005, a escola onde leciono - Escola Classe 405 Sul em Brasília - pela primeira vez recebeu quatro alunos deficientes visuais para serem inclusos em turmas regulares. Os alunos foram matriculados no turno vespertino e freqüentaram aulas até junho no referido turno. Todavia, houve um problema de adaptação e os mesmos foram remanejados para o turno matutino, no qual eu era regente. A princípio, fiquei assustada, pois nunca tinha trabalhado com alunos portadores de necessidades especiais. Não sabia como deveria direcionar a minha prática pedagógica ou como deveria conduzí-los no processo de ensino-aprendizagem. Eu nunca tinha estado com um deficiente visual, nem mesmo sabia se deveria chamá-lo dessa forma. O fato era que não teria tempo de especializar-me na área e nem de abastecer-me de teorias, conhecimentos e prática: os alunos estavam ali, prontos para começarem a freqüentar as minhas aulas: três alunos na 6ª série e um na 5ª. Nessa altura do ano, as turmas estavam envolvidas e empolgadas com um projeto inovador do MEC e do Ministério de Ciência e Tecnologia: a 1ª OBMEP . Olimpíada Brasileira de Matemática das Escolas Públicas. Eu já havia inscrito todos os meus alunos e as inscrições já tinham sido encerradas em maio. Na semana em que os alunos especiais começaram a freqüentar as aulas no turno matutino, eu estava fazendo um trabalho com minhas turmas de preparação para um simulado da OBMEP. Desses quatro alunos, dois me chamaram a atenção pelo entusiasmo com que receberam a notícia da Olimpíada: Paulo e Leomon. Eles ficaram eufóricos com a oportunidade de participarem de um evento desse porte. Só tinha um problema, as inscrições já tinham sido encerradas quando eles chegaram a minha classe, como já foi dito anteriormente. Assim, não pude ignorar a empolgação desses alunos e procurei o Coordenador Regional da Olimpíada, explicando o ocorrido e o mesmo entrou em contato com a Organização que permitiu a inscrição dos quatro alunos. Desde a primeira aula notei que Paulo era um aluno realmente especial. Nos primeiros minutos de aula, percebi que ele fazia um tremendo esforço para me entender, apesar de estar falando com o volume de voz bem elevado. Isso porque Paulo era um adolescente de 15 anos, deficiente visual, cadeirante e que possuía apenas 30% de audição no ouvido direito devido a uma artrite reumatóide. Resolvi, então, pegar a caixa amplificadora e o microfone, que geralmente eram usados em eventos no pátio da escola, e levei-os para a sala de aula. Desde esse dia, utilizava esse recurso para que Paulo pudesse me ouvir e entender o que eu estava ensinando. Mas o que tornava Paulo um aluno especial, não era o fato de ser portador de necessidades especiais e sim a sede de aprender que ele tinha e seu raciocínio lógico bem desenvolvido. Paulo era “fera” no cálculo mental. Nenhum aluno da turma conseguia acompanhá-lo quando o quesito era: “fazer os cálculos de cabeça”. O outro aluno, Leomon, com baixa visão (15%) devido a uma retinose pigmentar, também tinha facilidade de fazer cálculos mentais e ficou muito empolgado com a idéia de participar da Olimpíada. Desde o primeiro simulado, Paulo e Leomon vinham se destacando. Ficaram entre os dez primeiros colocados. No segundo simulado a excelente colocação se repetiu. Minha grande preocupação, nas etapas da OBMEP, era nas questões que apresentariam ilustrações. Como meus alunos especiais iriam entender essas questões? Nos simulados, eu evitei colocar esse tipo de questão, mas eu sabia que seria impossível isso acontecer nas fases da Olimpíada. Procurei informações acerca de como os alunos iriam fazer a prova: se a prova seria em Braille ou se teriam ledores. Uma semana antes, fui informada que poderíamos utilizar ledores, visto que a prova da 1ª fase seria aplicada na própria escola. Todavia, uma questão ainda me preocupava: e as ilustrações da prova? Será que um ledor consegue ser imparcial ou consegue descrever com exatidão uma ilustração sem que esteja ajudando ou prejudicando um aluno? Eu era inexperiente no assunto, nunca tinha trabalhado com deficientes visuais. O que seria melhor para o aluno: ter alguém para “explicar” a figura ou poder sozinho tocar um material concreto que reproduza a ilustração? Foi aí que tive a idéia de reproduzir todas as ilustrações da prova através de material concreto. A essa altura, faltavam três dias para a prova da 1ª fase. Entrei em contato, mais uma vez, com o Coordenador Regional e este me autorizou a ter acesso às ilustrações da prova para reproduzi-las em material concreto. Não tive muito tempo para criar esses materiais e muitos não foram confeccionados da forma mais adequada. Mas, pelo menos, meus alunos poderiam fazer a prova de uma maneira mais justa, sem que alguém descrevesse algo de forma incorreta ou que desse a resposta pronta e acabada, não permitindo que eles raciocinassem. A OBMEP compõe-se de duas fases: 1ª fase com prova de múltipla escolha e a 2ª fase com provas subjetivas, nas quais é necessário que o aluno descreva qual foi o caminho percorrido para resolver a questão. Da 2ª fase, só participariam 5% dos alunos inscritos na 1ª fase, ou seja, os 5% de alunos com os melhores resultados. Em nossa escola, apenas 12 alunos participariam da 2ª fase. O sucesso de Paulo e Leomon nos simulados repetiu-se na 1ª fase da OBMEP. Os dois foram selecionados para participarem da 2ª fase, juntamente com dez alunos videntes de nossa escola. Participaram da 1ª OBMEP, 10,5 milhões de alunos de todo o Brasil. Para a 2ª fase, ficaram 500 mil alunos e Paulo e Leomon estavam entre eles, representando a Escola Classe 405 Sul. Surpresos com o desempenho de Paulo, eu também fiquei, pois jamais tinha vivenciado tal experiência: um aluno com tantas “limitações” mostrando que era capaz de chegar a qualquer lugar, de ir mais longe, de alcançar o inalcançável. Foi isso que Paulo fez, chegou ao topo, chegou onde ninguém havia chegado. Paulo brilhou na 1ª OBMEP. Paulo foi o único “deficiente” do Brasil que concorreu em iguais condições com videntes e obteve uma medalha de ouro, dentre as cem de sua categoria, na 1ª Olimpíada Brasileira de Matemática das Escolas Públicas. Ele concorreu com 10,5 milhões de estudantes de todo o Brasil. Mais do que uma medalha de ouro, Paulo fez conquistas que durante os 15 anos de sua vida ele não tinha conseguido: ganhou tratamento no Hospital Sarah Kubitschek, onde vem fazendo sessões de fisioterapia três vezes por semana desde novembro de 2005, e já apresentou significativas melhoras; ganhou um aparelho auditivo; computador para uso doméstico e um notebook para fazer suas anotações em sala de aula. Também ganhou o maior prêmio de sua vida: valorização de sua auto-estima e melhoria de sua qualidade de vida! Quanto a mim, também fui agraciada com um prêmio que acredito ser o sonho de todo professor de Matemática: um estágio no IMPA (Instituto de Matemática Pura e Aplicada), no Rio de Janeiro. Cem professores do Brasil ganharam o estágio no IMPA por terem apresentado o maior número de alunos premiados. Além do Paulo, tive mais sete alunos com premiações. No Distrito Federal, foram premiados cinco professores, dentre eles, eu. Todavia, tem um prêmio que nenhum professor de Matemática, em 2005, ganhou, apenas eu: ter sido professora de Paulo Santos Ramos, campeão da 1ª Olimpíada Brasileira de Matemática das Escolas Públicas, campeão da vida! Com o Paulo, aprendi que a inclusão é possível e necessária. É uma lição, tanto para o aluno quanto para o professor. É necessário que se invista na formação de professores, no treinamento e na especialização, porém, força de vontade e dedicação do professor são os principais ingredientes. Graças à experiência que tive com meus alunos especiais em 2005, pude fazer um curso de introdução à Libras e estou fazendo o curso do Sistema Braille e Soroban, e, pretendo continuar nesse caminho, de aprendizado e troca com esses alunos, que são mais que especiais, são nossos professores de valores, de garra e determinação. Profª Patrícia Marangon *Opinião - 56* Com as transformações sociais presentes no período atual, na pós- modernidade e na globalização, passam a surgir mudanças nas políticas públicas fundamentadas na filosofia e nos princípios de uma sociedade inclusiva, abrigadas sob o guarda-chuva da inclusão social. O processo de mudanças passa a ser centrado nas instituições e organizações públicas e privadas a partir da transformação dos sistemas sociais de educação, saúde, trabalho e emprego, assistência social e outros, do acesso universal e da provisão de sistemas de suporte para todos os alunos. Os níveis de gestão da diversidade pesquisados por Thomas & Ely (2000), aplicados à realidade do sistema educacional, levam-nos a uma visão crítica do processo de ingresso das crianças com deficiência na escola. O paradigma da discriminação versus justiça social, organizado em torno do conceito de assimilação, está fundamentado na perspectiva da justiça social e da garantia da igualdade de direitos, dando ênfase à representação demográfica da diversidade local. As escolas que aceitam alunos com deficiência apenas em razão do cumprimento da lei deixam de usufruir dos benefícios potenciais advindos da diversidade desses e de todos os outros alunos. No paradigma de acesso versus legitimidade, que está organizado a partir do conceito de diversificação, além da garantia da representação demográfica e do direito à educação, as diferenças entre os alunos começam a ser reconhecidas, ao atribuir-se valor positivo a essas diferenças, dando legitimidade ao processo de ingresso desses alunos nas escolas e dando início à discussão sobre as novas questões pedagógicas envolvidas na diversificação dos alunos. O ideal da busca pela construção da escola inclusiva - uma escola que reconhece, respeita e responde às necessidades de cada aluno, favorecendo a aquisição do conhecimento e a aprendizagem tanto do aluno quanto do professor, está representada pelo paradigma da aprendizagem versus efetividade, estruturado em torno do guarda-chuva da inclusão social. O professor aprende a internalizar as diferenças entre esses alunos de forma a aprender e a crescer em função delas, e os alunos têm a oportunidade de exercitar um de seus direitos fundamentais como cidadão: o direito à educação. As escolas que adotam o paradigma da aprendizagem versus efetividade são aquelas que passam a incorporar em seus projetos político-pedagógicos o potencial, a criatividade e a cultura de cada aluno. Ao incorporar essas diferenças de forma a aprender e a crescer com elas, o professor beneficia-se da diversidade para criar um escola mais flexível, mais aberta a novos processos, mais facilmente ajustável a mudanças e mais criativa. A valorização das diferenças e o respeito à diversidade trazem conseqüências positivas para todos os alunos à medida em que as escolas assumem o compromisso com a transformação social, cultural e pedagógica da escola. Carmen Leite Ribeiro Bueno. Psicóloga, é superintendente geral da SORRI-BRASIL há 18 anos. Mestre em Avaliação e Administração de Serviços em Reabilitação Profissional na Southern Illinois University at Carbondale, Illinois, nos Estados Unidos. SORRI-BRASIL Rua Benito Juarez, 70 . Vila Mariana Cep: 04018-060 . São Paulo (SP) - Tel.: (11) 5082-3502 www.sorri.com.br e-mail: sorri-brasil@sorri.com.br *Normas Técnicas para Publicação de Artigos* 1. A Revista INCLUSÃO recebe prioritariamente artigos inéditos de educação especial, de caráter opinativo ou de caráter científico, fundamentados em pesquisas e/ou relatos de experiências. Os artigos deverão ser aprovados por, no mínimo, três avaliadores, membros do Comitê Editorial. 2. Os originais poderão ser: 2.1. Aceitos na íntegra, sem restrições; 2.2. Aceitos com modificações; 2.3. Rejeitados para serem submetidos ao(s) autor(es) para alterações; 2.4. Rejeitados. 3. Quando as alterações forem referentes apenas a aspectos gramaticais, com vistas a manter a homogeneidade da publicação, o Conselho Editorial se dá o direito de fazer as modificações necessárias, respeitando o estilo do autor. Nos demais casos, o autor reformulará o texto conforme o que for solicitado pelo Conselho. 4. Os textos deverão ser apresentados em português. De maneira excepcional, poderão ser disponibilizados em outro idioma, caso em que obrigatoriamente deverão conter tradução em português. 5. Os artigos deverão ser remetidos em disquete de 3,5" para o endereço postal informado abaixo ou por correio eletrônico em "attach" para o e-mail: revistainclusao@mec.gov.br, constando, no assunto, a seguinte informação: artigo para a Revista INCLUSÃO preferencialmente em RTF (rich text format). 6. Os textos deverão ser digitados em Word, com a seguinte configuração: espaço 2, corpo 10, tipo Arial, formato de papel A4, entre 6 e 8 laudas, sem marcações de parágrafo. 7. A primeira lauda deve conter: o título e o(s) nome(s) do(s) autor(es), seguidos de titulação acadêmica e instituição formadora; atividade que desempenha; nome da instituição a que está vinculado e e-mail. 8. Na segunda lauda, o cabeçalho deverá conter: 8.1. O título em português, expressando, de forma clara, a idéia do trabalho; 8.2. Três palavras-chave que melhor representem o assunto do artigo, visando a confecção de instrumentos de busca; 8.3. Um resumo informativo em português e inglês com extensão máxima de 10 linhas. 9. A participação do autor será a título de contribuição, não sendo remunerada financeiramente. 10. As opiniões emitidas pelos autores são de sua exclusiva responsabilidade, não expressando necessariamente a opinião da Secretaria de Educação Especial. 11. O uso de fotos ou ilustrações deve ser coerente com a temática tratada e devem vir acompanhadas das fontes e de legenda que permita compreender o significado dos dados reunidos. As fotos devem vir devidamente autorizadas para publicação e com dados do fotógrafo. 12. As citações devem ser acompanhadas por uma chamada para o autor, com o ano e o número da página. A referência bibliográfica da fonte da citação virá em lista única ao final do artigo. A exatidão e a adequação das citações e referências a trabalhos consultados e mencionados no texto são de responsabilidade do autor. 13. As notas de rodapé devem ser evitadas. Quando necessárias, que tenham a finalidade de: indicações bibliográficas; observações complementares; realizar remissões internas e externas; introduzir uma citação de reforço e fornecer a tradução de um texto. As indicações de fonte deverão ser feitas nos textos. 14. As referências bibliográficas devem constituir uma lista única no final do artigo, em ordem alfabética por sobrenome do autor; devem ser completas e elaboradas de acordo com as normas da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) NBR 6.023. www.abnt.org.br. As referências bibliográficas devem conter, exclusivamente, os autores e textos citados no trabalho. 15. As siglas devem vir acompanhadas do nome por extenso. 16. O uso de negrito deve ficar restrito aos títulos e intertítulos; o uso de itálico, apenas para destacar conceitos ou grifar palavras em língua estrangeira. 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