A democracia e a educação são irmãs gêmeas. Ambas fazem parte do mesmo processo civilizatório, desde a Grécia antiga.
Os gregos, inventores da democracia, acreditavam que era papel da educação tornar as crianças adultos capazes de entender o mundo e de nele agir de forma consciente. Para eles, não havia distinção entre ser educado e ser cidadão.
Educação e democracia são, portanto, historicamente indissociáveis. A educação só é plena na democracia e a democracia só é plena com educação.
É por isso que há consequências fatais para a educação quando a democracia falha ou falta.
No golpe, a produção e difusão de informações são amputadas. Na guerra, a primeira vítima é a verdade. No golpe, as primeiras vítimas são a verdade e a educação, que perde uma de suas características fundamentais: formar para o exercício da cidadania e da liberdade.
Quem viveu, como eu vivi, numa ditadura, sabe bem do que estou falando.
Minha geração só conhecia a democracia pelos livros de história.
Sabemos bem o que é não poder falar, não poder debater livremente. Sabemos bem o que é a censura, o que é conviver com a intolerância e o medo que cala e paralisa.
Numa ditadura, não há lugar para a cidadania e para a verdadeira educação. O que sobra é o silêncio ensurdecedor do vazio de ideias.
Sabemos muito bem o que é isso.
Como a presidenta Dilma e o ex-presidente Lula, eu faço parte de uma geração que se formou na luta contra a ditadura e pela construção de um Brasil democrático.
Faço parte de uma geração que lutou contra as consequências de um golpe que foi saudado cinicamente como um alvorecer da democracia por importantes órgãos de imprensa.
Um golpe que buscou legitimidade no apoio de parlamentares corruptos, que se apressaram em declarar vaga a Presidência da República.
Um golpe que não teve nome de golpe. Teve o pomposo e cínico nome de revolução de 64.
Pois os golpes nunca se reconhecem como tal. Sempre têm outro nome: “revolução”, “alvorecer da democracia”, e, agora, “impeachment sem crime de responsabilidade”.
Como hoje, os golpes sempre foram envergonhados. Sempre tentaram se apresentar como outra coisa. Sempre disseram defender a democracia. Mas, na verdade, sempre destruíram aquilo que diziam proteger. Por isso, temos que repudiar mais essa tentativa de golpe, esse desprezo pelo mandato popular conquistado nas urnas pela Presidenta Dilma, em uma eleição livre, democrática e soberana.
Temos que repudiar, sobretudo, a hipocrisia dos defensores do golpe e lembrar que a hipocrisia nada mais é que a homenagem que o vício presta à virtude.
A dificuldade em apontar o crime de responsabilidade e a hipocrisia de identificar pedaladas fiscais como crime é a homenagem inconsciente que os golpistas e os corruptos prestam à honestidade da presidenta Dilma.
É como se dissessem: nós investigamos durante anos, quebramos a cabeça para encontrar qualquer coisa que pudesse manchar a sua honra, mas não encontramos nada, absolutamente nada.
Descobrimos que Dilma não tem conta na Suíça, não tem apartamento no exterior, não tem obra pública em propriedade particular, não tem dinheiro sonegado, não tem patrimônio suspeito, não desviou nada, como muitos dos golpistas.
Descobrimos que ela é honesta não apenas pessoalmente, mas também na função pública. Foram ela e Lula que permitiram, pelo fortalecimento e a independência das instituições e órgãos de controle, que a corrupção passasse a ser combatida a sério no país. A Lei de Acesso a Informações, o Portal da Transparência, o fortalecimento da Polícia Federal, o fortalecimento da CGU, a liberdade de atuação do Ministério Público Federal, a própria Lava Jato, com todas suas contradições, tudo isso teria sido impossível em governos anteriores.
Descobrimos que foi ela que destituiu a diretoria corrupta da Petrobras. Descobrimos que foi ela quem desbaratou o esquema corrupto de Furnas.
Só restou, então, tentar transformar um problema fiscal, agravado pelas pautas- bombas do Congresso, uma prática que envolveu todos os presidentes anteriores, governadores e prefeitos, num crime retroativo só para este governo federal. Só restou aos golpistas atropelar a Constituição e o estado democrático de direito.
Afinal, espreme-se toda a denúncia que está na Câmara e a única verdade que surge é esta: o governo de Dilma Rousseff atrasou alguns pagamentos a bancos públicos, algo permitido pela lei orçamentária, algo que sempre se fez, para não parar o Bolsa-Família, o minha
Casa Minha Vida, o Pronatec, o Fies, o Plano Safra e para não parar as políticas de inclusão social. Isso é crime de responsabilidade?
O mesmo vale para Lula. Espremem-se anos de investigação e certos abusos de alguns agentes públicos, espreme-se toda a fúria obsessiva para achar qualquer crime e as únicas coisas que surgem são um sítio e um apartamento, que, como se sabe, não lhe pertencem.
Espreme-se tudo, para claramente sacrificar a presidenta Dilma, sabidamente honesta, e tentar salvar alguns que são sabidamente hipócritas e corruptos.
Mas não podemos esquecer que essa tentativa de golpe vem sendo tramada desde as eleições de 2014.
Primeiro, com matérias espetaculosas de alguns veículos de imprensa, que acusaram Dilma e Lula de “saberem de tudo”, às vésperas das eleições, para interferir no resultado das urnas.
Depois, com o questionamento pela oposição da vitória da presidenta Dilma, com seu pedido de auditoria no processo de apuração do TSE, e até mesmo com a tentativa de impedir a diplomação presidencial.
Depois, ainda, com sucessivas ações perante o TSE para reabrir o julgamento das contas de campanha, já aprovadas, além de outras tantas ações perante o Supremo Tribunal Federal.
Diante da vitória do governo Dilma nas urnas, fez-se de tudo para questionar a sua legalidade e legitimidade e inviabilizar o novo mandato presidencial.
Contudo, o que esteve e continua em jogo não é somente um ataque inconstitucional a uma presidenta honesta. É um ataque aos fundamentos da democracia.
Portanto, resistir a essa tentativa de golpe não é mera defesa de um governo específico. É defesa da legalidade, da democracia. É defesa do Brasil.
O golpe, se concretizado, nos igualaria a países menores e democraticamente frágeis, e criaria uma fratura política de difícil superação.
A crise tenderia a se prolongar e a governabilidade ficaria comprometida por um prazo bem longo.
Golpe não é solução para a crise. É seu prolongamento e agravamento.
Ora, não há democracia consolidada no mundo com altos níveis de desigualdade e pobreza.
Os direitos civis e políticos e os direitos sociais e econômicos são indivisíveis. A verdadeira liberdade só se alcança com a superação da necessidade.
Portanto, qualquer retrocesso no processo de redução das desigualdades, eliminação da pobreza e consolidação de novos direitos para os historicamente excluídos e minorias vulneráveis representaria duro golpe contra a democracia.
Nosso país vive um processo social e político de construção da cidadania, que passa pela inclusão de milhões de brasileiros pelo Bolsa-Família, pelo salário mínimo valorizado, pelo Minha Casa Minha Vida, mas sobretudo passa pela ampliação das oportunidades de acesso à educação.
Quando demos início ao nosso governo, a educação era obrigatória a partir dos sete anos de idade. Este ano, será a partir dos quatro anos de idade, e 92% das crianças nesta faixa etária já estão na escola. Estamos implantando o Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa, o Programa Mais Educação, com escolas de tempo integral, e o Pibid, com bolsa para estudantes de licenciatura estagiarem nas escolas públicas, que integram um grande esforço para avançarmos no processo de alfabetização e letramento de todas nossas crianças de até 8 anos de idade.
Lançamos, agora em março, um programa de formação de professores, com 105 mil vagas em cursos de licenciatura para docentes da educação básica que não completaram a formação nas disciplinas que lecionam. Lançamos também a nova etapa do Pronatec, com dois milhões de vagas, um crescimento de 50% nas matrículas este ano. Lançamos a Hora do Enem, uma plataforma do MEC, na qual o aluno define seu objetivo, faz um breve diagnóstico e recebe um plano individual de estudos. Depois, fará simulados do Enem e receberá um diagnóstico e um plano individual de estudos mais detalhados e poderá assistir videoaulas e exercícios no MECFlix.
No seu governo, presidenta, implantamos uma política de cotas, e 52% das vagas nas universidades e institutos federais são hoje de estudantes da escola pública e, predominantemente, afrodescendentes. Temos mais de 1 milhão e 700 mil bolsistas do ProUni, 2 milhões e 100 mil inscritos no Fies e, o mais importante: em 2015, 35% dos concluintes que fizeram o Enade são os primeiros de suas famílias que obtiveram um diploma de curso superior. Criamos mais 18 universidades, ampliamos os campis e interiorizamos as universidades e institutos federais, a pós-graduação teve a maior expansão de sua história e o Ciência sem Fronteiras já encaminhou mais de 100 mil estudantes para as melhores universidades do mundo.
Todos esses programas, embora muito diversificados, apontam para um único propósito: construir um caminho de oportunidades e a cidadania. Transformar, pelo caminho da inclusão, indivíduos em cidadãos e cidadãs. Construir, enfim, uma Pátria Educadora.
Tudo isso faz parte da construção da democracia brasileira.
Portanto, o que está em jogo, com essa tentativa de golpe, não é apenas o destino de um governo ou de uma presidenta reconhecidamente honesta, mas sobretudo a continuidade de nosso processo civilizatório, a construção de um Brasil mais justo, equânime e solidário.
O que está em jogo é o futuro do filho do pedreiro que virou doutor, da criança que hoje come e vai à escola, da filha da empregada doméstica que participa do Ciência sem Fronteiras, do primeiro membro da família de pobres e afrodescendentes que consegue fazer uma faculdade.
O que está em jogo aqui é o futuro do combate à desigualdade social no Brasil.
O golpe, por tudo que representa, é a antieducação. Já começam a falar que a educação não deve ser prioridade do Estado, começam a proliferar iniciativas de privatização da escola pública, querem desvincular as verbas da educação da Constituição e retirar o compromisso de aplicar os royalties do petróleo e o Fundo Social do Pré-Sal.
Como hoje, a tentativa de golpe contra Getúlio, em 54, e o golpe de 64, contra o governo Jango, tinham algum apoio popular, especialmente entre setores das classes médias, que também faziam manifestações públicas para apoiá-los.
No governo Getúlio Vargas, nós tivemos o governo provisório, de 1930 a 1934, o governo constitucional, de 34 a 37. O Estado Novo, de 37 a 45. E Getúlio, depois, volta, eleito, para governar de 50 a 54.
É verdade que o Estado Novo teve também um caráter de censura, de repressão, um momento muito difícil da Segunda Guerra Mundial.
Mas o Ministério da Educação foi Getúlio quem criou, o Ministério da Saúde, também; a CLT, o salário mínimo e os sindicatos.
Naquele governo foram construídas a CSN e a Vale do Rio Doce. No segundo governo Getúlio, de 50 a 54, o BNDES e a Petrobrás.
Foi um período de grande salto histórico e desenvolvimento.
E ao final do governo, o que tivemos? Um cerco ao Palácio do Catete, a denúncia do “mar de lama”, um ataque direto a toda essa história.
Mas, eu pergunto: aqueles golpistas de ocasião, onde estão eles na história do Brasil? Na lata do lixo da história.
Getúlio está por toda parte. É nome de avenida, de faculdade, tem partidos que reivindicam a sua herança: o PDT e o PTB.
Portanto, quando ele se suicida, naquela percepção popular de que foi assassinado, ele deixa uma carta-testamento: “Saio da vida para entrar na história”. E ele aborta um golpe e consegue dar uma vida de mais dez anos à democracia brasileira.
Com Juscelino Kubitschek não foi muito diferente. Juscelino construiu Brasília, o Plano de Metas 1959-1961 — 50 anos em 5 —, que industrializou o país, trouxe a construção naval e a indústria automotiva.
Setores fundamentais do parque industrial que nós temos hoje foram construídos no governo Juscelino Kubitschek.
No fim do seu governo, tivemos grandes dificuldades fiscais, verdadeiras pedaladas fiscais, por todo esforço de investimento que foi feito.
No seu governo, houve duas tentativas de golpe. E ele anistiou os golpistas, mas quando os golpistas voltaram, mandaram Juscelino
para o exílio, e quando ele voltou para o Brasil, muitos anos depois, morreu em circunstâncias ainda não tão bem esclarecidas.
Onde estão os golpistas deste período? Na lata do lixo da história.
Onde está Juscelino Kubitschek? Homenageado como grande presidente da democracia, da construção de Brasília e deste país.
Mas não se enganem: o golpe está sempre buscando uma tentativa de legalidade.
Com João Goulart não foi diferente. O governo Jango herdou uma crise fiscal e econômica muito difícil, tentou implementar o Plano Trienal, com Celso Furtado e Santiago Dantas, combinar estabilidade e reformas de base, reforma agrária e reforma na educação, com Paulo Freire, e outros, que vinham para educar para a liberdade.
Como hoje, o golpe teve apoio entusiástico de parte da mídia, que o saudou como um alvorecer da democracia.
Como hoje, o golpe de 64 contou com apoio das forças conservadoras instaladas no Congresso, que se apressaram em dar aparência de legitimidade à deposição de Goulart.
A consequência dessas iniciativas foi a interrupção de nossa construção como Nação, como escreveu Celso Furtado.
Senhoras e senhores, não podemos embarcar nessa aventura irresponsável do impeachment sem crime de responsabilidade.
Impeachment sem crime de responsabilidade é crime contra a democracia. E isso é golpe!
Em 1964, aqueles que apoiaram o golpe julgavam-se cobertos de glória patriótica.
Contudo, passados os anos, tudo o que a história lhes deixou como legado foi a vergonha eterna, indelével, de terem se somado àqueles que agrediram a legalidade e a democracia.
A tentativa de golpe de hoje é a repetição, como farsa jurídica e parlamentar, de outros tantos golpes em nossa sofrida democracia latino-americana.
Mas a história registrará os fatos. E bastará inverter as palavras e as ações dos golpistas para que, de novo, venha à tona a verdade.
Onde se lê hoje constitucional, ela registrará inconstitucional. Onde se lê verdade, ela registrará mentira. Onde se lê hoje responsabilidade, ela registrará irresponsabilidade. Onde se lê democracia, ela registrará autoritarismo. E onde se lê impeachment, ela registrará golpe!
E eu termino, presidenta, dizendo que a Educação está aqui hoje porque a educação ensina valores. Na sala de aula, o valor é lealdade, não traição. O valor é solidariedade e companheirismo, não é delação. São esses valores que estão na sala de aula. É por isso, presidenta, que esse povo está aqui, porque sabe que esse golpe é contra o seu governo, contra a democracia e, sobretudo, contra a educação pública. E a senhora, pela sua história de vida, suas atitudes, é a cara da educação brasileira.
Não passarão!
* Pronunciamento editado e revisado, realizado pelo ministro da Educação, Aloizio Mercadante, no Encontro da Educação pela Democracia, em cerimônia no Palácio do Planalto, no dia 12 de abril de 2016.
Assessoria de Comunicação Social
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