Educação no campo: entre a casa e a escola
No sertão da Bahia, 30 estudantes das séries finais do ensino fundamental alternam o tempo entre a casa e o colégio. São alunos da Escola-Família Agrícola (EFA), do município de Andaraí. Durante 15 dias, eles ficam na instituição, em regime de internato, e passam outros 15 em casa. No período de aulas, além das disciplinas normais da quinta à oitava série (sexto ao nono ano) aprendem a criar cabras, porcos e vacas e a cuidar de plantas.
“Como a área da escola é pequena e a região tem problema de falta de água, optamos por ensinar o cultivo de pequenas hortaliças, que podem ser molhadas com um regador”, diz o diretor da EFA, Gilson de Souza Santos, professor de matemática.
A instituição tem cinco professores, chamados de monitores, e um coordenador. Um deles é responsável pelo atendimento aos alunos, alojados separadamente, de acordo com o sexo. O ensino prático é ministrado por um técnico agrícola. A escola foi criada em 2001 para atender as famílias dos pequenos agricultores e dar suporte aos assentamentos da região.
Diferenças — Em São Mateus, Espírito Santo, a EFA do Km 41 está inserida em uma região com inúmeras plantações — café, pimenta-do-reino, macadâmia, cacau, eucalipto, feijão e milho. A região, com uma população diversificada, composta por moradores de assentamentos, quilombolas e descendentes de italianos, também atua no setor de pecuária de corte e de leite. “Os 96 alunos, de quinta à oitava série, foram divididos em duas turmas, que se alternam, semanalmente. Enquanto um grupo está na escola, o outro está em casa”, afirma o diretor Manoel Brandão Simões, professor da área agrícola.
Para verificar se os alunos aplicam o que aprendem, são feitas visitas às famílias. Os estudantes têm de desenvolver experiências em casa. “Aos alunos da quinta série cabem as hortaliças de folhas, como alface, couve e cebolinha. Os da oitava série devem manter culturas anuais, como milho, feijão e amendoim”, explica o diretor. Além disso, os estudantes aprendem a cuidar em casa de pequenas criações, como peixes, porcos e abelhas.
A coordenadora pedagógica da EFA do Km 41, Neuza Barcelos Belucio, observa algumas diferenças entre os alunos do meio urbano e os do campo. “Na EFA, o aluno é protagonista de seu próprio conhecimento. O professor atua mais como um monitor, ao auxiliar o estudante nessa busca”, ressalta. Ela destaca, ainda, que há um relacionamento mais próximo dos alunos com professores e funcionários. “Os jovens conversam, pedem ajuda. E as famílias também estão presentes.”
Segundo Neuza, como a escola funciona em regime de internato, no início de cada ano é feita uma assembléia para votar as normas de vida em grupo. Os estudantes decidiram, por exemplo, que os telefones celulares devem ser guardados pela escola e usados somente em casos de necessidade.
Alternância — Tanto a EFA de Andaraí quanto a de São Mateus fazem parte da União Nacional das Escolas-Famílias Agrícolas do Brasil (Unefab), que congrega 158 escolas-famílias em todo o Brasil. Surgidas na França, em 1935, essas instituições agrícolas se espalharam pelo mundo e chegaram ao Brasil no fim da década de 1960, com a criação do Movimento da Educação Promocional do Espírito Santo (Mepes). O movimento se baseia em quatro princípios fundamentais: associação, pedagogia da alternância, formação integral e desenvolvimento local sustentável e solidário.
O ponto principal é a pedagogia da alternância — o estudante fica um período interno na escola e outro em casa. Segundo o secretário-executivo da Unefab, David Rodrigues de Moura, esse sistema de ensino foi criado para atender os jovens do campo que não se adaptam ao ensino convencional, mais voltado para a realidade urbana. Ele salienta que muitas escolas lutam com dificuldades para garantir o ensino em razão da falta de recursos públicos, embora sejam comunitárias. Elas funcionam, geralmente, em parceria com governos estaduais e municipais, entidades privadas e as famílias dos alunos.
“Espírito Santo, Amapá e Minas Gerais já conseguiram aprovar leis que garantem recursos para as escolas”, destaca David. “As conquistas de políticas públicas, com o devido financiamento, têm garantido um melhor desempenho desse projeto educativo. Em outros estados, o movimento das EFAs ainda está lutando para isso.”
Fátima Schenini
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