Música da Amazônia abre conferência
Em cada som, uma história. Dezenove crianças, entre oito e 18 anos, saíram pela primeira vez de Rondônia e apresentaram aos participantes da Conferência Nacional de Educação Básica, em Brasília, as lendas e costumes do lugar onde vivem. Eles moram numa área de reserva florestal, a seis horas de barco de Porto Velho, no distrito de Nazaré, às margens do Rio Madeira, e estudam na escola municipal de ensino fundamental Floriano Peixoto.
O professor da escola e um dos coordenadores do grupo, cujo nome denuncia a paixão musical, Timaia dos Santos, diz que dá aula “de tudo um pouco”. Ele resolveu incluir a música no cotidiano dos meninos e meninas. Para eles, não houve dificuldade para transformar em melodia a identificação com a Amazônia. Em quatro anos, foi natural criar letras que rimam lagoa com canoa, madeira com aldeia. O cotidiano dos estudantes, povoado por elementos distantes da cidade — sucuri, capoeira, tapioca, macaco-prego, lamparina, matitaperê —, enriquece as canções que contam com originalidade a vida na reserva.
Os instrumentos também fogem ao comum. São feitos com restos de madeira, sementes, cocos. “Como não tínhamos dinheiro para comprar instrumentos, pegamos o que sobra da natureza”, conta a compositora Sílvia Helena, uma das coordenadoras do grupo. Os participantes (12 meninas, sete meninos e três coordenadores) nem sabem ao certo dizer quais são os instrumentos que criam — muitos nem têm nomes. São espécies de tambores, chocalhos e flautas que conseguem recriar os ambientes da floresta, mesmo a ouvidos pouco acostumados aos sons da mata.
Os alunos contam que ensaiam nos fins de semana. “Quando sobra tempo”, relata Janaína de Souza, 12 anos, estudante da sexta série. Ela confessa que desafinava no começo. “Mas agora canto bem”, garante. Os meninos e meninas nunca tiveram aulas numa escola regular de música. Eles aprendem com os coordenadores, que também assumem papel de professores, compositores e até regentes de coro, o que estes aprenderam sozinhos ou com os pais. “Todo mundo aqui é muito musical e veio de família que tocava alguma coisa”, justifica Timaia.
Dificuldades — Felizes por romper as fronteiras do estado e mostrar o talento em Brasília, os integrantes do grupo também querem chamar a atenção para as dificuldades do pequeno distrito de onde vieram. “Queremos boa educação para os meninos de Nazaré”, reivindica Timaia. Para ele, é preciso formar pessoas do local para atuar como professores e funcionários da escola pública. “Só assim a gente vai ter uma educação mais estável”, afirma, em alusão aos períodos nos quais os alunos ficam sem aulas porque os professores da capital desistem de ensinar tão longe.
Maria Clara Machado
- Confira uma das músicas apresentadas pelos alunos