Nômades nigerianos aprendem a ler, escrever e cuidar do gado em suas paradas
Há uma quantidade imensa de moscas na faixa de terreno que corta a região central da Nigéria. Além de inoportunas, como todas as moscas, estas têm papel crucial na vida de milhões de pessoas, pois têm o costume de matar o gado que garante sua subsistência. Para não morrer de fome, uma legião de nômades vive em busca de locais seguros para criar seu rebanho. E o governo federal vai atrás, procurando garantir-lhes educação onde quer que se encontrem.
O programa de educação para nômades é um dos grandes feitos do governo nigeriano. No primeiro dia do encontro de Educação para Todos do E-9, em Monterrey, México, foi citado como exemplo de iniciativa de um país do grupo que pode ser ensinada às nações mais pobres dentro do projeto de aumento da cooperação Sul-Sul - idéia brasileira que prevê intermediação dos países em desenvolvimento para melhor aproveitamento das doações das nações desenvolvidas.
As moscas são apenas uma das motivações para as andanças dos nômades nigerianos, que se dividem em dois grupos: pastores e pescadores. Os primeiros vivem em busca de campos irrigados, fugindo da seca de novembro a abril, mas também das nuvens de insetos que apavoram em algumas épocas. Os segundos vivem atrás das águas mais fartas, seja no mar atlântico do Golfo da Guiné ou nos rios Níger e Benue, os dois principais do país.
O trabalho para educar esta população começou há cerca de 20 anos, com o governo fazendo um estudo da movimentação dos grupos, para saber onde eles costumam parar em cada época do ano. A partir daí, foram erguidas escolas nesses locais, onde as crianças, a partir dos seis anos, aprendem a ler, escrever e fazer contas, sob a temática que domina o seu dia-a-dia: cuidar dos animais, tirar leite e preservá-lo para que dure o maior tempo possível. "É uma forma de gerar interesse nos alunos. Depois que conseguimos isso, entramos com outras disciplinas, como ciências e estudos sociais. Também temos aulas de alfabetização para adultos", explica Yana Abdullahi Babalalemi, diretor do serviço de inspeção federal.
O aluno estuda por algum tempo numa escola e depois parte para outra, abrindo espaço para novos peregrinos que estão a caminho. Evidentemente, não há um sistema informatizado para transmitir os dados de uma localidade para outra. Então, o estudante leva consigo um documento para que o próximo professor saiba a partir de onde deve recomeçar as aulas.
É fácil cair na reflexão simplória de que seria mais simples cuidar para que as moscas não matem o gado. Mas basta um relato do dirigente para se perceber o nível de primitivismo das pessoas em questão e a conseqüente dificuldade de lidar com elas. "O Ministério da Saúde ensina medidas de prevenção, mas para eles colocarem em prática é preciso educação. Há muita superstição, então o cidadão acha que foi o cara da outra tribo que matou o seu animal, e não a mosca. Só com educação podemos fazê-los entender as coisas e motivar um processo de paz entre as tribos", explica Abdullahi.
Ele não sabe o número de nômades do país, mas calcula que gire em torno de 3% a 4% da população, que totaliza 130 milhões de habitantes. As escolas, diz ele, foram erguidas graças a investimentos de agências internacionais, como Unesco e Unicef.
Ciganos brasileiros - O representante do MEC no encontro do E-9, Ricardo Henriques, acredita que o exemplo nigeriano poderia ser aproveitado para levar educação aos ciganos brasileiros. A monografia Os Ciganos no Brasil, realizada em 1996 na Universidade Braz Cubas, de Mogi das Cruzes (SP), estimou na época a existência de 60 mil nômades.
Os ciganos chegaram ao Brasil em 1574, após serem expulsos da Europa. Segundo relatos, Portugal e Espanha cortavam as orelhas deles e os jogavam às galeras para serem deportados, porque eram considerados diabólicos. Há dois grandes grupos no país: os calons (de origem ibérica) e os rom (do leste europeu).
Desde 2003, com a criação do Conselho Nacional de Promoção da Igualdade Racial (CNPIR), órgão da Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (Seppir) da Presidência da República, uma parcela da comunidade cigana passou a contar com políticas públicas elaboradas especificamente para os ciganos. Saiba mais na página da Seppir.
Repórter: Julio Cruz Neto, de Monterrey