Povo indígena do Acre cria projeto para ensinar branco
Quando os pássaros fazem ninhos e criam os filhotes e quando as antas estão prenhas ou amamentando, o povo Achaninca, do sudoeste do Acre, não os caça. E não caça, também, no período de reprodução para preservar as espécies e ter alimento nas outras estações do ano. É esse conhecimento e a prática cultural que os ashanincas vão ensinar aos seringueiros, aos beneficiários da reforma agrária, aos ribeirinhos, aos brancos que vieram de outras partes do País.
Os ensinamentos serão transmitidos pelos indígenas no projeto Saber da Floresta, que vai funcionar numa área de 87 hectares de terra dos achanincas, no município de Marechal Thaumaturgo, região do Rio Juruá, na divisa do Acre com o Peru. Ali estão em construção 11 casas, no modelo da arquitetura achaninca, que incluem salas de aula, de artes e de computação, hospedaria, cozinha, refeitório, biblioteca e espaço para venda de artesanato.
De acordo com o coordenador do Saber da Floresta, Benke Piyanko, serão dois cursos intensivos por ano, com duração de 15 a 20 dias e participação de 40 pessoas em cada curso. Depois, os indígenas vão para os locais de trabalho dos cursistas para assessorá-los na mudança de hábitos e na pesquisa de novas formas de conservação e sustentabilidade, porque o projeto visa preservar os conhecimentos tradicionais com a floresta em pé. O primeiro curso está previsto para iniciar em abril de 2007.
Os temas a serem tratados partem da experiência da aldeia sobre sustentabilidade. Nos primeiros cursos, vão transmitir conhecimentos sobre manejo da floresta, agrofloresta e apicultura. No curso de manejo da floresta, por exemplo, vão ensinar a respeitar as áreas de refúgio de aves, peixes e animais para preservá-los e multiplicá-los, e quando e como entrar nesses espaços para a captura. E, também, como restaurar uma terra exaurida com plantio de frutas nativas e cultivo da apicultura com abelhas da região.
Colonização — O saber indígena, que tem centenas de anos, diz Benke Piyanko, precisa chegar às populações que vieram de diversas regiões do Brasil para colonizar, extrair borracha, cortar madeira e, assim, evitar um desastre ambiental. “Pensamos construir um espaço que seja não uma universidade, mas um conhecimento de como desenvolver algo que possa trazer autonomia”, diz.
Para o coordenador de Educação Escolar Indígena do MEC, Kleber Gesteira, o projeto Saber da Floresta será fundamental, pois o povo Achaninca detém um valioso conhecimento da área, que será muito útil no acelerado processo de ocupação da Região Norte. O MEC não participa diretamente do projeto, mas atua na formação de professores indígenas por meio da Organização dos Professores Indígenas do Acre (Opiac). São parceiros do Saber da Floresta a Comissão Pró-Índio, Universidade da Floresta, governo do Acre, Fundação Roberto Marinho e Instituto Montenegro.
Ionice Lorenzoni