Curso inédito fortalece cultura guarani
Iniciar a formação no Rio Grande do Sul, terminá-la no Rio de Janeiro e receber o certificado em Santa Catarina. O que parece sonho já é realidade para 75 professores guaranis-embiás de cinco estados das regiões Sul e Sudeste. Eles participam do magistério de nível médio criado pelo Ministério da Educação.
O curso neste formato, inédito no País, está centrado na territorialidade, que significa respeito à mobilidade entre as áreas nas quais os guaranis habitam no Rio Grande do Sul, em Santa Catarina, no Paraná, no Espírito Santo e no Rio de Janeiro. Esse respeito, explica o coordenador de educação escolar indígena do MEC, Kleber Gesteira, representa o reconhecimento do Estado brasileiro ao modo de vida indígena. Para a maioria dos povos indígenas, não há sentido na divisão geográfica entre regiões, estados e municípios, conforme determina a Constituição. No caso dos guaranis, seu território é a área onde vivem os parentes, o que lhes permite mudar os filhos de escola, trabalhar e comercializar produtos no local onde se encontram. O respeito à territorialidade, diz Gesteira, é uma reivindicação comum de todos os povos do Brasil.
Para criar o curso de magistério, que forma professores indígenas para lecionar da primeira à quarta série do ensino fundamental, o MEC e seus parceiros firmaram, em 2004, o Protocolo Guarani, que possibilita, a um professor, por exemplo, iniciar o curso em Santa Catarina e concluí-lo no Espírito Santo. Essa mobilidade de estudo e de trabalho do professor é assegurada pelas secretarias estaduais de educação dos cinco estados que integram o protocolo. O resultado do modelo, iniciado em 2004 — vai até 2008 —, é excelente, avalia Gesteira. Em três anos de curso, nenhum professor desistiu. O curso é realizado em parceria com a Fundação Nacional do Índio (Funai), com as secretarias estaduais de educação de cinco estados e com o povo guarani-embiá.
Currículo — O currículo do curso também atende características dos guaranis - estudo, pesquisa e produção em todas as áreas do conhecimento, de forma concomitante. Quando abordam a geografia, por exemplo, os professores pesquisam os territórios por onde o povo passou e as áreas que ocupa hoje, desenham mapas das aldeias e produzem livros para ensinar os alunos. O currículo compreende etno-história, etnogeografia, língua guarani, ciências indígenas, bilingüismo e legislação das escolas indígenas. Paralelamente a cada disciplina, os cursistas desenvolvem pesquisas específicas em áreas de interesse pessoal, tais como artesanato, plantas medicinais e saberes dos velhos.
Com duração de cinco anos, o curso tem duas etapas presenciais por ano, sempre em um estado diferente, com a presença dos 75 professores. Tem ainda etapas descentralizadas em cada estado, com os cursistas locais, e estudos e pesquisas nas aldeias, com orientação de tutores. Os professores continuam a dar aulas normalmente enquanto participam do curso.
O certificado de conclusão será emitido por uma escola normal de ensino médio, sob a coordenação do Conselho Estadual de Educação de Santa Catarina. Parte dos cursistas, explica a coordenadora do curso, Márcia Moraes Blanck, receberá certificado de professor bilíngüe guarani-português e outra parte apenas de magistério de nível médio.
O povo guarani está presente também na Argentina, no Uruguai, na Bolívia e no Paraguai. Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) referentes a 2003 indicam que a população guarani no litoral do Brasil é de seis mil habitantes. A língua é o guarani, da família tupi-guarani.
Ionice Lorenzoni