Ensino superior
Lula inventa a universidade brasileira do século XXI
São Paulo - Num cinturão operário de São Paulo, onde lançou sua carreira, o Presidente brasileiro implanta um campus para formar os engenheiros do amanhã
“Não, a universidade do ABC não tem nada a ver com os Jackson’s Five!”, se diverte Armando Milioni. ABC são as iniciais dos três municípios desta região industrial: Santo André, São Bernardo e São Caetano. “A UFABC é um estabelecimento criado em 2005 para inventar a universidade brasileira do século 21 e fornecer mais engenheiros ao Brasil”, define o vice-reitor da nova universidade federal.
A localização da UFABC não foi escolhida ao acaso. É aqui que Lula trabalhou como operário. É aqui que ele lutou dentro do Partido dos Trabalhadores antes de conquistar, após várias tentativas, a presidência da República brasileira, em 2002. Ao implantar uma das 12 novas universidades federais públicas criadas sob seu mandato, ele espera, igualmente, relançar esta zona econômica marginalizada de 2,5 milhões de habitantes, pois após o boom industrial dos anos 60, as indústrias fugiram da região nos anos 80.
Vagas para jovens - Do alto da torre administrativa da UFABC, instalada a 1 km do campus, Armando Milioni mostra a paisagem de usinas castigadas pelo tempo e centros comerciais envelhecidos ao longo da estrada: “Vocês vêem estas quatro torres de cimento cinzento de uma dezena de andares cada uma? São as primeiras construções do campus. A da direita, o bloco B, abriu em maio de 2008, as três outras torres devem estar entregues até o fim do ano”.
Além destas torres, serão construídos “blocos administrativos, um auditório, um centro esportivo com piscina e uma passarela para agregar um novo bloco reservado a pesquisa, que será instalado do outro lado da estrada”, diz, detalhe, num francês impecável, o Professor Louiz Martin, diante de uma maquete instalada no térreo do bloco B. Titular de uma tese da universidade Toulouse 3, este professor de robótica apreciador de teatro nos faz visitar o imóvel. “Como as obras tiveram atraso, nós estamos bem apertados neste momento. E não podemos instalar todos os nossos laboratórios”, diz ele. Numa sala à esquerda do hall de entrada se acumulam todos os equipamentos de pesquisa recentemente entregues: robô manipulador, máquina de ingestão de plástico, máquina universal de teste de propriedades mecânicas, túnel de vento... “Normalmente, nós temos os blocos, mas nenhum material. Aqui é o contrário!”, destaca o físico.
O governo federal não poupou recursos para a Universidade do ABC. Meio milhão de Euros foram injetados. Desde 2005, não menos que 280 professores, todos titulares de um doutorado, foram recrutados. “A idade média de nossos professores é de 35 anos”, explica Alexandre Rocha, Decano de Pesquisa, que tem 30 anos. “Quando eu cheguei aqui, me senti ainda jovem... Tomei um golpe de velhice! Aos 46 anos eu fazia parte dos mais velhos”, sorri Louiz Martin.
A juventude do corpo docente está de acordo com a vontade da universidade de virar do avesso o modelo universitário brasileiro. Aqui nada de departamento disciplinar – há um centro de pesquisas multidisciplinares, a fim de facilitar a cooperação. Mesmo assim, a universidade construiu um curso progressivo: bacharelado generalista de ciência e tecnologia, especialização ou preparação para o diploma de engenheiro. “Organizados por disciplina e oferecendo um diploma ao fim de cinco anos, as outras universidades encaram uma taxa de evasão considerável. Ao propor aos nossos alunos a escolha, mais ou menos na metade de seus cursos, nós lhes permitimos construir seu próprio caminho”.
Outra inovação: a criação de 300 bolsas de iniciação científica por ano. “É incrível! Eu pude entrar num laboratório desde o meu primeiro ano”, comenta Fernanda Araújo, estudante do segundo ano, que sonha em trabalhar na aeronáutica. “Meus colegas, nas outras universidades, não vão poder entrar no laboratório antes do quarto ano”.
Depois de três mil estudantes este ano, dos quais 40 candidatos a uma tese de doutorado, a universidade deverá acolher, em janeiro do ano que vem, 1,5 mil estudantes e 70 professores suplementares. Em dez anos, o objetivo da UFABC é formar mil engenheiros por ano.
Phillippe Jacquet
Democratizar o acesso ao ensino superior
É uma injeção de oxigênio que Lula trouxe ao ensino superior brasileiro, a fim de destacar o desafio da economia do conhecimento. Desde 2002, o governo multiplicou os planos para dinamizar a universidade brasileira. É que o Brasil já começa defasado: com apenas 4,9 milhões de estudantes (ou seja, 16% dos brasileiros de 18 a 24 anos), o país, até agora, não conseguiu democratizar seu ensino superior. Seu sistema vai de encontro à equidade social. As classes médias superiores acessam, em grande maioria, as 200 instituições de ensino superior públicas e gratuitas, enquanto os outros se inscrevem em uma das 1,8 mil instituições privadas (confessionais, comunitárias ou com fins lucrativos) e pagas.
Seletivo, o sistema universitário favorece os alunos mais preparados no ensino médio; o vestibular, exame de entrada para a universidade, é de fato mais fácil para as classes mais abastadas que passaram por escolas privadas (muito caras), do que para os alunos egressos das escolas públicas, onde o nível continua medíocre.
Em lugar de questionar esse sistema como um todo – o que lhe trouxe muitas críticas – Lula preferiu desenvolver ferramentas para facilitar o acesso de todos à universidade. Primeiramente, o governo federal decidiu “reservar vagas” nas instituições privadas para estudantes de poucos recursos. Cerca de 250 mil bolsas foram assim concedidas somente em 2009. A fim de favorecer os mais pobres, o governo igualmente solicitou às universidades públicas que fixassem cotas para a entrada à universidade. Algumas reservam, assim, 50% de suas vagas aos alunos vindos de escolas públicas, bem como uma certa proporção aos alunos negros ou índios.
Fundos suplementares - Ao mesmo tempo, o Estado decidiu criar 75 mil vagas suplementares até 2012 (mais 50%) nas universidades federais públicas e recrutar, em cinco anos, 15 mil docentes-pesquisadores suplementares para abrir novos cursos. “Graças a isso, aumentei em 30% o número de vagas oferecidas. Em três anos envolvi, em média, 900 pessoas (das quais metade professores), para aumentar o pessoal em até 4,5 mil”, explica Carlos Alexandre Neto, reitor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, em Porto Alegre. “Não havia criação de postos nas universidades desde o fim dos anos 90. Vários pesquisadores, assim, puderam encontrar uma vaga na universidade, ou retornar do exterior”, lembra Louiz Martin, da UFABC. De fato, conclui Neto, “No Brasil, nenhum governo investiu tanto nas universidades públicas antes da chegada de Lula”.
Philippe Jacquet
Confira a matéria original do jornal Le Monde
Jornal francês destaca investimento do Brasil
Lula inventa a universidade brasileira do século XXI
São Paulo - Num cinturão operário de São Paulo, onde lançou sua carreira, o Presidente brasileiro implanta um campus para formar os engenheiros do amanhã
“Não, a universidade do ABC não tem nada a ver com os Jackson’s Five!”, se diverte Armando Milioni. ABC são as iniciais dos três municípios desta região industrial: Santo André, São Bernardo e São Caetano. “A UFABC é um estabelecimento criado em 2005 para inventar a universidade brasileira do século 21 e fornecer mais engenheiros ao Brasil”, define o vice-reitor da nova universidade federal.
A localização da UFABC não foi escolhida ao acaso. É aqui que Lula trabalhou como operário. É aqui que ele lutou dentro do Partido dos Trabalhadores antes de conquistar, após várias tentativas, a presidência da República brasileira, em 2002. Ao implantar uma das 12 novas universidades federais públicas criadas sob seu mandato, ele espera, igualmente, relançar esta zona econômica marginalizada de 2,5 milhões de habitantes, pois após o boom industrial dos anos 60, as indústrias fugiram da região nos anos 80.
Vagas para jovens - Do alto da torre administrativa da UFABC, instalada a 1 km do campus, Armando Milioni mostra a paisagem de usinas castigadas pelo tempo e centros comerciais envelhecidos ao longo da estrada: “Vocês vêem estas quatro torres de cimento cinzento de uma dezena de andares cada uma? São as primeiras construções do campus. A da direita, o bloco B, abriu em maio de 2008, as três outras torres devem estar entregues até o fim do ano”.
Além destas torres, serão construídos “blocos administrativos, um auditório, um centro esportivo com piscina e uma passarela para agregar um novo bloco reservado a pesquisa, que será instalado do outro lado da estrada”, diz, detalhe, num francês impecável, o Professor Louiz Martin, diante de uma maquete instalada no térreo do bloco B. Titular de uma tese da universidade Toulouse 3, este professor de robótica apreciador de teatro nos faz visitar o imóvel. “Como as obras tiveram atraso, nós estamos bem apertados neste momento. E não podemos instalar todos os nossos laboratórios”, diz ele. Numa sala à esquerda do hall de entrada se acumulam todos os equipamentos de pesquisa recentemente entregues: robô manipulador, máquina de ingestão de plástico, máquina universal de teste de propriedades mecânicas, túnel de vento... “Normalmente, nós temos os blocos, mas nenhum material. Aqui é o contrário!”, destaca o físico.
O governo federal não poupou recursos para a Universidade do ABC. Meio milhão de Euros foram injetados. Desde 2005, não menos que 280 professores, todos titulares de um doutorado, foram recrutados. “A idade média de nossos professores é de 35 anos”, explica Alexandre Rocha, Decano de Pesquisa, que tem 30 anos. “Quando eu cheguei aqui, me senti ainda jovem... Tomei um golpe de velhice! Aos 46 anos eu fazia parte dos mais velhos”, sorri Louiz Martin.
A juventude do corpo docente está de acordo com a vontade da universidade de virar do avesso o modelo universitário brasileiro. Aqui nada de departamento disciplinar – há um centro de pesquisas multidisciplinares, a fim de facilitar a cooperação. Mesmo assim, a universidade construiu um curso progressivo: bacharelado generalista de ciência e tecnologia, especialização ou preparação para o diploma de engenheiro. “Organizados por disciplina e oferecendo um diploma ao fim de cinco anos, as outras universidades encaram uma taxa de evasão considerável. Ao propor aos nossos alunos a escolha, mais ou menos na metade de seus cursos, nós lhes permitimos construir seu próprio caminho”.
Outra inovação: a criação de 300 bolsas de iniciação científica por ano. “É incrível! Eu pude entrar num laboratório desde o meu primeiro ano”, comenta Fernanda Araújo, estudante do segundo ano, que sonha em trabalhar na aeronáutica. “Meus colegas, nas outras universidades, não vão poder entrar no laboratório antes do quarto ano”.
Depois de três mil estudantes este ano, dos quais 40 candidatos a uma tese de doutorado, a universidade deverá acolher, em janeiro do ano que vem, 1,5 mil estudantes e 70 professores suplementares. Em dez anos, o objetivo da UFABC é formar mil engenheiros por ano.
Phillippe Jacquet
Democratizar o acesso ao ensino superior
É uma injeção de oxigênio que Lula trouxe ao ensino superior brasileiro, a fim de destacar o desafio da economia do conhecimento. Desde 2002, o governo multiplicou os planos para dinamizar a universidade brasileira. É que o Brasil já começa defasado: com apenas 4,9 milhões de estudantes (ou seja, 16% dos brasileiros de 18 a 24 anos), o país, até agora, não conseguiu democratizar seu ensino superior. Seu sistema vai de encontro à equidade social. As classes médias superiores acessam, em grande maioria, as 200 instituições de ensino superior públicas e gratuitas, enquanto os outros se inscrevem em uma das 1,8 mil instituições privadas (confessionais, comunitárias ou com fins lucrativos) e pagas.
Seletivo, o sistema universitário favorece os alunos mais preparados no ensino médio; o vestibular, exame de entrada para a universidade, é de fato mais fácil para as classes mais abastadas que passaram por escolas privadas (muito caras), do que para os alunos egressos das escolas públicas, onde o nível continua medíocre.
Em lugar de questionar esse sistema como um todo – o que lhe trouxe muitas críticas – Lula preferiu desenvolver ferramentas para facilitar o acesso de todos à universidade. Primeiramente, o governo federal decidiu “reservar vagas” nas instituições privadas para estudantes de poucos recursos. Cerca de 250 mil bolsas foram assim concedidas somente em 2009. A fim de favorecer os mais pobres, o governo igualmente solicitou às universidades públicas que fixassem cotas para a entrada à universidade. Algumas reservam, assim, 50% de suas vagas aos alunos vindos de escolas públicas, bem como uma certa proporção aos alunos negros ou índios.
Fundos suplementares - Ao mesmo tempo, o Estado decidiu criar 75 mil vagas suplementares até 2012 (mais 50%) nas universidades federais públicas e recrutar, em cinco anos, 15 mil docentes-pesquisadores suplementares para abrir novos cursos. “Graças a isso, aumentei em 30% o número de vagas oferecidas. Em três anos envolvi, em média, 900 pessoas (das quais metade professores), para aumentar o pessoal em até 4,5 mil”, explica Carlos Alexandre Neto, reitor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, em Porto Alegre. “Não havia criação de postos nas universidades desde o fim dos anos 90. Vários pesquisadores, assim, puderam encontrar uma vaga na universidade, ou retornar do exterior”, lembra Louiz Martin, da UFABC. De fato, conclui Neto, “No Brasil, nenhum governo investiu tanto nas universidades públicas antes da chegada de Lula”.
Philippe Jacquet
Confira a matéria original do jornal Le Monde
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