Piauí: alunos trabalham pelo bem da comunidade
Teresina — O amor ao próximo e a certeza de que todos podem ser vencedores. Seja ou não uma utopia, os professores da Escola Municipal Casa Meio-Norte, na periferia de Teresina, consideram transformadora essa visão de mundo. Os alunos também são agentes dessa transformação. Eles levam para dentro de casa, para a própria família, a mensagem de que a educação é a chave para a superação dos entraves sociais.
As crianças da Casa Meio-Norte estiveram entre as de melhor desempenho na Prova Brasil, avaliação realizada em 2005 com alunos da quarta e da oitava séries do ensino fundamental da rede pública. Enquanto a média nacional da quarta série ficou em 172,9 em português (o máximo é 350) e 180 (máximo de 375) em matemática, a escola piauiense obteve 190,82 e 280, respectivamente. O estudo Aprova Brasil cruzou esse desempenho com dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (Pnad) e verificou que a Casa Meio-Norte ficou entre as 33 escolas cujos alunos mais se destacaram, mesmo vivendo em condições desfavoráveis.
“Isso desmistifica a teoria de que criança pobre não aprende e que a periferia tem os piores professores. Na verdade, os melhores e mais qualificados têm de estar aqui”, disse a coordenadora pedagógica Ruthnéa Vieira, em alusão às regiões pobres das grandes cidades. O bairro da Casa Meio-Norte não tem ruas asfaltadas. A maioria das casas é de pau-a-pique.
Os alunos provêm das mais adversas condições sociais. Alguns são meninos e meninas que já moraram nas ruas. Outros já sofreram violência doméstica. Há, ainda, casos de crianças cujos pais se envolveram em delitos. A diretora da escola, Osana Morais, explica que, mais do que ensinar, a missão da Casa Meio-Norte é a de resgate dessas crianças. A maior parte das 1.085 famílias que vivem na comunidade tem renda mensal inferior a um salário mínimo. São pedreiros, empregados domésticos, serventes. Não completaram os estudos ou são analfabetos. Alguns são pedintes de rua.
Conscientização — Laurita do Nascimento vive com o marido e dois filhos. Era analfabeta havia pouco tempo. A família tem renda mensal de R$ 360,00. Os filhos, Carlos e Isadora, estudam na Casa Meio-Norte. Isadora, seis anos, é aluna da primeira série e já sabe ler e escrever. Ela ficava intrigada ao perceber que a mãe não conseguia entender as palavras escritas. Então, decidiu aprender para ensinar a mãe. Laurita ficou emocionada com a atitude da filha e, este ano, matriculou-se em uma turma de educação de jovens e adultos. “Agora, eu me sinto outra mulher. Até troquei meus documentos. Já sei assinar meu nome”, comemorou.
Há vários outros casos de mães “conscientizadas” por estudante da Casa Meio-Norte. A situação mais corriqueira é a da violência dentro de casa. Uma aluna convenceu a mãe de que ela deveria prestar queixa contra o pai agressor. “Aqui na escola, pais irresponsáveis não têm vez. Por isso, temos um projeto chamado Reeducando os Pais na Formação de Valores, que auxilia nas questões sociais”, disse Ruthnéa.
Oito moradores da Cidade Leste, familiares de alunos da Casa Meio-Norte, já estão na universidade, incentivados pelas crianças. “Por nós acreditarmos que as crianças são capazes, elas também acreditam que todos são capazes”, afirmou Osana, que já foi pedinte e hoje faz a terceira faculdade. Ruthnéa também já passou fome e mudou de vida graças à educação. A lição, hoje, vale para o trabalho na escola: “Nossa administração é fruto da nossa história”.
Letícia Tancredi