Rodeada de alunos de 2 a 4 anos, a professora conta a história de João e Maria. Olhos atentos arregalam-se para ver melhor as figuras do livro gasto, ganho da paróquia. A cena se passa na Escola Primeiro de Maio, que fica em Massaranduba, bairro pobre de Salvador (BA). Logo em frente, no pátio improvisado e sem cobertura, alunos da 3ª e 4ª série cantam orgulhosos a história da Amazônia. “Salve a Amazônia, salve o meu país, nosso verde está por um triz”, desafinam empolgados os meninos e meninas do coro, dirigido por uma mãe voluntária.
É com poucos recursos, muita criatividade e comprometimento com o ensino, que professores, funcionários, pais e a diretora enfrentam problemas e fazem da escola um exemplo. Segundo o estudo Aprova Brasil, de 2006, feito pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) em parceria com o MEC, a Primeiro de Maio está entre as 33 escolas brasileiras que conseguiram driblar as dificuldades e contribuir para que seus alunos tivessem bom desempenho em português e matemática. O estudo foi feito a partir do exame Prova Brasil, realizado em 2005, que avaliou alunos de 4ª e 8ª série do ensino fundamental, matriculados em escolas públicas. As crianças da 4ª série da escola baiana tiveram desempenho em leitura de 181,14 e de 200,29 em matemática. A média nacional ficou em 172,9 em leitura e 180 em matemática.
A diretora, Simone de Jesus, diz que o sucesso dos alunos da 4ª série se deve ao aprendizado desde cedo. “Um dos motivos que contribuiu para o bom desempenho dos nossos alunos é porque estão na escola desde o pré-escolar”, diz. Para ensinar as primeiras palavras e números aos pequenos, as professoras fogem do jeito convencional e evitam carteiras individuais ou aulas puramente expositivas, que cansam rapidamente olhos e ouvidos desacostumados ao ambiente escolar.
É por isso que os alunos do pré se agrupam ao redor da professora que conta a historinha de João e Maria. Ao final, ela pergunta quem quer explicar o que ouviu e avisa que é um de cada vez, mas, ansiosos, falam todos ao mesmo tempo. A professora pergunta se João e Maria estavam felizes ou tristes, para estimular os alunos a diferenciar os sentimentos, e pede às crianças que ordenem os fatos. Eles precisam dizer se os irmãos encontraram a bruxa antes ou depois de se perderem na floresta. A professora também quer saber quantas eram as crianças da história e pergunta quem quer aprender a escrever o nome das personagens. A resposta é unânime: “Eu”!
Os demais alunos da escola também estão trabalhando com a fábula, de acordo com o conteúdo de cada série. Na 4ª, os estudantes farão um teatro de fantoches que deve abordar o problema da fome. “João e Maria é a história de dois irmãos, abandonados na floresta pelos pais que não tinham o que dar de comer a eles”, explica a diretora Simone. “A gente trabalha assim para fazer os meninos falarem e se desinibirem”, completa. Simone deixa claro que cada ação é planejada, para motivar os alunos e reforçar o aprendizado.
Atividades mensais — O calendário de atividades do mês de maio inclui cinema, teatro de fantoches, aula com as mães, leitura e gincana do conhecimento do pré à 4ª série. A gincana envolve todas as disciplinas e turmas. Primeiro, há disputa interna em cada sala, dividida em grupos. As duas equipes vencedoras da 3ª série enfrentarão as duas vencedoras da 4ª. E os campeões de todas as séries devem ganhar medalhas e brindes — se a escola conseguir o dinheiro que falta para comprar os prêmios.
Os alunos da professora Rosalinde de Almeida estão na 3ª série e já elaboraram uma série de questões que os colegas da 4ª terão de responder. Em geografia, por exemplo, os meninos e meninas da 4ª terão de saber que Salvador foi a primeira capital do Brasil e mostrar no mapa o lugar exato em que se encontra a península de Itapagipe, região onde moram. Os estudantes da professora Daniele de Souza, da 4ª série, também estão prontos para a batalha do conhecimento. Em matemática, eles prepararam questões em que os colegas precisarão calcular mentalmente divisões, resolver subtrações e saber explicar quantas unidades representam uma dezena de milhar.
Para festejar o dia 11 de maio e trazer a família para o ambiente escolar, as mães foram convidadas a comemorar seu dia numa aula lado a lado com os filhos, fazendo atividades lúdicas, com teatro e jogos. E no dia 16 de maio, teve cinema na escola. “O cineminha é apenas uma televisão. Como são duas tevês, locamos dois filmes e dividimos os alunos em dois grupos para assistir o vídeo e trabalhar durante a semana toda com o conteúdo”, destaca a diretora.
Na atividade Tempo de Ler, também prevista no calendário, os alunos são estimulados a desenvolver habilidades de leitura, mesmo sem biblioteca. “Já que não temos sala de leitura, os livros vão até as salas numa caixa enfeitada”, conta Simone. As obras foram adquiridas na Bienal com a ajuda da Paróquia Nossa Senhora da Piedade, que é a dona do espaço da escola, cedido em convênio com a prefeitura. A caixa fica a manhã toda rodando pelas salas e, durante a semana, passa pela escola toda, que tem cinco salas permanentes, onde funcionam do pré à 4ª série, em dois turnos — matutino e vespertino. A agenda mensal inclui ações fora da escola.
Ainda em maio, os alunos participarão de uma passeata contra a fome, organizada pela prefeitura. Serão 30 estudantes acompanhados dos pais e de um professor. Assim como a passeata e a historinha que os meninos do pré ouviram, todas as atividades do mês giram em torno da história dos irmãos perdidos na floresta. Os temas mensais são escolhidos em reuniões periódicas pela direção da escola e pelas professoras.
Maria Clara Machado
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