O povo indígena mura, que vive em seis áreas descontínuas no município de Autazes (AM), distante cerca de 250 quilômetros de Manaus, começa nesta quarta-feira, 30, a formação universitária de seus 60 primeiros professores.
A abertura do curso de licenciatura é resultado de uma parceria da Organização dos Professores Indígenas Mura (Opim) com a Universidade Federal do Amazonas (UFAM) e a prefeitura de Autazes. A construção do curso contou com recursos do Programa de Formação Superior e Licenciaturas Indígenas (Prolind), do Ministério da Educação.
A licenciatura mura tem 60 vagas, das quais 37 foram preenchidas por professores com magistério e 23 por indígenas escolhidos pela comunidade. A Opim adotou alguns critérios de seleção dos candidatos ao curso, entre eles, ter concluído o ensino médio, ser mura e morar nas aldeias de Autazes.
Com duração de cinco anos, o curso terá duas etapas anuais de aulas presenciais, que serão ministradas no prédio da Secretaria Municipal de Educação de Autazes. A primeira etapa terá duração de um mês, que, em 2008, acontecerá de 1º a 31 de maio; e a segunda nos meses de setembro e outubro. Como a formação será em serviço, nos outros meses os 37 professores continuam lecionando e os 23 universitários voltam para suas atividades nas aldeias.
De acordo com a coordenadora do curso da UFAM, Rosa Helena Dias da Silva, professora do departamento de educação da universidade, a licenciatura mura terá duração de cinco anos. Nos dois primeiros anos, os alunos fazem as disciplinas básicas para a formação geral; nos dois anos seguintes eles escolhem um entre três eixos de formação – letras e artes, ciências humanas e sociais, ciências exatas e biológicas –, e no quinto ano voltam a se reunir para os módulos de integração. Na última etapa, explica Rosa Helena, eles vão finalizar os projetos de pesquisas. O curso prepara os professores muras para lecionar nos anos finais do ensino fundamental e o ensino médio, que é uma das carências comuns nas escolas indígenas.
Para o professor Gersen dos Santos Luciano Baniwa, antropólogo e membro do Conselho Nacional de Educação, que fará a abertura do curso, nesta quarta-feira, o traço marcante do povo mura nos dias de hoje é ter aprendido a lidar com o mundo dos brancos. Como perdeu a língua materna há cerca de três séculos, período em que foi aliado do povo manaós, dizimado no século 18, a luta hoje é pela reafirmação da sua cultura, explica Gersen Baniwa.
A formação de professores para assumir as escolas indígenas do município é uma das tentativas de valorização cultural, uma vez que a língua está extinta. No encontro que terá com os universitários mura, Gersen Baniwa vai falar da importância da educação como instrumento de fortalecimento das culturas dos povos. “A escola não deve ser apenas um espaço para adquirir conhecimentos, mas deve funcionar como instrumento de afirmação da identidade”, diz o antropólogo.
O Amazonas tem 60 povos indígenas, mas hoje apenas os ticunas, que vivem na região do Alto Solimões, na divisa do Brasil com a Colômbia e o Peru, e agora os muras têm cursos específicos para formação superior de seus professores. O curso dos ticunas é da Universidade do Estado do Amazonas (UEA). Para Baniwa, a UFAM tem entre seus desafios, abrir oportunidades de educação universitária e intercultural para todos os povos do estado. A população Mura em Autazes é de 6 mil pessoas.
Outros cursos – Em todo o país, outras nove universidades federais e estaduais oferecem cursos de licenciaturas indígenas, onde 1.044 professores estão em formação. A Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) tem 140 professores indígenas; a Universidade Federal de Roraima (UFRR), 239; a Universidade Estadual do Amazonas (UEA), 250; a Universidade do Estado de Mato Grosso (Unemat), 100; a Universidade de São Paulo (USP), 80; a Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD) em Mato Grosso do Sul, 111; as universidades federais de Goiás (UFGO) e de Tocantins (UFTO), conveniadas no mesmo curso, tem duas turmas com 94 professores; e a Universidade Federal do Amapá (Unifap), 30.
A Universidade Federal do Acre (UFAC) fez vestibular com 50 vagas para duas turmas. A primeira, com 25 professores, começa o curso em agosto deste ano e a segunda, em 2009. A Universidade Federal de Campina Grande (UFCG), na Paraíba, e a estadual da Bahia (Uneb) construíram projetos de licenciaturas específicas para professores indígenas, mas ainda não abriram os cursos.
Ionice Lorenzoni