O Ministério da Educação reuniu em Brasília, de 27 de novembro até este domingo, dia 3, 40 professores indígenas que trabalham na educação básica em aldeias de 11 estados. Eles participaram de um curso básico e de oficina de informática e programação visual para aprender a usar equipamentos de informática, abrir novos campos de pesquisa e elaborar materiais didáticos específicos.
Com 64 horas de duração, o curso atendeu de forma diferente cada professor, de acordo com o nível de conhecimento da área. Assim, uns começaram com aulas de introdução e outros, de reforço. Mas o compromisso de todos foi produzir um capítulo de um livro da matéria que lecionam e editar texto e imagem com os recursos da informática. O esforço da turma foi grande, segundo Vera Olinda, coordenadora pedagógica do curso e consultora do Ministério da Educação. A maioria dos professores não tem computador na escola na qual trabalha.
Exemplo deste esforço é o professor Júlio Kamêr Apinajé, de Tocantinópolis (Tocantins). Aos 20 anos, Júlio faz a segunda série do ensino médio e leciona artes para os alunos da quinta à oitava série do ensino fundamental em sua aldeia. Ele não tem computador na escola, mas mantém o sonho de registrar a vida cultural do povo apinajé — danças, pinturas, músicas — em livros, fitas e vídeos. “O mundo muda muito, e nós não queremos perder as nossas raízes”, disse. Júlio fez até a quinta série do ensino fundamental na língua materna e, depois, teve de estudar fora da aldeia porque ali não tinha as outras séries. Na cidade, precisou aprender a língua portuguesa, mas tem orgulho de dizer que voltou à aldeia, onde hoje é professor.
José Luiz Poyanawa, 27 anos, leciona na Escola Estadual Indígena 13 de Maio, em Manso Lima, Acre. Professor de artes e de ciências naturais da quinta à oitava série do ensino fundamental, cinegrafista, aluno da Universidade Estadual Rural do Acre, ele levou para o curso de informática vários capítulos sobre o etnomapeamento da terra. No trabalho, José Luiz aborda o manejo sustentável dos recursos naturais praticado pelos poianauas e a história desse povo, que tem hoje uma população de 510 pessoas, das quais 229 estudam na educação básica e 12, no ensino superior.
Em uma aula, por exemplo, ele ensina as crianças e jovens a manejar de forma sustentável a coleta de frutas na aldeia. No caso do buriti, que é uma palmeira, se tiver quatro cachos de frutos, três podem ser colhidos. O outro, explica o professor, fica para as aves e outros animais. Além de se alimentar dos frutos, aves e animais espalham as sementes pela floresta. “Então, alimentam-se, plantam e ainda servem de caça para o povo. Isso é manejo sustentável”, disse. Os poianauas, segundo o professor, ensinam os filhos a proteger a anta, mamífero de porte médio, para que a espécie se reproduza e volte a ser fonte de alimento.
Os 40 professores que participaram do curso são de 11 aldeias de todas as regiões do País: seis ticunas, do Alto Solimões (Amazonas); 13 macuxis e uapixanas, de Roraima; um poianaua, do Acre; um guarani e quatro terenas, de Mato Grosso do Sul; um xoclengue e um caingangue, de Santa Catarina; um xacriabá, de Minas Gerais; um pataxó, da Bahia; um xucuru e um trucá, de Pernambuco; dois tapirapés, de Mato Grosso; um potiguara, da Paraíba; e um apinajé, do Tocantins.
A falta do computador nas escolas indígenas de ensino médio deve ser resolvida em 2007, de acordo com Mônica Pechincha, antropóloga e assessora da coordenação de educação escolar indígena do MEC. O programa Diversidade na Universidade prevê atendimento prioritário a escolas indígenas de ensino médio com mais de 35 alunos e que ainda não têm computador. Equipar as escolas, diz Mônica, é parte da política de incentivo à produção de material didático diferenciado, na língua materna ou bilíngüe, para assegurar o direito à diversidade.
Ionice Lorenzoni